Moradores denunciam desmatamento em área de Mata Atlântica de BH
Terreno com 12 mil m² teria 927 árvores cortadas com autorização da PBH e será usado para construção de condomínio residencial
Foto: Abraão Bruck/CMBH
Uma das últimas áreas de Mata Atlântica de Belo Horizonte está sofrendo um processo de desmatamento e destruição de sua flora e fauna. A denúncia foi feita por ambientalistas e moradores do Bairro Havaí, localizado na Região Oeste da cidade, em audiência pública realizada nesta terça-feira (20/4) pela Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana. Solicitada pelas vereadoras Duda Salabert (PDT) e Macaé Evaristo (PT), e pelo vereador Irlan Melo (PSD), a audiência trouxe à tona o debate sobre a fiscalização ambiental, a preservação das Áreas de Proteção Permanente (APPs) da cidade, além do cuidado com as nascentes de água e a necessidade de criação de um programa de manejo da fauna que habita estes locais.
Entre os danos causados ao bioma local, estaria o corte de 927 árvores, incluindo espécies protegidas, que se deu em virtude do início das obras de construção de empreendimento imobiliário de responsabilidade da empresa Precon Engenharia, vizinho à Mata do Havaí, também conhecida como Mata da Represa. A área escolhida para a construção do condomínio faz divisa com uma APP e fica próxima a diversas nascentes do complexo Grota da Ventosa, que está na Sub-Bacia Hidrográfica do Córrego Cercadinho. “O que está sendo debatido aqui é a saúde sócio ambiental da cidade de Belo Horizonte”, afirmou Duda.
Impactos ao meio ambiente e vizinhança
Vários impactos negativos proporcionados pela obra foram apontados em matéria publicada no site do Projeto Manuelzão. Entre eles estão a redução da drenagem do solo e o aumento da densidade populacional do local, numa área com histórico de enchentes e perdas materiais decorrentes. Segundo Marcos Vinícius Poliano, do Projeto Manuelzão, a construção do condomínio é inaceitável do ponto de vista ambiental. “Estamos falando de uma mata centenária. Houve avaliação equivocada daquele bioma que é de Mata Atlântica. Lá tem nascentes e não há porque fazer destruição se até o atual plano (Plano Diretor) fala que a área é de proteção integral”, destacou Marcos, afirmando ainda que não foi apresentado à comunidade nenhum estudo de impacto ambiental ou estudo de impacto à vizinhança. “Tudo foi negligenciado nesse processo. A comunidade só viu quando chegaram as motosserras”, salientou.
Márcia Rodrigues é geógrafa e ambientalista com experiência em ensino superior em geologia. Atua ainda no Projeto Cercadinho Vivo, que monitora as águas da sub-bacia onde a mata está localizada. Segundo ela, além do impacto na mata, o empreendimento traz prejuízos muito grandes para o lençol freático da capital. “Para além da mata temos nascentes difusas e concentradas que são fáceis de ser manejadas. A área é de grande infiltração vinculada a uma grande quantidade de nascentes. O rebaixamento do lençol freático já afetou inclusive uma nascente que revitalizamos”, afirmou Márcia, que apresentou uma série de slides mostrando os impactos diretos que podem ser causados na Bacia do Cercadinho, que, segundo a geógrafa, apresenta relevância histórica, cultural e ambiental para BH.
Licenciamento e Plano Diretor
Durante o debate foram levantadas algumas questões relativas ao licenciamento para a construção do condomínio. Como foi feita a autorização para o corte das árvores, de quais espécies são, como está sendo feita a fiscalização e se o empreendimento não desrespeitava o novo Plano Diretor da cidade, aprovado em 2020, foram alguns dos questionamentos feitos aos representantes do Executivo Municipal e da empresa responsável pela obra. Segundo o representante da Precon, Guilherme Indiano, todo o processo segue o rito normal e está dentro da legalidade. “Acho que a dúvida de todos é sobre a legalidade que nos embasou. Tudo teve autorização para que fosse feito. O terreno foi adquirido em 2017, houve vistoria do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) e a autorização de supressão (de 927 árvores) passou pela tramitação e nos foi concedida. Temos licenças e alvará de construção”, informou Guilherme, destacando que 2.466 árvores serão plantadas como compensação ambiental pelo corte das espécies feito para o início das obras. “A Precon fez o que os órgãos públicos nos deixam fazer. Nosso cuidado com a área vem desde a compra. Dentro do imóvel não há nascente ou curso de água para ser preservado. A empresa jamais fez ato sem amparo de licença”, disse Guilherme.
A Precon conseguiu alvará para construção da obra em agosto de 2019 e a licença para supressão das árvores em maio do mesmo ano. Esta licença foi renovada em três momentos: em julho de 2019, em fevereiro de 2020 e em janeiro de 2021. Segundo Tatiana Braga, representante da Secretaria Municipal de Política Urbana, o alvará para início das obras só foi emitido depois de autorização para a supressão das árvores, que é dada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Ela disse também que a construção não precisa seguir os critérios estabelecidos no novo Plano Diretor da cidade, que entrou em vigor posteriormente (agosto de 2019). Questionada pelo vereador Irlan Melo sobre suspensão do alvará ocorrida em 15 de abril de 2020, Tatiana respondeu que a suspensão se deu por causa de vistoria que seria feita em função de verificar a distância entre os blocos. “O construtor tem 30 dias para corrigir. Só se for cassado (o alvará) é que o empreendedor tem que entrar com novo pedido de licença e teria então, que respeitar as regras do novo Plano Diretor”, afirmou Tatiana.
De acordo com Eduardo Tavares, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, todo o trâmite estabelecido pela lei foi cumprido pelo empreendedor. “Todo o empreendimento tem a porta de entrada. Houve solicitação para saber se a área se sobrepunha a alguma Área de Preservação Permanente e foi constatado que não atingiria nenhuma APP. Com relação à supressão foi feito um laudo, identificada a vegetação a ser suprimida e verificado que havia árvores protegidas e não imunes a corte. Ipê, por exemplo, é protegido e não imune. Tem que repor por definição do Comam. Isso vale também para outras árvores protegidas. Nossa atual lei ambiental foi aprovada pela Câmara Municipal”, destacou Eduardo.
Desapropriação seria alternativa
Uma das propostas apresentadas pelos parlamentares para amenizar os danos ambientais promovidos legalmente nas últimas áreas verdes de BH foi a compra, por parte do Município, destes terrenos. Segundo o vereador Braulio Lara (Novo), é preciso pensar na possibilidade de aquisição dessas áreas. “O caminho é desapropriar áreas verdes para serem áreas públicas e controlar estes maciços verdes para que não cheguemos a problemas que já são insanáveis”, disse Braulio. Partindo dessa proposta, Professor Juliano Lopes (PTC), que é presidente da Comissão de Meio Ambiente, vê que falta uma política pública clara nesse sentido. “Culpada é a PBH que não se mobiliza para a compra da área. Kalil, mande para a Câmara uma autorização de empréstimo para adquirir estas áreas remanescentes e manter o que tem”, salientou.
De acordo com Bella Gonçalves (Psol), é importante fazer algo em relação ao problema específico da Mata do Havaí. “Precisamos trabalhar com a possibilidade de reversão, pois BH não deseja que aquela área seja destruída. É necessário fazer uma visita ao local para verificar se há mesmo proteção das APPs e promover maior empenho para que áreas de proteção ambiental sejam mesmo protegidas”, disse Bella. Em apoio à fiscalização do empreendimento, o vereador Wilsinho da Tabu (PP), que também participou dos debates, apresentou à comissão requerimentos pedindo informações por escrito à PBH sobre todo o processo de autorização da supressão das árvores e construção dos prédios. Os requerimentos foram aprovados antes da audiência, em reunião ordinária da comissão.
Macaé Evaristo, que presidiu a audiência, também apresentou alguns encaminhamentos como pedido à Comissão Especial de Drenagem Urbana para que averigue os impactos do que ela chamou de “devastação” nos alagamentos ocorridos na Avenida Tereza Cristina; a criação de propostas que ampliem a atuação na defesa da recuperação da Mata Atlântica na cidade e ações da Câmara no sentido de propor à PBH que desaproprie ou “pense em mecanismos que impeçam empreendimentos nessa área”.
A audiência contou ainda com a presença de representantes de associações de moradores da região, vizinhos da Mata do Havaí e dos vereadores Wanderley Porto (Patri), Ciro Pereira (PTB), Marcos Crispim (PSC) e Professora Marli (PP).
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional