Relatório aprovado pede indiciamento de prefeito, secretários, empresários de ônibus e servidores da BHTrans
Documento produzido pelo relator Irlan Melo foi rejeitado. Relatório substitutivo apresentado por Flávia Borja foi aprovado por 4 votos a 3
Foto: Cláudio Rabelo/CMBH
Por 4 votos a favor e 3 contrários foi aprovado na manhã desta quinta-feira (11/11) o relatório final que conclui as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que investigou os gastos do Município com a pandemia. O documento que encerra as atividades da CPI pede o indiciamento do prefeito Alexandre Kalil (PSD) por improbidade administrativa; emprego irregular de verbas públicas e por utilizar-se indevidamente de recursos em benefício do setor de transporte público. Os vereadores também pedem a responsabilização dos secretários municipais de Planejamento, Orçamento e Gestão, André Reis; de Saúde, Jackson Machado Pinto, e da Fazenda, João Antônio Fleury, além do diretor da BHTrans Daniel Marx Couto e do ex-dirigente da empresa, Célio Bouzada. O relatório ainda sugere o indiciamento, por improbidade administrativa, do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra/BH), Transfácil e dos quatro consórcios operacionais do transporte coletivo e 38 empresas que os compõem. As conclusões dos trabalhos da CPI foram apresentadas pela vereadora Flávia Borja (Avante) após a rejeição do documento elaborado pelo relator Irlan Melo (PSD).
Responsabilização dos infectologistas
O relatório substitutivo apresentado por Flávia Borja, segundo a própria parlamentar, diverge em poucos aspectos do documento elaborado por Irlan Melo e estes pontos se concentram principalmente na responsabilização e imputação das práticas delituosas. Na análise produzida por Irlan, o mesmo apontou crime de improbidade administrativa praticado pelos médicos infectologistas Carlos Starling e Estevão Urbano, em razão de consultoria na esfera privada, enquanto ainda mantinham atividade deliberativa no Município. Sobre isso, o relatório de Irlan destacou ser uma “situação na qual o Comitê cria um protocolo próprio para as escolas retomarem suas atividades e dois membros desse comitê também integram a diretoria de uma associação, que vende consultorias para que as escolas se adequem ao protocolo criado por eles. O conflito de interesses é claro”.
A imputação, entretanto, gerou mal estar entre os parlamentares, que chegaram a dizer que na verdade os médicos deveriam é ser homenageados, já que suas atuações voluntárias pouparam a vida de milhares de pessoas na cidade. “Abdicaram de cuidar da sua família, dos amigos mais próximos para cuidar da cidade e levaram BH a ser referência no mundo inteiro pela condução exitosa da pandemia”, defendeu Bruno Miranda (PDT) ao citar o tralho dos infectologistas.
Responsabilização do prefeito
Também os vereadores José Ferreira (PP), Flávia Borja e o presidente da CPI Professor Juliano Lopes (Agir) divergiram quanto à responsabilização dos médicos. Para estes, a responsabilização que deveria constar é a do chefe do Executivo, em função do repasse de cerca de R$ 220 milhões concedidos às empresas de ônibus, por meio da compra antecipada de vales-transporte e de acordo feito junto ao Tribunal de Justiça de MG para garantia destes recursos. Segundo Professor Juliano Lopes, trata-se de uma pedalada do prefeito Alexandre Kalil. “Emprestou R$ 220 milhões sem juros. Beneficiou empresários de ônibus que descumpriram a legislação que o senhor (Kalil) mesmo criou. Como pode ir ‘na imprensa’ e dizer que isso é política. Política quem fez foi o senhor. Foi empréstimo e é crime porque tinha que ter autorização desta Casa. Nós não paramos. Ficamos aqui e poderíamos ter aprovado um subsídio, assim como fizeram outros municípios”, afirmou.
Irlan Melo ainda tentou a conciliação de interesses, se dispôs a retirar do relatório as imputações apontadas sobre os infectologistas e defendeu que outras responsabilizações não foram feitas em razão de não serem encontradas provas. Para o parlamentar, que afirmou ter conduzido seu trabalho pela tecnicidade e não pelo juízo de valor, a prova formal no caso dos repasses aos empresários é o pedido de adiantamento assinado pelo então diretor da BHTrans, Célio Bouzada. “Não estou aqui para passar pano, busquei tratar as coisas tecnicamente. Se não pedimos o indiciamento de A ou B é porque não vimos provas e isso pode ser visto no aprofundamento das investigações do Ministério Público”, argumentou o vereador, que lembrou ainda que Bouzada é citado em seu relatório pelo crime de advocacia administrativa (artigo 321 do Código Penal - CP), que consiste em patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.
A argumentação porém não resultou em mudança de posição e seu relatório foi rejeitado com 5 votos contrários, dando lugar ao substitutivo apresentado por Flávia Borja. Na peça da parlamentar do Avante, que tem 386 páginas, as alterações estão principalmente na conclusão, onde estão descritos os indiciamentos e encaminhamentos. O substitutivo foi aprovado com 4 votos a favor, dados por Flávia, Juliano Lopes, José Ferreira e Nikolas Ferreira (PRTB), e 3 em contrário – Irlan Melo, Bruno Miranda e Jorge Santos (Republicanos).
Veja os pedidos de indiciamento e encaminhamentos aprovados no relatório final da CPI:
Advocacia administrativa
Pela prática do crime de advocacia administrativa, a CPI pede o indiciamento de Célio Freitas Bouzada, ex-presidente da BHTrans, tendo em vista que foi o autor da proposta de reequilíbrio contratual e o solicitante dos pagamentos referentes aos aditivos contratuais, muito embora não fosse competente para tanto.
Modificação ou pagamento irregular (art. 337- H do CP)
Pela prática do crime de modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, pede indiciamento de Célio Freitas Bouzada; João Antônio Fleury Teixeira, secretário municipal da Fazenda; e de André Abreu Reis, secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, por serem os responsáveis pela autorização e repasse do valor de R$ 16 milhões do Município para a Transfácil, sem o devido instrumento contratual.
Falsidade ideológica (art. 299 do CP)
Por omitirem em documento público, firmado perante o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, informação de que os repasses de compra antecipada de vales-transporte já estavam sendo feitos pelo Município às empresas concessionárias de ônibus, a CPI pede o inciamento de Célio Bouzada, João Antônio Fleury e Daniel Marx Couto, diretor de Transporte Público da BHTrans.
Emprego irregular de verbas (art. 29 do CP)
Por alterarem a destinação das dotações utilizadas para o pagamento dos aditivos contratuais e acordo judicial para uso em política pública (PL 229/21), em nítida ofensa às rubricas constantes nas leis orçamentárias, caracterizando prática de emprego irregular de verbas ou rendas públicas, pede-se o indiciamento do prefeito Alexandre Kalil e do secretário André Reis.
Uso de verba pública (art. 1º, incisos II e IX, do Decreto-Lei 201/67)
Por utilizar-se indevidamente de verba pública para benefício do setor de transporte público coletivo, bem como por, segundo suas próprias palavras, conceder empréstimo sem autorização da Câmara Municipal de Belo Horizonte, e em desacordo com a lei, pede-se o indiciamento do prefeito Alexandre Kalil.
Improbidade administrativa
Imputar ao prefeito Alexandre Kalil a prática de improbidade administrativa do art. 10, inciso XI, da Lei 8429/92; e dos incisos II e IX, e art. 11, inciso IV da mesma norma. E ainda aos secretários André Reis, João Antônio Fleury, e a Célio Freitas Bouzada, a prática de improbidade administrativa prevista no art. 10, incisos II e IX, e art. 11, inciso IV, da Lei 8429/92.
Prevaricação (art. 319 do CP)
No que diz respeito ao procedimento da empresa Medicar Emergências Médicas, por celebração de termos aditivos sem intervenção da Procuradoria do Município e sem documento de motivação do ato, é pedido o indiciamento do secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto.
Improbidade administrativa
Imputar a prática de improbidade administrativa às seguintes empresas: Consórcio Operacional do Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus do Município de Belo Horizonte (Transfácil); Setra/BH; Consórcio BHLeste e empresas que o compõem (Viação Globo; Coletivos Boa Vista; Sagrada Família Ônibus; S&M Transportes; Viasul Transportes Coletivos; Viação Getúlio Vargas; Viação São Geraldo; Viação Progresso e Viação Torres); Consórcio Dez e empresas que o compõem (Betânia Ônibus; Auto Ônibus Nova Suissa; Coletivos São Lucas; Transcbel/Transporte Coletivo Belo Horizonte; Via BH Coletivos; Via Oeste Transportes; Viação Paraense; Viação Santa Edwiges; Viação Sidon e Viação Zurick); Consórcio Dom Pedro e empresas o compõem (Rodopass Transporte Coletivo de Passageiros Belo Horizonte Transporte Urbano; Coletur - Coletivos Urbanos Sociedades; Salvadora Empresa de Transportes; São Cristóvão; Urca Auto; Viação Anchieta; Viação Euclásio e Viação Fenix); e Consórcio Pampulha e as empresas que o compõem (Milênio Transportes; Auto Omnibus Floramar; Cidade BH Transportes; Coletivos Asa Norte; Lig transportes e Serviços; Plena Transportes e Turismo; Rodap Operadora de Transportes; São Dimas Transportes; Turilessa; Viação Carneirinhos; Viação Jardins e Viação Sandra).
Recisão do acordo, devolução de valores e investigação de cestas básicas
O substitutivo aprovado também pede que a conclusão das investigações seja remetida ao Ministério Público de Minas Gerais e ao Ministério Público de Contas para que prossigam nas investigações. Flávia Borja ainda pede que haja ajuizamento (com urgência) pelo Ministério Público de ação rescisória a fim de desconstituir a decisão homologatória do acordo com a consequente devolução aos cofres públicos dos valores pagos às concessionárias de transporte coletivo, aos permissionários e à Transfácil; para que se realize a quebra de sigilo bancário aprovado pela CPI Covid-19; que se investiguem eventuais crimes de corrupção ativa e passiva praticados por Mário Valadares (dono do Shopping Oiapoque); Célio Bouzada e Daniel Marx Couto; e ainda que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal investiguem se as cestas básicas adquiridas pelo Município para a população durante o período da pandemia são provenientes de recursos do governo estadual e federal para a área da saúde.
A CPI da Covid-19 foi instalada em maio deste ano a partir da assinatura de 14 parlamentares, sendo Nikolas Ferreira o primeiro signatário. Em 175 dias de trabalho foram realizadas mais de 30 oitivas e 36 reuniões. Além do Professor Juliano Lopes, que a presidiu, integraram a CPI a vereadora Flávia Borja e os vereadores Bruno Miranda, Irlan Melo, Jorge Santos, José Ferreira e Nikolas Ferreira.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional