Profissionais do sexo denunciam falta de estrutura para atender casos de violência
Entidades apontaram ausência de PM’s mulheres em “batidas policiais”, falta de estrutura e preconceito em delegacias de atendimento à mulher
Foto: Bernardo Dias/CMBH
A discriminação e a violência contra profissionais do sexo de Belo Horizonte foram debatidas na manhã desta segunda-feira (23/9), durante a 21ª Reunião Ordinária da Comissão de Mulheres. Segundo Fátima Moreira, do Clã das Lobas, entidade fundada há um ano por trabalhadoras sexuais da capital, o atendimento público às prostitutas tem se pautado pelo preconceito. “O que nos angustia agora é que a Polícia Militar só manda homens para acompanhar casos de violência contra as mulheres prostitutas. E quando vamos à Delegacia de Mulheres eles falam que não podemos ser atendidas lá por sermos profissionais do sexo. Para piorar, somos levados para a delegacia em viaturas quase sempre acompanhados pelos nossos agressores. Não somos contra as batidas policiais, mas elas têm que ser feitas sempre por homens? Estamos aqui para pedir socorro a vocês”, disse Fátima contando que existem hoje 25 hotéis com mulheres cis e quatro com mulheres trans na região da Rua Guaicurus.
Além de Fátima, a reunião contou com a presença de Cida Vieira, da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig); Karina Gea, da Escola de Ativismo; Lúcia Helena, do Movimento Feminista, e dos vereadores Edmar Branco (Avante) e Maninho Félix (PSD) e das vereadoras Cida Falabela (Psol) e Bella Gonçalves (Psol). Para Lúcia Helena, a piora no atendimento às profissionais do sexo tem se intensificado nos últimos meses. “Havia uma construção da rede contra a violência à mulher sobre o atendimento às prostitutas. Mas mudou o governo e mudou tudo. Para se ter ideia, as mulheres estão sofrendo também nos aglomerados e favelas. Há batidas nas favelas que não tem nenhuma policial mulher. Hoje podemos dizer que as profissionais do sexo não são atendidas por ninguém. Por isso, recorrer a esta Comissão é muito importante, pois para além do cliente há esta violência que é o abandono institucional”, denunciou Lúcia, que recebeu imediatamente o apoio de Cida Falabela. “A gente sempre vem para a reunião da Comissão com a necessidade e o intuito de ouvir vocês”, disse a vereadora, que presidiu os trabalhos.
Bella Gonçalves, as denúncias são graves. “Não existe qualquer motivo para negligência e não atendimento por parte destes órgãos. Eles não podem fazer isso. Temos que tentar compreender este problema, pois se a delegacia especializada está deixando de fazer este atendimento é por preconceito. Vamos puxar este debate que é fundamental para a nossa cidade”.
Segundo Fátima Moreira, o número de ocorrências pode ser bem maior que o denunciado, pois “90% das mulheres que trabalham nos hotéis de BH não são da cidade e preferem não fazer a denúncia de violência”. Para Cida Vieira, que representa a Associação das Prostitutas de Minas Gerais, outra questão deve ser tratada: “Acabou a formação de policiais direcionada para este tipo de atendimento e a Lei Maria da Penha não atende plenamente mulheres prostitutas casadas. Não existe diálogo com a Polícia Militar e por isso precisamos chamar o Estado para conversar”. Kanina Gea, da Escola de Ativismo, disse que é preciso encontrar soluções imediatamente. “Eu acompanho esta situação há oito anos. Temos que ver as conquistas, mas realmente temos também que refletir e encontrar caminhos para as mulheres prostitutas, que na maioria das vezes não são atendidas. A construção de uma casa ampliada que cuide não só da violência doméstica por ser um caminho”, ideia que recebeu o apoio de Lúcia Helena. “Quando Belo Horizonte criou a casa Benvinda, ofereceu para o Brasil uma coisa nova no trabalho de combate à violência contra as mulheres. Quando você coloca esta proposta, podemos novamente inovar e propor também capacitação de policiais e guardas municipais que trabalham na capital”, concluiu.
Encaminhamentos
Após os depoimentos, os vereadores definiram algumas ações que já podem ser feitas no sentido de resolver as questões colocadas pelas representantes. A Comissão vai encaminhar pedidos de informação à Polícia Militar sobre a ausência de policiais femininas nas abordagens em locais de atuação das profissionais do sexo e nas vilas e favelas da cidade. À Polícia Civil também será encaminhado pedido de informação quanto ao não atendimento das prostitutas na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher. Também serão pedidas à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania informações sobre o fluxo e a estrutura municipal de atendimento para além da violência doméstica.
Também será levado ao Governo do Estado pedido para que um representante do Programa de Mediação de Conflitos da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais participe dos debates com as profissionais do sexo.
Outros assuntos
Durante a reunião, foi apresentada resposta ao Requerimento de Comissão 1037/2019, enviado ao Tribunal de Justiça, que tem como objetivo obter informações sobre concessão de tutela antecipada de guarda de menor a réu que tem contra si decisão de aplicação de medida protetiva, prevista na Lei Maria da Penha. O pedido foi feito tendo em vista denúncia formulada pela mãe do menor, “em decorrência de indícios suficientes da materialidade e autoria de agressões apontadas.” Segundo o Juiz Eduardo Monção Nascimento, titular da 2ª Vara Criminal e Infância e Juventude da Comarca de Ribeirão das Neves, onde o caso ocorreu, a “Unidade Judiciária possui competência Criminal, Infância e Juventude e Violência Doméstica Contra a Mulher. Sua linha de atuação quanto à guarda de criança e adolescente ocorre apenas quando há risco a ser tutelado, pois, na Comarca, há Vara própria de Família a decidir sobre essa matéria.” Ainda segundo resposta do juiz, não há, por sua parte, nenhuma atuação específica fora dos procedimentos legais previstos, “sob pena de atuação indevida.” “As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha são analisadas, desde que requeridas. A comunicação com a Vara de Família ocorre quando necessária, cabendo também às partes do processo provocarem se entenderem que é cabível.” Segundo Bella, a resposta mostra uma deficiência do sistema. “Acho que a resposta mostra a desconexão entre as varas em relação à proteção integral. Este caso mostra a realidade de várias mulheres e por mais que as varas afirmem que há comunicação quando necessário, é possível ver que temos que avançar muito em relação a estes fluxos”, criticou a vereadora.
A Comissão também aprovou solicitação de alteração de horário do Seminário “Pela vida das mulheres”, que será realizado no dia 30 de setembro, segunda-feira, às 9h, no Plenário Amynthas de Barros, e tem como finalidade discutir com especialistas e movimentos sociais os temas: a violência contra a mulher, em especial o feminicídio; a geração de renda e economia das mulheres; além de mulheres e mobilidade urbana. Segundo o requerimento que trata da realização do seminário, o evento “se justifica pela verificação do aumento dos índices de feminicídio em Belo Horizonte, pela necessidade de discutir alternativas de trabalho e geração de renda para as mulheres, além de questões relativas ao acesso das mulheres ao espaço urbano, incluindo o combate ao assédio no transporte coletivo e no ambiente urbano de forma geral.” Com a aprovação, a 22ª Reunião Ordinária da Comissão de Mulheres ocorrerá durante o seminário. Confira a programação completa e inscreva-se!
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional