CPI DA COVID-19

Repasse de quase R$ 220 milhões feito às empresas de ônibus pode não ser pago

Valores começaram a ser devolvidos, mas vereadores temem que a integralidade dos recursos devidos à PBH não volte aos cofres públicos

quinta-feira, 28 Outubro, 2021 - 15:30

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

R$ 6,6 milhões dos cerca dos R$ 220 milhões repassados pela Prefeitura às empresas de ônibus, por meio da compra antecipada de créditos de vales-transporte já foram devolvidos aos cofres do Município. O montante, entretanto, que é bem pouco diante do tamanho da dívida, dá mostras de que o valor pode não ser pago em sua integralidade. Além do desconto que a Prefeitura vinha concedendo às empresas no momento do pagamento do repasse, os donos dos coletivos falam agora em insolvência – equivalente a uma falência -, o que os desobrigaria do pagamento do adiantamento feito pela Prefeitura da Capital. As informações constam de depoimentos dados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, na manhã desta quinta-feira (28/10), pelo presidente da Transfácil, Ralison de Andrade e seu antecessor Renaldo de Carvalho Moura. Durante os depoimentos, os vereadores reiteraram o caráter de subsídio da operação que culminou na compra antecipada dos créditos e criticaram a divergência de valores entre os números apresentados pela Transfácil e pela PBH, bem como a falta de informações necessárias ao esclarecimento dos fatos, entre elas, as notas fiscais dos pagamentos que a Transfácil já fez à Prefeitura.

Desconto nos pagamentos

Até este mês de outubro o Consórcio Operacional do Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus de BH (Transfácil) já pagou à PBH R$ 6,6 milhões dos cerca de R$ 220 milhões que o Município repassou à empresa, por meio da compra antecipada de vales-transporte. O montante que poderia ser maior começou a ser pago em outubro do ano passado, porém, até abril deste ano, a empresa mantinha um acordo com o Município para um desconto no momento do pagamento. Segundo o presidente da entidade, Ralison de Andrade, o ajuste previa que apenas 10% do valor mensal da compra de vales do Município seriam efetivamente descontados para o abatimento da dívida. Assim, em janeiro deste ano, por exemplo, quando a Prefeitura teria comprado R$ 1,6 milhão em vales-transporte, a Transfácil teve retido apenas R$ 160 mil. O acordo, que surpreendeu os parlamentares, só foi possível em função de um termo aditivo assinado entre a Transfácil e as Secretarias Municipais de Fazenda e de Planejamento, Orçamento e Gestão, em abril do ano passado, e que dizia que os créditos seriam devidamente utilizados na proporção de 10% a 20%. Para a vereadora Fernanda Altoé, (Novo) que trouxe a informação do aditivo, a situação surreal. “Então a demora (para o pagamento do repasse) não será de seis anos, mas de pelo menos 20 anos”, afirmou.

A descoberta do aditivo só apareceu quando os dados dos pagamentos apresentados pelo presidente da Transfácil mostraram discrepâncias em relação aos enviados pela subsecretária de Gestão e Pessoas, Fernanda de Siqueira, que mostram que de janeiro a outubro deste ano, cerca de R$ 18 milhões já foram gastos em compras de vales-transporte. Para o presidente da CPI, Professor Juliano Lopes (Agir), as informações precisam ser confrontadas e o caráter da operação se assemelha a um empréstimo. “A PBH tem crédito, compra os vales-transportes e os valores não estão sendo abatidos. Emprestou sem juros e as contas não batem. Alguma coisa está muito errada”, afirmou.

Questionado sobre esta diferença nos valores, Ralison afirmou que a Transfácil está devolvendo tudo como está firmado no acordo e disse que as alterações podem estar relacionadas a outras compras feitas pela PBH, como por exemplo, de créditos da Óptimo, que é o cartão de bilhetagem da rede metropolitana de ônibus. “É comum também a empresa fazer o pedido de compra e o funcionário não utilizar, então no próximo mês será menor e o valor só aparece quando ele roda a roleta, pode ser isso, não sei”, explicou.

Os seis anos para o pagamento da dívida, entretanto, é um calculo feito por Ralison, a partir da retomada das atividades da cidade e a normalização das compras feitas Município. Segundo o dirigente, antes da pandemia a Prefeitura comprava entre R$ 2,5 a R$ 3 milhões em vales-transporte. Para o relator da CPI, Irlan Melo esta, porém é uma conta bem otimista, já que seria preciso que o Município comprasse R$ 3 milhões todos os meses.  “Isso se não tivermos agravamento da pandemia, com novo fechamento, ou se a fuga de passageiros que já vinha acontecendo não se agravar”, comentou Irlan.

Ausência de documentos e discrepância nos valores

A falta de explicação sobre as oscilações nos dados, entretanto, deixou os parlamentares descontentes. Para Irlan Melo (PSD) a ausência de informações pode dificultar e comprometer a investigação e mesmo o relatório final. Segundo o parlamentar, que solicitou a entrega em cinco dias, de todas as notas fiscais dos pagamentos que a Transfácil já fez a PBH, o trabalho da CPI é de buscar a verdade e não fazer ilações.  “Para fazer o relatório eu preciso destes dados. Ou eu tenho as informações corretas ou no final tenho que fazer um relatório indiciando o senhor por peculato. Aí mandamos para o Ministério Público e então é com eles”, advertiu.

Outro dado que não bate, e que os vereadores buscam esclarecer é o valor total que foi repassado às empresas. Enquanto a PBH enviou documento que afirma terem sido R$ 218 milhões, a Transfácil atesta terem sido R$ 221 milhões. Questionado por Irlan se as empresas teriam dinheiro em caixa para pagar tudo que ainda falta, Ralison disse não saber, mas acreditar que o valor poderá ser pago sim.

Repasse total e insolvência

O temor de Irlan tem fundamento já que, desde o ultimo mês de abril, novo acordo com a Transfácil estipulou que tudo o que for comprado em vales-transporte pela Prefeitura deva ser abatido integralmente do crédito existente junto à Transfácil. Irlan chegou a questionar ao ex-dirigente da empresa como eles irão sobreviver, já que toda compra feita pelo Município será abatida . Renaldo Moura então disse que os compromissos serão honrados, mas a situação é de que as empresas caminhem para insolvência.  “Estamos fazendo o que foi acordado, mas se continuar assim, se o sistema não for revisto, iremos acabar parando. Tem quatro anos que não temos aumento de passagem, A PBH está descumprindo o contrato. Tivemos pedidos de ônibus diferenciado (com ar condicionado) e isso não foi repassado”, contou Renaldo.

Ainda segundo Renaldo, uma tentativa de instaurar uma arbitragem já foi tentada para se dirimir os questionamentos entre empresas do transporte coletivo e Prefeitura, porém ainda não se obteve resultados. Novamente questionado como farão para manter o serviço de transporte coletivo, Renaldo disse que atualmente eles estão contraindo empréstimos, mas que brevemente nem isso será possível. “Nós estamos indo para a insolvência”, afirmou.

Irlan então ressaltou que esta é uma informação que deve preocupar a cidade, pois se trata do transporte de milhares de trabalhadores. Reparou que mesmo não sendo objeto da CPI o tema merece atenção da Casa e da Prefeitura da Capital. “Então a qualquer momento a cidade vai ficar sem transporte público. Isso é muito sério. Precisamos entrar neste debate o quanto antes”, alertou.

Fernanda Altoé fez coro à fala de Irlan e acrescentou que isso mostra que a pandemia foi uma desculpa para as empresas forçarem um reequilíbrio nos contratos e que os valores repassados poderão nunca ser pagos. “Se a insolvência vier não existe obrigação de pagar nem ações trabalhistas que dirá empréstimos mal feitos”, afirmou.

Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.

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