PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Famílias atípicas pedem acesso a serviços públicos e direitos previstos em lei

Pais e mães de PcD relatam aguardar na fila pelo diagnóstico em saúde mental há mais de três anos

quarta-feira, 27 Agosto, 2025 - 19:45
parlamentares e participantes presentes em audiência pública na câmara municipal de bh

Fotos: Cláudio Rabelo/CMBH

Pais e mães atípicas de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), cadeirantes, paralisia cerebral e outras doenças raras relataram uma série de dificuldades no acesso a serviços públicos, sobretudo de saúde e educação, mesmo aqueles já previstos em leis. Audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira (27/8) pela Comissão de Saúde e Saneamento reuniu parlamentares, familiares de pessoas com deficiência e gestores públicos. Representantes do Executivo municipal disseram que alguns fluxos e processos passam por reestruturação; o uso de telemedicina para reduzir a fila de espera do diagnóstico em saúde mental de crianças foi uma das inovações relatadas. Pablo Almeida (PL), solicitante do encontro, afirmou o desejo de fazer com que BH se torne “referência” nacional em inclusão. O parlamentar disse que formalizará uma série de indicações à PBH em áreas como saúde, mobilidade e lazer

Políticas públicas mais efetivas

Pablo Almeida afirmou o desejo de fazer com que Belo Horizonte se torne referência regional e nacional em relação aos direitos e à inclusão de pessoas com deficiência (PcD), Transtorno do Espectro Autista (TEA) e doenças raras. Ele destacou uma série de demandas recebidas pelo seu gabinete nos últimos meses; sobre mobilidade urbana, citou relatos de PcD e suas famílias sobre calçadas irregulares e “intransitáveis” para cadeiras de rodas no município. “A gente sente ausência de fiscalização eficaz nas vagas dos PcD”, completou Pablo Almeida. Na saúde, o parlamentar citou a “a burocracia e a demora” no acesso a fraldas, dietas especiais e suplementos; bem como a consultas especializadas. Em relação à educação, as queixas que mais se repetem são a falta de formação e capacitação continuada dos monitores escolares. 

“Uma lei no papel não tem praticidade na vida das famílias se não se tornar realidade. E essa realidade tem que começar na cidade”, disse Diego Sanches (Solidariedade), que cobrou políticas públicas mais efetivas e ações do Poder Executivo para o cumprimento da legislação. Para o vereador, a garantia dos direitos das pessoas com deficiência deve ser debatida de forma “multissetorial e intersetorial”. O parlamentar aproveitou para destacar alguns projetos de sua autoria, como o PL 93/2025, que visa instituir um programa de vacinação domiciliar para pessoas com TEA; e  o PL 106/2025, que busca a concessão de passe livre no transporte público para famílias atípicas em BH.

Dra. Michelly Siqueira (PRD) destacou a criação da frente parlamentar "BH mais inclusiva”, anunciada no Plenário da CMBH em junho deste ano, com o objetivo de atuar em prol dos direitos de PcD, TEA, idosos e seus familiares. Na audiência, Dra. Michelly Siqueira fez uma convocação aos demais colegas parlamentares para comporem essa frente, e anunciou que ela será “implementada” no próximo mês de setembro.

Diagnóstico precoce

“É muito difícil narrar o que a gente passa no dia a dia”, disse Samuel Ataíde, pai atípico do Davi, de seis anos. Ele contou que o filho recebeu o diagnóstico de TEA e de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) aos dois anos, quando se iniciaram as primeiras intervenções terapêuticas. A partir de então, Samuel relatou ter havido “ganhos enormes” no desenvolvimento de habilidades de seu filho, como melhorias na fala e na capacidade de socialização

“Investir nisso [no diagnóstico precoce] não é gasto. É realmente um investimento no futuro dessas crianças e de suas famílias”, disse Samuel Ataíde.

Mãe atípica de um adolescente de 14 anos, Neila Diniz fez menção à Lei Federal 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, mais conhecida como Lei Berenice Piana. Neila destacou que essa legislação já prevê o direito à saúde integral para pessoas autistas, com a oferta de consultas, terapias e medicamentos especializados, bem como ao diagnóstico e intervenção precoces. No entanto, segundo ela, faltam profissionais especialistas na rede pública de saúde da capital. “Como que vai ter um laudo, como vai ter uma intervenção precoce se nós não temos psiquiatra infantil há nove anos na rede pública do Município”, questionou ela, dizendo ainda que a falta desse profissional também impede o acompanhamento e o ajuste de medicação de crianças já diagnosticadas. Já sobre os profissionais neuropediatras no SUS-BH, o número, segundo Neila, é “insuficiente”. Ela se dirigiu a famílias presentes na plateia, que relataram aguardar consultas há mais de três anos. “Como a nova gestão vai cumprir a lei federal se não tiver esses profissionais?”, perguntou Neila.

Segundo Sheila Novaes, da coordenação de Reabilitação da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), o diagnóstico precoce de autismo das crianças que aguardam na fila de atendimento em neuropediatria na rede pública de saúde tem sido realizado, “há mais de um ano”, por meio de avaliação multiprofissional. “A neuropediatra vai até o centro de reabilitação - um dos cinco centros de reabilitação que nós temos na cidade - e, juntamente com uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, estão sendo avaliadas as crianças que estavam na fila da neuropediatria com suspeita de TEA”, explicou. 

Segundo a representante da secretaria, 370 crianças já foram avaliadas, das quais 45% tiveram diagnóstico de autismo confirmado. “Nós já estamos chamando crianças do ano de 2024, que aguardavam na fila para neuropediatria”, disse Sheila. 

Dificuldades de contratação

Isabel Maria Gomes, da gerência de Atenção Especializada da SMSA, disse que psiquiatras e neuropsiquiatras são profissionais de “difícil contratação” não só em Belo Horizonte como em todo o país. "E entendendo as dificuldades do número reduzido de neuropediatras que nós temos na rede, a gente tem feito os atendimentos junto com os médicos da ponta”, contou ela. Dessa forma, segundo a representante do Executivo, foi estabelecido um novo fluxo no início deste ano, baseado em teleconsultas. Por meio de telemedicina, os neuropediatras têm feito tanto as discussões dos casos quanto o próprio atendimento das crianças junto com o médico lotado na unidade de saúde de referência da família. “A gente entende que [este fluxo] está sendo muito eficaz”, afirmou Isabel Gomes. 

Tecnologias assistivas

De acordo com Hércules Leite, fisioterapeuta e professor do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apenas 30% das crianças com paralisia cerebral receberam diagnóstico antes de completarem um ano de idade. Ele coordena o Registro Brasileiro de Paralisia Cerebral, iniciativa que visa registrar todas as pessoas que vivem com a deficiência no país, a fim de levantar dados sobre as condições de vida e saúde dessas pessoas. O projeto é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência pública federal ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Até o momento, 1.600 pessoas com paralisia cerebral já foram cadastradas no país. 

Dados apresentados por ele revelam ainda que 70% das crianças brasileiras com essa condição não caminham e sofrem com crises convulsivas e epilepsia; e apenas 30% dizem ter os recursos necessários para sua assistência, como tecnologias assistivas. Segundo o terapeuta, elas são a “chave para que a gente consiga promover inclusão”. As tecnologias assistivas são o conjunto de equipamentos e recursos de promoção da funcionalidade para pessoas com deficiência e abrange desde itens simples, como bengalas e óculos adaptados, até dispositivos complexos, como softwares de leitura de tela e sistemas de comunicação.

“A tecnologia assistiva que é oferecida não atende a essa comunidade. [Essas pessoas] não têm acesso a cadeira de rodas motorizada, não têm acesso a um andador de qualidade; não têm acesso a vários recursos, e o atraso para essa aquisição e para conseguir uma consulta é enorme”, disse Hércules Leite.

Educação mais inclusiva

“Muitas vezes é mais fácil deixá-las de lado; afinal algumas não andam, não falam e nem interagem com outras crianças. Mas elas existem, elas aprendem e, acima de tudo, têm direito à educação”, provocou Juliana Diniz, mãe da Carolina, criança com paralisia cerebral. “Mesmo sem falar, ela sorri quando sabe que está na hora de estudar”, completou. Para Juliana Diniz, a falta de capacitação de professores para lidar com crianças com deficiência é uma “grande lacuna” da educação pública. Ela defendeu uma formação “semelhante a cursos técnicos” para os auxiliares de inclusão que atuam nas salas de aula. “Só assim poderemos ter a tranquilidade de que nossos filhos estão bem cuidados”, disse. Juliana também falou da falta de acessibilidade no ambiente escolar, que não tem, segundo ela, infraestrutura para atender crianças cadeirantes.

Pessoa com deficiência, a diretora de Inclusão Escolar da Secretaria Municipal de Educação, Aline Castro contou que a pasta passa por um “processo de reestruturação”, buscando ampliar acesso, permanência e desenvolvimento de aprendizagem entre os estudantes com deficiência. A representante da Educação disse que a secretaria tem promovido um curso de comunicação alternativa para os professores da rede, e está adquirindo recursos tecnológicos para que os estudantes possam ter, segundo ela, “o direito à comunicação”. “Nós sabemos do desafio que temos. Também estamos traçando novas possibilidades ‘desse desenho’ do nosso auxiliar de apoio”, disse ela.

“Um dos grandes problemas que nós enfrentamos, até hoje, é essa dificuldade de abandonar o modelo tradicional do ensino, que foi pensado para o estudante padrão - que aprende tudo, da mesma forma, no mesmo tempo, quietinho, sentado na cadeira. E a gente sabe que o processo de ensino e aprendizagem não pode ser colocado em ‘caixinhas’’’. disse Aline Castro.

Para garantir educação domiciliar para seu filho Dom, de cinco anos, a mãe dele, Raíssa, disse não ter obtido “respostas” do centro de saúde próximo de sua residência. Para conseguir o laudo necessário para apresentar à Secretaria Municipal de Educação, Raíssa disse ter precisado recorrer à uma consulta particular. “Muito se fala em políticas públicas (...), mas na hora da ação isso não acontece”, falou a mãe de Dom. Raíssa contou que, junto com o marido, paga por um plano de saúde privado e também pelos medicamentos que o filho faz uso.

“A gente tem políticas maravilhosas, que se forem colocadas em prática de fato, se acontecerem, vai dar tudo certo. (...) A gente quer que tudo isso que vocês trabalham aqui, debatem, nos chamam para poder fazer parte, que isso realmente saia do papel”, pediu Raíssa.

Com o fim do tempo regimental, a audiência pública seguiu de maneira informal. Antes disso, porém, Pablo Almeida adiantou que irá formalizar algumas indicações à PBH, como a contratação emergencial de neuropediatra e de um projeto piloto de monitoramento eletrônico das vagas especiais de estacionamento de veículos. Outras ideias que serão sugeridas pelo parlamentar são a instalação de brinquedos adaptados para crianças com deficiência em áreas de lazer do município e um estudo de viabilidade para a adaptação de unidades básicas de saúde com a instalação de instrumentos e elementos sensoriais.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater as condições de acesso à saúde, mobilidade, esporte e lazer e educação de pessoas com deficiências e doenças raras - 28ª Reunião Ordinária - Comissão de Saúde e Saneamento