Em 10 anos de medições do Igam, classe 3 quase nunca foi atingida
Mesmo assim, consórcio teria recebido maioria dos pagamentos feitos pela PBH. Dados foram colhidos por pesquisadores da UFMG
Foto: Cláudio Rabelo/CMBH
Entre os anos de 2013 e 2023, quase nunca a água da Lagoa da Pampulha apresentou a classe 3, que foi o grau de pureza exigido nas contratações feitas pelo Município para despoluição da bacia. Os dados que apontam isso são do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e foram apresentados na manhã desta terça-feira (25/4) durante audiência pública realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os contratos para despoluição da lagoa. Pontos de monitoramento do instituto localizados na Ilha dos Amores, na Barragem e próximo à Igrejinha mostram que índices de fósforo estiveram acima da média tolerável para se atingir a classe 3. Segundo o professor de Linmologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UMFG), José Fernandes Bezerra Neto, que apresentou os dados, a análise aponta que nestes anos não houve queda nos níveis de poluição, mas sim 'estabilização em um patamar ruim'. Ana Paula Fernandes Viana, engenheira da Prefeitura e fiscal do contrato de 2018, que prestou depoimento na CPI também nesta manhã, afirmou que variações podem ocorrer em função da sazolinalidade (diferença entre períodos climáticos), mas que quando as medições não alcançaram os índices desejados, os pagamentos não foram feitos. Parlamentares que integram a investigação viram com preocupação os dados apresentados pelo professor e pediram que a análise seja anexada às documentações que compõem o inquérito. Também na reunião, o pesquisador da Universidade Federal de Campinas (Unicamp) Luiz Mário Queiros falou da importância de se atuar nas causas da poluição da bacia (esgoto proveniente de oito córregos) e citou técnicas utilizadas e que obtiveram sucesso em outros países e cidades.
Estabilidade em um nível ruim
Além dos níveis de fósforo, a equipe do professor José Fernandes Bezerra Neto mediu também índices ligados à densidade de cianobactérias e a clorofila-a. Os estudos mostram que mesmo após a aplicação da Phoslock, associada à Enzilimp, que foi o modelo adotado na contratação de 2015 e depois renovado em 2018, ao custo de 30 milhões/ano, os níveis de poluição da lagoa não baixaram de forma significativa e em raras vezes a classe 3 de controle da água foi atingida nas medições feitas pelo Igam. "De 2016, quando começou a aplicação do Phoslock e do Enzilimp, até 2023, tanto na Barragem, como na Igrejinha e na Ilha dos Amores, as concentrações estiveram acima de 50 micrograma/litro. Isso (a classe 3) houve apenas em um ou outro momento, mas foi esporádico", afirmou o professor, mostrando os dados em que a média de medições neste período esteve entre 100 e 250, chegando a marcar, entre 2021 e 2022, na Ilha dos Amores (proximidade dos Córregos Ressaca e Sarandi) quase 1.600 micrograma/litro.
As medições de cianobactérias e a clorofila-a também não apresentaram índices desejáveis na classe 3. A primeira, que deveria estar em até 100 mil células/miligrama, registrou média acima de 600 mil em 2019, e de mil em 2021. Já os índices de clorofila-a (quantifica algas) teriam que estar abaixo de 60 microgramas/litro, mas foram registrados alguns índices positivos, mantendo-se na média na maioria das vezes, exceto pelo ano de 2022, quando as medições sempre estiveram acima do limite para a classe 3. Segundo o professor, os dados do Igam mostram que as médias anuais sempre estiveram acima das desejáveis para a classe 3, mesmo levando em conta as questões ligadas à sazionalidade. "Se a qualidade da água estivesse melhorando, estes valores tenderiam a diminuir ao longo dos anos. Mas não há uma tendência de queda nos últimos anos. Ao contrário, você vê praticamente uma estabilização num grau de trofia (Índice do Estado Trófico) muito ruim. Essa é a história destes anos que os dados do Igam estão nos contando", afirmou.
Pagamentos, glosas e Copasa
Embora a sazonalidade tenha sido considerada pelo professor da UFMG, a engenheira da Prefeitura Ana Paula Viana, que assinou o documento que embasou a inexigibilidade da licitação feita pelo Município em 2018, disse que questões ligadas a este fator são levadas em conta, mas que, ainda assim, a classe 3 foi obtida na maior parte das medições realizadas pelo Consórcio Pampulha Viva e, quando o padrão solicitado não foi atingido, a empresa foi glosada, ou seja, deixou de receber pelo serviço.
Segundo a fiscal do contrato, para despoluição da lagoa a licitação feita não exigia apenas a classe 3 de pureza, mas também que fosse aplicado um tratamento para ambientes lênticos (lagos e lagoas) e que por isso indicou a tecnologia para a captura de fósforo com biorremediação, que seria o Phoslock associado ao Enzilimp. "Existia uma responsabilidade para tratar córregos e era da Copasa. Para mim, chegou a determinação para tratar a coluna de água e a flotflux (Estação de Tratamento de Águas Fluviais) não trata isso. Só cheguei na inexigibilidade porque a Pampulha Viva é que tratava isso", declarou.
'Perdendo a luta'
Se o tratamento feito não alcança a classe 3 e se a Copasa não coleta o esgoto antes que ele chegue aos afluentes que deságuam na bacia da Pampulha a cidade está 'perdendo a luta' contra a poluição. Esta é a sensação descrita pelo pesquisador da Unicamp Luiz Mário Queiros. Ao trazer contribuições de anos de estudo na área, o pesquisador, que há 28 anos mora nas imediações da Pampulha, diz que se não houver atuação do poder publico nas causas do problema, não haverá solução. "Mesmo com todo o esforço da PBH, estamos perdendo a luta. Tomaram decisões erradas. Essa é a minha opinião. É preciso tratar os córregos que estão chegando na lagoa. Eles poderiam ser transformados em parques lineares e a água seria tratada. Podem fazer lagoas de sedimentação e a iniciativa privada exploraria os sedimentos, têm valor, como os metais pesados", explicou.
Segundo o especialista, que na sua apresentação incluiu experiências de baixo custo e de sucesso aplicadas em cidades como Paris e Sabará, e países como Estados Unidos e Índia, com o assoreamento, especialmente na porção oeste da lagoa (enseada do Zoológico e proximidades), perdeu-se a capacidade de autodepuração e por isso apenas aplicar produtos químicos não seria eficiente. "Precisamos ter uma coluna de água mais extensa para que os microorganismos sejam atingidos, interajam com a luz do sol e façam a decomposição", afirmou.
Questionado sobre se havia participado do chamamento para a concorrência ocorrida em 2013 para serviços de despoluição da bacia, Luiz Mário disse que chegou a conversar sobre o assunto com o então prefeito Márcio Lacerda, mas que não participou de nenhum processo licitatório. " O phoslock funciona, mas não como estão utilizando. Então se você aplica onde não precisa, a eficiência é zero", explicou, dizendo ainda que a situação está pior na porção oeste, na chegada dos Córregos Ressaca, Sarandi e Água Funda.
Para o relator da CPI, Braulio lara (Novo), a convocação do ex-prefeito deve mesmo ocorrer e as contribuições e estudos apresentados pelos pesquisadores devem contribuir com o relatório final das investigações.
Além do relator, participaram da reunião as vereadoras Fernanda Pereira Altoé (Novo) e Flávia Borja (PP) e os vereadores Bruno Miranda (PDT), Irlan Melo (Patri), Jorge Santos (Republicanos), Professor Juliano Lopes (Agir), Sérgio Fernando Pinho Tavares (PL) e Wagner Ferreira (PDT).
Assista à íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional