ACESSO À MORADIA

Audiência esclarece regulamentação de lei que beneficia vítimas de violência

Lei promulgada em 2019 e regulamentada no sábado pelo Executivo,  inclui mulheres vítimas de violência doméstica em programa de assentamento

sexta-feira, 12 Março, 2021 - 17:00

Ernandes Ferreira/CMBH

Vai pra onde? Esta pergunta feita para alguém que vai viajar pode ser fácil de responder. Se direcionada a uma pessoa que vai mudar de cidade por causa de trabalho ou estudo, também não é difícil. Mas imagina esta mesma pergunta sendo dirigida a uma mulher vítima de violência e sendo proferida pelo companheiro agressor? A resposta passa a ser muito mais complexa e muitas vezes de difícil solução. Pois é prioritariamente para estas mulheres que a Lei 11.166/2019 (Lei da Morada Segura), regulamentada no sábado (6/3) pela Prefeitura, é direcionada. Ela estabelece a inclusão de mulheres vítimas de violência doméstica entre os beneficiários do Programa de Assentamento (Proas) da Prefeitura. O tema foi debatido em audiência pública da Comissão de Mulheres, nesta sexta-feira (12/3).

De acordo com a lei, a vítima deverá ter sido atendida e encaminhada por órgão ou equipamento público municipal responsável pelo combate a esse tipo de crime. Reduzindo a dependência em relação ao agressor, a norma permite à vítima a oportunidade de reconstruir a vida longe dele em moradia digna, não excluindo a aplicação das medidas protetivas de urgência e outras cabíveis previstas em leis federais. “A violência machista que se agravou durante a pandemia sobrecarrega ainda mais as mulheres. Nosso fardo é mais pesado e a violência machista piora isso. Ver essa lei materializada dá muita alegria. É urgente ter respostas das políticas públicas para proteger estas mulheres, sobretudo a proteção material onde a moradia é determinante”, disse a deputada federal Áurea Carolina (Psol), que participou dos debates e é uma das autoras do projeto que originou a lei, junto com a também ex-vereadora Cida Falabella. “Que a lei seja executada com toda a plenitude em BH”, finalizou a deputada.

Segundo a vereadora Bella Gonçalves (Psol), que solicitou a audiência junto com Iza Lourença (Psol), a proposta que virou lei surgiu de um amplo debate com a sociedade civil e “foi trazida por mulheres”. “A ideia é garantir espaço de moradia segura para interromper violências as quais as mulheres estão sujeitas. Muitas vezes não são garantidas saídas”, explicou Bella, dizendo ainda que o Conselho Municipal de Habitação também participou do processo de construção do texto. “Sem teto e sem casa não se quebra o ciclo de violência. Esta lei é fruto de diálogo forte com o Executivo. A gente constrói com a cidade e com os movimentos”, completou Cida Falabella, que também participou dos trabalhos. “É emocionante ver uma lei dessas ser regulamentada, principalmente no contexto em que vivemos hoje”, disse Iza Lourença.

Direito garantido

Decreto 17.563, que regulamenta a Lei da Morada Segura, foi publicado pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) no último sábado e prevê que o encaminhamento da mulher em situação de violência para inserção no Proas seja realizado pelo Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Benvinda), com base em avaliação técnica desenvolvida em articulação com os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) e com as demais políticas públicas responsáveis pela assistência à mulher em situação de violência no Município. De acordo com a secretária municipal de Assistência Social Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), Maíra Colares, a regulamentação demorou “um pouco”, mas foi feita coletivamente. “A gente avalia que demorou, mas foi construída por algumas áreas da Prefeitura. A gente sabe que em BH não é só o Benvinda que atende mulheres vítimas de violência. Mas dentro da estrutura da PBH é”, disse Maíra, exaltando a importância do diálogo entre os órgãos do Executivo. Ainda segundo a secretária, o trabalho agora está sendo feito na perspectiva da Urbel, responsável pela política de habitação no Município, se reorganizar do ponto de vista do orçamento.

Diretora de Políticas para Mulheres da Prefeitura, Cibele Vieira disse que essa organização já está sendo feita com “a construção de fluxo operacional com a Urbel”. “Os serviços agem de maneira articulada e há o compromisso de regulamentar este fluxo tão logo seja possível”, explicou Cibele. De acordo com a coordenadora do Núcleo de Trabalho Técnico e Social da Urbel, Ana Flávia Machado, a nova lei altera legislação antiga e cada caso será encaminhado adequadamente. “A Lei Morada Segura é uma alteração da lei de reassentamento e inclui mulheres que podem ser atendidas por um dos projetos habitacionais que temos. A gente analisa e vê o programa que é mais efetivo, analisando caso a caso para definir o tipo de atendimento. Agora (com a regulamentação publicada) passamos a colocar em prática dentro da Lei de Orçamentária Anual, afinando procedimentos e atendimentos”, explicou Ana Flávia.   

Porta de saída

Um dos atores fundamentais para a criação da lei foi o Movimento Nacional de Luta por Moradia, representado na audiência por Ednéia Aparecida de Souza. Moradora do Bairro Taquaril, ela e outros integrantes percebiam que era necessário encontrar uma solução para mulheres que não conseguiam sair do chamado ciclo de violência, por não terem para onde ir. “Já existia uma rede de combate à violência contra a mulher, mas que não tinha uma porta de saída adequada”, contou Edneia, explicando que a região onde morava possuía alto índice de crimes contra as mulheres. “A maioria das mulheres da nossa região vive no mesmo terreno que a sogra. Falo aqui de mulheres que sofrem várias violências como não ter família e não ter emprego. Vimos que as políticas de proteção precisam de uma porta de saída para esta mulher e, mesmo demorando, temos hoje uma lei importante principalmente nesse momento de pandemia”, afirmou. Ainda segundo Edneia, com o coronavírus muitas dessas mulheres estão sendo abandonadas pelos companheiros.

A mulher brasileira é uma das que mais sofrem violência no mundo. Somente em 2019, foram 1326 mortes provocadas pelo ódio ao sexo feminino, uma alta de 7,1% em comparação ao ano anterior. Os dados são do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos que dão conta ainda de um aumento de 40% no número de denúncias por telefone relativas à violência contra a mulher. Uma pesquisa realizada pelo Observatório da Violência contra a Mulher apontou que, também em 2019, 78% dos crimes foram praticados por homens que têm ou tiveram relacionamento com as vítimas. Ao mesmo tempo, o índice de conhecimento da Lei Maria da Penha que já foi de 95%, caiu para 87%. Segundo Lu Dandara, do Aura na Luta, houve uma redução de 23% no número de denúncias durante a pandemia e 65% das vítimas de violência são mulheres negras. “Há ainda um silenciamento e uma falta de opção para pedir ajuda”, disse Dandara.

Fluxo

A questão do registro da denúncia e sua vinculação com a efetivação da Lei da Morada Segura foi tema de questionamento por parte da representante da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, Indira Xavier. “Muitas mulheres não dão conta de fazer uma denúncia formal. Como se estabelece um fluxo dessas mulheres? Como fazer para que elas sejam atendidas (pela lei)?”, perguntou Indira, salientando a importância da regulamentação e que é necessário pensar como fazer para resolver estas questões. “O bosque que se abre pra nós é muito bonito e precisamos trilhar com alegria", sintetizou.

A resposta foi dada por Thiago Alves, subsecretário de Direito e Cidadania. Segundo ele, a “regulamentação foi feita para atender a todas independentemente de denúncia”, mas precisa chegar à rede de proteção da PBH. “Nosso equipamento que realiza o acompanhamento é o Benvinda, mas (a demanda) pode vir de diversas portas. Não é só o Benvinda, mas tem que registrar lá onde é feito o referenciamento da mulher”, explicou. Ainda segundo Thiago, começará a ser feita a verificação do perfil de preferência na Urbel. “Criamos um grupo de trabalho com a assistência social para melhorar também o fluxo de atendimento de mulheres vítimas de violência. O momento é de identificar e encaminhar mulheres com prioridade”, finalizou.

O gestor também explicou que a realidade de abrigamento feito pela PBH prima pela segurança da mulher. “A gente sabe o quanto a mulher é perseguida e a estratégia tem que ser bem avaliada”, disse o subsecretário, respondendo a uma questão levantada pela vereadora Fernanda Altoé (Novo), que citou a possibilidade de abrigamento provisório em hotéis, experiência, segundo ela, exitosa na Itália. De acordo com Thiago, o uso de hotéis aumentaria a possibilidade de o agressor identificar o local onde a mulher em situação de violência está. “Agressores já foram até ao Benvinda”, disse. 

A audiência pública contou ainda com as presenças das vereadoras Macaé Evaristo (PT), Professora Marli (PP) e Flávia Borja (Avante); Isabela Alves, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social; Ana Flávia Freitas, da Defensoria Pública de Minas Gerais; Kátia Sales, do Psol BH; Tatiana Maia, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança; Sil Rosa, das Brigadas Populares; e representantes do mandato da vereadora Sônia Lansky da Coletiva (PT).

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

5ª Reunião Ordinária - Comissão de Mulheres - Audiência pública para Debater a Lei Municipal n° 11.166/2021