Trabalhadoras sexuais reivindicam respeito e políticas de assistência
Representantes do coletivo Clã das Lobas participaram de reunião da Comissão de Mulheres sobre violência de gênero

Fotos: Rafaella Ribeiro/CMBH
Atendimento digno de saúde, acesso à assistência psicológica, credibilidade das instituições públicas e respeito durante contato com policiais foram algumas das demandas apresentadas por trabalhadoras sexuais durante reunião com convidadas da Comissão de Mulheres, realizada na manhã desta quinta-feira (29/5). O encontro teve como objetivo discutir dados de violência de gênero em BH e conhecer iniciativas de enfrentamento que atuam de forma considerada inovadora pelo colegiado. Na ocasião, a Guarda Civil Municipal também relatou o trabalho realizado pelo Grupamento de Proteção à Mulher Guardiã Maria da Penha no combate à violência doméstica e vereadoras sugeriram a criação de material informativo sobre o tema pela Procuradoria da Mulher da CMBH. Confira o resultado completo da reunião.
Descrédito da polícia
Após trabalhar por 22 anos na Rua dos Guaicurus, local conhecido no Centro de BH por seus hotéis que funcionam como pontos de prostituição, Maria de Fátima Muniz do Nascimento, conhecida como Jade, é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e fundadora do coletivo Clã das Lobas. A ONG oferece abrigo e apoio para trabalhadoras sexuais em situação de vulnerabilidade e atua em busca da garantia dos direitos da classe.
Jade relatou que casos de violência contra essas mulheres não recebem o devido crédito por parte da Polícia Militar. Muitas dessas ocorrências têm origem em clientes que não querem pagar pelos serviços prestados ou que agridem as mulheres, e, segundo ela, há relatos de recusa dos policiais em registrarem boletins de ocorrência. Para mulheres transexuais e travestis, o tratamento da PM tende a apresentar mais problemas, de acordo com Lorena Maria de Paiva, também coordenadora do coletivo. Ela lembrou de uma abordagem que recebeu há cerca de dois anos, em local próximo de sua casa, quando policiais teriam zombado dela. “Passaram meu documento na mão de um por um e ficaram rindo”, relatou, contando que os homens perguntaram ainda qual era seu nome antes da transição de gênero, uma vez que seu nome social já constava na identidade.
Discriminação em postos de saúde
Outro problema apresentado pelas trabalhadoras é a falta de acesso a serviços de saúde, já que o Centro de Saúde Carlos Chagas, no Bairro Santa Efigênia e o mais próximo do Centro, é considerado distante por elas. Lorena disse ainda que os serviços de saúde tratam as trabalhadoras do sexo com preconceito. Uma de suas atuações é acompanhar as mulheres em equipamentos públicos em busca de tratamento psicológico; mas o atendimento inicial, segundo ela, é atravessado por discriminação.
"A gente chega no posto de saúde e sabe o que é oferecido pra gente? Elas olham na nossa cara e oferecem: ‘vamos fazer teste de HIV, teste de sífilis?’ Só veem a gente como pessoas doentes", afirma Lorena.
Para Luiza Dulci (PT), que solicitou a reunião, é necessário melhorar as políticas públicas para que todas as mulheres sejam contempladas.
“Nós precisamos que a política pública chegue e funcione para todas as pessoas nas suas formas de existência. Não há só uma forma de ser mulher, a gente não pode pensar a política para uma pessoa padrão que não existe”, declarou a vereadora.
Projeto de lei federal
As participantes da reunião também manifestaram preocupação com a apresentação do Projeto de Lei 778/2025 na Câmara dos Deputados, em Brasília, pelo deputado federal Kim Kataguiri (União - SP). A proposta quer incluir “prostituição em via pública” na Lei das Contravenções Penais. Segundo a doutoranda em antropologia social pela Universidade de Brasília Débora Antonieta Silva Barcellos Teodoro, que estuda dinâmicas familiares de trabalhadoras sexuais, o PL vai criminalizar a prostituição ao impedir a captação de clientes nas ruas. “Ninguém faz programa na rua. Isso é uma falácia maldosa para produzir um pânico moral a respeito de uma atividade que é legítima no nosso país”, declarou a pesquisadora.
Capacitação do setor público
Segundo a doutoranda, é necessário haver “empreitadas de letramento” de pessoas que atuam nas áreas de segurança pública, saúde e outros equipamentos públicos para que conheçam a realidade dessas mulheres e consigam romper com imaginários sociais pré-concebidos. Uma iniciativa nesse sentido já foi realizada pelo Clã das Lobas, que convidou forças de segurança para uma capacitação no tema do trabalho sexual. Segundo Jade, apenas a Guarda Civil Municipal (CGM) “compareceu em peso” na ocasião.
A coordenadora do Grupamento de Proteção à Mulher Guardiã Maria da Penha da CGM, subinspetora Aline de Oliveira, colocou a corporação à disposição para atender as ocorrências das trabalhadoras da Guaicurus por meio do telefone 153.
Violência doméstica
A subinspetora apresentou um relatório do trabalho realizado pelo grupo no combate à violência doméstica na capital, que consiste no translado humanizado de vítimas para abrigos; investigação de denúncias do Disque 190 com inconsistências de informações; fiscalização do cumprimento de medidas protetivas, com acompanhamento das vítimas; e realização de campanhas educativas com a população e em parceria com escolas públicas. Hoje, o grupamento conta com 24 servidores e três viaturas dedicadas exclusivamente para esse trabalho.
Segundo Aline, a maior demanda de atendimento de violência doméstica acontece às segundas e terças-feiras, devido às ocorrências dos fins de semana. Em BH, a totalidade das vítimas assistidas são mulheres, sendo que 93% têm mais de 18 anos. Atualmente, a Guarda faz contato diário com 20 mulheres classificadas em risco grave ou extremo de violência, com realização de patrulhas semanais nas imediações de suas residências e locais de trabalho. Outras cinco mulheres com risco mais baixo têm periodicidade de contato e patrulha menor.
“Chama atenção que, infelizmente, as mulheres só procuram o serviço de proteção quando recebem o primeiro tapa. Quando a gente vai conversar com ela, tem um histórico de violência psicológica, moral e patrimonial muito anterior a esse primeiro tapa que ela levou”, lamentou a subinspetora.
Material informativo
Para Aline, campanhas educativas são a chave para alcançar as mulheres antes que a violência chegue ao extremo. “Só um panfleto em cima de uma mesa ou num centro de saúde não é suficiente. A gente precisa ser didático. Então a abordagem é feita cara a cara, olho no olho”, relata.
Juhlia Santos (Psol) sugeriu que seja criado um material que possa ser consultado pelas mulheres contendo informações sobre violência doméstica, seus direitos, serviços de proteção oferecidos na cidade e como procurar ajuda. Um dado importante a ser incluído, segundo a parlamentar, é de que contatos indiretos, como mensagens por Whatsapp ou que acompanham transferências por PIX, também são caracterizados como descumprimento de medida protetiva. Cida Falabella (Psol) propôs que essa cartilha seja feita em parceria com a Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal.
Superintendência de Comunicação Institucional