Governo e comunidades terapêuticas contestam descriminalização
Participantes da audiência defenderam priorização de políticas de prevenção, recuperação e reinserção de dependentes químicos
Foto: Tatiana Francisca/CMBH
Parlamentares, agentes públicos, representantes das comunidades terapêuticas e da sociedade civil se manifestaram nesta quinta-feira (17/4), em audiência pública da Comissão de Saúde e Saneamento, contra a possibilidade de descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Os participantes defenderam a priorização das políticas multissetoriais de prevenção do uso de drogas e o tratamento e recuperação dos dependentes. Requerente do debate, Claudio do Mundo Novo (PL) ressaltou que, diante de um tema tão sensível e complexo, é imperativo abrir espaços de discussão inclusivos, considerando e compartilhando perspectivas e experiências para lidar com a questão, que impacta a sociedade de muitas formas. Ao final, anunciou que, com a escuta dos envolvidos, vai buscar formas de interceder junto ao governo federal no sentido de fortalecer a prevenção e o combate às drogas e o trabalho das comunidades terapêuticas no estado e no país.
Claudio do Mundo Novo celebrou a ampla participação no que talvez seja "a maior audiência da história da Câmara de BH sobre esse tema", com um grande número de pessoas acompanhando de dentro e de fora do Plenário, pelos telões instalados nas dependências da Casa e pelos canais virtuais. “Nesse espaço democrático, buscamos compreender aspectos desse assunto complexo e sensível, que transcende as fronteiras individuais e abrange aspectos sociais, econômicos, de saúde pública e, sobretudo, humanitários”, afirmou.
Prevenção em vez de legalização
Contextualizando a discussão, ele mencionou os andamentos da proposta de descriminalização que está em análise pelo STF, suspensa recentemente e sem data definida para retomada em razão de pedido de vistas de um dos ministros. Em seu entendimento, é necessário se opor ao uso e facilitação do uso de substâncias psicoativas e priorizar a reflexão e discussão sobre a prevenção e tratamento da dependência química, em vez de normatizar ou legalizar. Para o vereador, isso requer um compromisso coletivo com a educação, a conscientização e o acesso a serviços de saúde, tratamento e recuperação dos indivíduos afetados. Nesse sentido, ele destacou o papel das comunidades terapêuticas, que promovem a reabilitação mediante programas multidisciplinares, proporcionando educação, suporte emocional e chance de reinserção digna na sociedade.
Maninho Félix (PSD) e Reinaldo Gomes Preto Sacolão (MDB) testemunharam como cidadãos, pais e vereadores sua preocupação com o uso indiscriminado de drogas, que afeta tantas famílias, e reiteraram seu interesse em contribuir no seu enfrentamento. Os parlamentares também questionaram a quem interessa a descriminalização que vem sendo cogitada pela Suprema Corte do país, abrindo precedentes perigosos e agravando o problema da dependência química, com altos custos sociais e econômicos.
De Brasília, o deputado federal Eros Biondini (PP), integrante da Frente Parlamentar pelas Comunidades Terapêuticas, celebrou a aprovação, no Senado, da PEC que criminaliza a posse e o uso de todos os tipos de drogas, “que tanto mal fazem aos nossos jovens”, ilustrando o posicionamento da maioria dos senadores. “Não podemos desistir dessa luta”, conclamou.
Políticas públicas
A subsecretária de estado de Políticas sobre Drogas, Cláudia Gonçalves Leite, reiterou que a questão, complexa e crucial, é equivocadamente considerada na dimensão moral, estigmatizando as pessoas afetadas. Segundo pesquisas, o problema afeta mais de 34,5 milhões de pessoas no mundo (aumento de 45% nos últimos 10 anos) e de cada oito pessoas que se suicidam, quatro fizeram uso de droga antes do ato. A gestora relatou as políticas, programas e parcerias do estado voltadas à prevenção do uso e redução da oferta, tratamento e reinserção social de dependentes, que incluem o financiamento de 41 Comunidades Terapêuticas e 13 entidades prevenção ao uso de álcool e outras drogas, com mais de 5.700 pessoas atendidas mensalmente. Em seu entendimento, a descriminalização diminui a percepção de risco, como ocorre com o álcool: “tá liberado, então não faz mal”.
Érica Pinheiro, superintendente de Políticas Sobre Drogas do estado e ex-dependente, lamentou os efeitos negativos do estigma que pesa sobre os usuários, os vínculos familiares rompidos e a exclusão social dessas pessoas, e destacou a eficácia do trabalho realizado pelos grupos de autoajuda e instituições que prestam serviço de acolhimento, tratamento e reinserção. O secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte, Danilo Borges Matias, não compareceu nem enviou representante.
A deputada estadual Chiara Biondini (PP) reiterou a defesa das CTs e protestou contra a ingerência do STF sobre a questão. Elogiando a postura e atitude do Congresso, destacou a importância do envolvimento de todas as esferas de governo e da sociedade civil no enfrentamento do problema. “A maconha não é inofensiva como alguns argumentam, mas sim uma porta de entrada para outras drogas”, alertou.
O coronel Ailton Cirilo da Silva, presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar, apontou a transformação das premissas dos órgãos de segurança, antes mais voltadas à repressão, que hoje incorporam a abordagem socioeducativa da questão. Protestando contra o debate no âmbito do STF, que envolve a delimitação de quantidades “aceitáveis” de drogas, ele reforçou que os ministros não foram eleitos para decidir sobre o tema e reiterou que o caminho leva ao vício e à criminalidade, sendo necessário investir também em programas de redução da oferta e do acesso às drogas. Claudio do Mundo Novo elogiou o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), realizado pela corporação há mais de duas décadas nas escolas, contribuindo para conscientizar e afastar crianças e adolescentes do mundo das drogas.
Precariedade e preconceito
Ronaldo Guilherme, fundador da Comunidade Terra da Sobriedade e coordenador da Federação das Comunidades Terapêuticas de Minas Gerais (Febrat-MG), comentou sobre a participação da entidade na construção de um arcabouço jurídico e orçamentário para dar suporte à inclusão dessas instituições nas políticas públicas governamentais e na destinação de recursos, contestada por alguns setores, notadamente da esquerda. Com experiência bem sucedida de mais de 50 anos, as CTs oferecem projetos terapêuticos que visam à abstinência, baseados na adesão e permanência voluntárias dos acolhidos. Mencionando a criação do Conselho Municipal de Drogas em BH, que, por alguma razão, não apresenta a continuidade e efetividade necessárias, ele apontou a precariedade da rede de atenção na capital, em que falta intersetorialidade e sobra preconceito em relação às Comunidades. “Não é segregar. A lei prevê internação. CT não é manicômio”, refutou.
Vitório Evangelista Chaves, da Comunidade Reviver, Belisário Gomes Pena, da Fazenda Renascer, e Patrícia Magalhães, fundadora e presidente do instituto que leva seu nome, testemunharam os esforços para ampliar as vagas e as dificuldades financeiras vividas pelas entidades, e reforçaram as críticas ao STF e aos que defendem a liberação e a chamada redução de danos (“ninguém para de usar drogas usando”), que desconhecem ou ignoram o sofrimento dos dependentes e suas famílias. Belisário enfatizou a resistência e resiliência dos que se dedicam ao acolhimento, tratamento e prevenção de recaídas, que salvam muitas vidas: “Podem dar pancada que o couro está grosso!”.
Contrários à descriminalização, apontam que qualquer tipo de droga é maléfica e traz consequências aos usuários e à sociedade, sobrecarregando sistemas de saúde e de segurança pública, inclusive as lícitas, que devem ser combatidas mediante restrições de propaganda e comercialização. “Precisamos ter responsabilidade ao eleger nossos representantes e governantes. Não podemos mais admitir a defesa de políticas que levam à destruição da vida”, protestou Patrícia. Claudio do Mundo Novo saudou as dezenas de membros de Comunidades, ex-internos e familiares, de BH e do inetrior, que acompanharam a audiência na Câmara ou pela internet.
Os participantes pediram que os parlamentares municipais e estaduais ajudem a pressionar o Congresso Nacional para a regularização das dotações orçamentárias às instituições selecionadas na concorrência pública aberta pelo governo anterior e o fortalecimento das políticas de acolhimento e recuperação, especialmente das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Superintendência de Comunicação Institucional