Falta de capacitação e precarização da educação especial são temas de audiência
Participantes denunciaram desmonte no tratamento a alunos com deficiência e péssimas condições de trabalho de terceirizados

Fotos: Tatiana Francisca/CMBH
A greve de profissionais terceirizados da educação foi encerrada recentemente, mas ainda repercute, trazendo à tona assuntos de grande importância, como a questão da educação inclusiva, já que entre os grevistas estavam os profissionais que prestam apoio a alunos com deficiência. Com a paralisação, muitos estudantes que precisam de suporte para se alimentar e se locomover, entre outras necessidades, não estavam indo às aulas, o que motivou a convocação de audiência pública sobre o tema. Realizada nesta quarta-feira (12/3) pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, a reunião foi presidida por Dra. Michelly Siqueira (PRD), que justificou o encontro dizendo que os direitos das crianças estão sendo descumpridos e que é preciso de uma estratégia urgente para que elas não sejam prejudicadas pela situação. A vereadora pediu esclarecimentos à Prefeitura e a Minas Gerais Administração e Serviços (MGS) sobre como é feita a capacitação dos profissionais de apoio da educação, sobre o contrato de trabalho e o que não está sendo cumprido. Ela afirmou ainda que entrará com requerimento para nova audiência em 30 dias para que sejam verificados os resultados obtidos.
Precarização do trabalho
Falta de capacitação adequada, sobrecarga de trabalho e baixa remuneração são algumas das principais reclamações dos profissionais terceirizados, que levaram à greve. Denise Martins Ferreiras, conselheira da Associação Mineira de Amigos e Pessoas com Epilepsia (AMAE) afirmou que esses profissionais são tratados de maneira diferente de outros, com forma de contrato distinta e que a quantidade de trabalho com que lidam é incompatível com a saúde que precisam ter para acolher e dar o suporte necessário às crianças.
A Coordenadora do Núcleo Popular de Apoio à Inclusão (Nupai), Daniela Avelar, declarou que “a greve é o estopim de um sistema que não está funcionando”. Segundo ela, o Nupai apoiou a greve e, após relatos do sindicato da categoria, disse ser “desumano” o que está acontecendo com esses profissionais. Sergio Vitor Lemes, representante do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal (Sind-REDE/BH) também denunciou as condições precárias de trabalho nas escolas. Segundo ele, a greve foi um “grito de socorro” para que os trabalhadores temporários pudessem ser vistos e ouvidos. Cida Falabella (Psol) endossou a fala dizendo que a greve foi encerrada com muita tristeza por alguns, por ter se avançado muito pouco. Ela aponta que algumas reivindicações eram por direitos mínimos, a exemplo do direito a intervalo e a lanche. A parlamentar reforçou que essa luta é também de responsabilidade dos vereadores e que é preciso “caminhar de mãos dadas” para se obter avanços.
Capacitação insuficiente
Outra reclamação recorrente foi a pouca qualificação dos profissionais de apoio. Helen Boteri, representante da Associação dos Autistas e que é mãe de um menino com Transtorno do Espectro Autista (TEA), afirmou que quando o filho frequentava a Rede Municipal de Ensino era comum a instituição não saber lidar com situações cotidianas. Frequentemente, era solicitado que ela o buscasse, ou, então, ele era retirado da sala, enquanto os colegas continuavam aprendendo.
Daniela Avelar apontou que a formação do profissional de apoio é de 8 horas, no total, o que inclui aprender sobre a MGS, cuidados com pessoas com deficiência e primeiros socorros. Ela destacou ainda que essa última formação é feita online, em apenas 1h20min. “Se a MGS está conseguindo ensinar primeiros socorros em uma hora e vinte minutos online, eles estão melhor que Paulo Freire”, ironizou a convidada. Daniela enfatizou a necessidade de melhorar a fiscalização dos contratos, já que os planos de treinamento são aprovados previamente pelo Executivo.
O público também se manifestou sobre o assunto, dizendo que os auxiliares estão “perdidos” e não sabem o que fazer por falta de esclarecimento adequado da empregadora. Erika Rocha, mãe de uma criança com TEA, relatou que ofereceu capacitação gratuita às escolas e que, apesar de ter conversado com professores, diretores e coordenadores, não foi permitido que ela desse o curso aos trabalhadores de apoio. Ela questionou a MGS o motivo dessa proibição.
Ausência de respostas
A Secretaria Municipal de Educação foi convidada à reunião, mas nenhum representante compareceu. Carla Patrícia, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/MG, apontou que não se surpreendeu com a ausência, já que há quase um ano aguarda a definição sobre um Grupo de Trabalho de Educação. Ela considera que a Prefeitura está sendo omissa em relação à situação dos terceirizados, e que é preciso cobrar respostas, porque as famílias, ao matricularem os filhos nas escolas, estabelecem contrato com a PBH e não com a MGS. Dra. Michelly disse que esse “problema de agenda” será resolvido na próxima semana, porque se reunirá presencialmente com o Secretário de Educação para conversar sobre essas questões.
Daniela Avelar concordou que a Prefeitura deve ser responsabilizada pela situação dos profissionais de apoio. Ela também vê descaso do Executivo em relação à educação inclusiva como um todo. “Nossas crianças não recebem o processo de ensino e aprendizagem que deviam. Elas só estão inseridas nas escolas, não incluídas.”, afirmou.
Desmonte da educação inclusiva
Katiane Ferreira Gomes, da associação “Unidas pelo Autismo” e mãe de um filho com TEA que passou pela Rede Municipal, afirmou que teve a oportunidade de ver o crescimento da educação inclusiva, quando seu filho entrou na escola em 2012, mas que assistiu também ao desmonte do setor, com a terceirização. Ela relata que, na época, os treinamentos eram feitos de dois em dois meses, promovidos pela escola, e que se vislumbrava um caminho muito positivo e que os diretores tinham autonomia para contratar profissionais específicos para o caso de cada aluno, de acordo com o laudo. Katiane apontou ainda que a precarização do trabalho causa um efeito dominó. “Tem mãe questionando se vai perder o Bolsa Familia, porque para receber o benefício, a criança deve estar matriculada na escola e ter frequência regular. Mas o filho não está indo à escola porque não tem monitor”, completou.
Representante do grupo Mães do Barreiro, Mara Cristina fez coro à fala de Katiane dizendo que passou pela mesma experiência. Ela diz receber muitas reclamações de famílias sobre ajudantes maltratando alunos com deficiência, gritando com crianças autistas. Para ela, a situação é injusta tanto com os funcionários quanto com os alunos e, portanto, algo precisa mudar.
Luis Renato Braga Arêas Pinheiro, coordenador adjunto da Comissão Especial de Direito da Pessoa com Deficiência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) acredita que a situação da precarização só será resolvida com uma legislação municipal que determine que os profissionais de apoio façam parte de quadro de carreira. “Não adianta falarmos em educação e direito à inclusão, se não houver mecanismo adequado”, declarou. Para ele, é necessário um professor especializado em educação especial em cada uma das escolas, para oferecer suporte pedagógico ao professor e às salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Luis Renato ressaltou ainda que a educação não pode ficar refém de cada gestão, sendo imprescindível que isso conste em lei. Com a segurança de um trabalho estável, os profissionais teriam mais interesse na ocupação e se sentiriam mais seguros em permanecer na função, o que é importante para a criança auxiliada. Daniela Avelar concordou com a fala, mas fez a ressalva de que um professor especializado por escola não seria suficiente, já que a demanda é muito grande.
Encaminhamentos
Flávia Borja (DC) declarou que uma frustração de seu último mandato foi não ter conseguido ajudar mais na questão da inclusão nas escolas e declarou apoio à Dra. Michelly nessa pauta, principalmente na possibilidade de mudar a legislação sobre o plano de carreira para os auxiliares nas escolas. Tileléo (PP), que acompanhou toda a reunião e se disse contemplado nas falas, também afirmou apoio às ações referentes ao tema na Câmara.
Como encaminhamentos, Dra. Michelly disse que aguarda a resposta do Secretário de Educação com relação aos questionamentos sobre a negociação com os terceirizados e que pedirá à PBH dados sobre o período de capacitação, cronograma e especialistas responsáveis. A vereadora também questionou sobre o número de escolas com salas de AEE e afirmou que irá realizar visitas técnicas em todas as escolas municipais da cidade. A parlamentar disse que fará nova audiência, em 30 dias, para tratar do que já foi feito em relação ao assunto. Ao final do encontro, Katiane Gomes ressaltou que “fica a sensação de que nós começamos a caminhar novamente”.
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