BALANÇO 2024

Aproveitamento de prédios antigos promete dar cara nova ao Centro de BH

Propostas que incentivam retrofit podem ajudar a readequar construções esvaziadas ou abandonadas, fomentando a moradia na região

terça-feira, 14 Janeiro, 2025 - 13:45
Prédios da região central de Belo Horizonte

Abraão Bruck/CMBH

A videomaker Carolina de Morais voltava a pé da terapia, no bairro Floresta, quando viu um rapaz caminhando sobre os arcos do Viaduto Santa Tereza, cartão-postal da capital mineira construído no final da década de 1920. Ela parou, admirou a cena por alguns instantes, sacou o celular e clique. “Fiz uma foto belíssima”, conta. Andar pelas ruas e se deparar com cenas às vezes cotidianas, às vezes inusitadas, é um dos privilégios de quem vive na região central de Belo Horizonte. Moradora do Edifício JK, ao lado da Praça Raul Soares, Carolina confessa ter sido fisgada não apenas pelo que vê, mas também pelo que pode fazer na vizinhança do complexo projetado por Oscar Niemeyer. “Tenho tudo a poucos passos de casa: bons restaurantes, bares, botecos, parque, mercados… Até minha academia e o local onde faço sobrancelha há quase duas décadas ficam por aqui. Amo essa vida do Centro”, diz ela, que já morou na Rua dos Carijós e na Avenida Afonso Pena. 

Um empecilho para quem quer ter a mesma facilidade é encontrar um bom apartamento, seja para comprar, seja para alugar. Belo-horizontinos interessados em desfrutar das vantagens de morar na região central – que além de todos os benefícios citados por Carolina é uma das áreas mais bem servidas de equipamentos públicos da capital mineira – enfrentam dificuldades tanto para encontrar imóveis em condições de habitação quanto para reformá-los. Essa situação pode começar a mudar com a aprovação de dois PLs que tratam da revitalização e adaptação para novos usos de edificações do Hipercentro e adjacências.

Isenção de IPTU e "gentilezas urbanas"

Apelidado de Lei do Retrofit, o PL 551/2023, aprovado em 2 º turno em setembro de 2024 e que aguarda sanção do Executivo, tem como objetivos fomentar a moradia na região, modernizar o parque imobiliário, promover a utilização intensiva dos terrenos, aumentar a densidade populacional e adequar as edificações existentes aos padrões de segurança e acessibilidade atuais, entre outros. Enviado pela Prefeitura, o PL recebeu nove emendas. Dentre as mudanças estão as que facilitam a aprovação de projetos e que isentam por três anos do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) os imóveis admitidos no retrofit. A aprovação foi por 40 votos a zero.

Para se adequarem às normas de retrofit descritas no PL, os edifícios precisam adotar ao menos uma das seguintes soluções de “gentileza urbana” previstas no Plano Diretor: fachada ativa, com espaços comerciais que permitam o acesso ao público; área de fruição pública, destinada à ampliação de espaços verdes e à formação de faixas, largos e praças para convívio coletivo; e terraço aberto ao público destinado ao uso não residencial. 

Sancionada pelo Executivo no dia 7 de janeiro, a Lei 11.814/2025, originada do PL 953/2024, dá mais uma força para quem quer ver o Centro de cara nova. Ele permite a adoção de dispositivos especiais para iluminação e ventilação artificiais em lavabos, banheiros e outros ambientes. Fruto dos debates realizados pela Comissão Especial de Estudos para Modernização do Código de Edificações, o projeto aumenta a viabilidade legal e econômica da requalificação e reocupação de prédios.

Exemplos de outras capitais

A aprovação de leis que estimulam o retrofit em edifícios antigos vem ajudando a trazer um fôlego novo a regiões centrais de cidades Brasil afora. O melhor exemplo é o projeto Reviver Centro, do Rio de Janeiro, cuja primeira fase teve início em 2022. A menina dos olhos da Cidade Maravilhosa é o Edifício Joseph Gire, torre de 22 andares em frente à Praça Mauá. O arranha-céu pioneiro da América Latina, construído em 1929, será transformado em residencial de alta renda. Já em São Paulo, o Programa Requalifica Centro, de 2021, oferece incentivos fiscais para atrair investimentos à região. Está dando certo. Ao menos duas dezenas de projetos estão em análise pela prefeitura, sendo que a maior parte é destinada a uso residencial. “O retrofit veio para ficar e nós, aqui em Belo Horizonte, estamos chegando atrasados a uma solução que é tendência consagrada no mundo inteiro”, diz o arquiteto e urbanista Gustavo Penna, cujo escritório fica em um casarão com mais de 120 anos na esquina da Rua Espírito Santo com a Avenida Álvares Cabral. 

Para Gustavo, a cidade pode e deve ser sempre repensada, reinterpretada, com novos usos e novos usuários. “O que não se pode é ter uma área como o Centro, que recebe um imenso investimento público, esvaziada”, acredita. Ele tem, inclusive, um projeto com potencial de estimular a visitação ao Parque Municipal. O Varandão seria construído bem no meio da área verde inaugurada em 1897, pouco mais de dois meses antes da fundação da capital mineira. Com 3,2 mil m² de área, auditório, espaço administrativo e centro de memória, seria um lugar para shows de música, orquestras, educação ambiental… “É importante que as cidades sejam vividas, celebradas, por meio da arte, do encontro e da troca de experiências. Uma cidade mais bela, amiga, harmônica e cordial aumenta a autoestima do cidadão”, afirma o arquiteto, autor do Quarteirão Xacriabá, no trecho fechado da Rua Rio de Janeiro entre a Rua dos Tamoios e a Praça Sete. 

Bom para os negócios

O equilíbrio entre os usos residencial e comercial faz com que a ocupação das ruas seja permanente. Se em determinada região há apenas escritórios, por exemplo, corre-se o risco de as ruas ficarem desertas fora do horário comercial. Sócio de três empreendimentos na região, o empresário Pedro Lobo depende do fluxo de pessoas para ver o espaço de eventos Complexo CentoeQuatro, o bar Montê e o restaurante Niê fervilhando. “O Centro ainda enfrenta muita resistência por parte da população, principalmente por carregar um estigma de que não é um lugar seguro. Quanto mais gente conseguirmos trazer para cá, quanto mais moradores ocuparem os prédios, essa sensação vai esvanecendo”, diz ele. 

Inaugurado no final de agosto de 2024, o Niê fica no terraço de um prédio de 25 andares, na Rua Rio de Janeiro, em frente ao pirulito da Praça Sete. Outra obra de Oscar Niemeyer, que atualmente é a sede do hub de inovação P7 Criativo, o edifício tem uma vista panorâmica que abraça todo o Hipercentro. “Mais até do que a questão dos moradores, que são importantes, edifícios reformados podem receber turistas qualificados, com um nível cultural bacana, o que é essencial para quem vive de movimento como eu. Quando você visita uma cidade, em qualquer lugar do mundo, não quer ficar em um condomínio fechado. Quer ir para o centro, que precisa estar pronto para receber”, acredita Pedro. É essa vida que os projetos que estimulam o retrofit querem devolver à região mais pulsante de BH. 

Objetivos dos “PLs do retrofit” para a região central 

• Fomentar a moradia 

• Modernizar o parque imobiliário 

• Promover a utilização intensiva dos terrenos 

• Propagar “gentilezas urbanas” previstas no Plano Diretor, como fachadas ativas e terraços abertos ao público 

• Aumentar a densidade populacional 

• Incentivar a mobilidade ativa e a maximização da utilização do transporte público 

• Adequar as edificações existentes aos padrões de segurança e acessibilidade atuais 

• Identificar imóveis não utilizados ou subutilizados para ampliar as oportunidades de moradia popular

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