Mães defendem criação de protocolo de ação em casos de perda gestacional
Sofia Feldman tem diretrizes em curso. Tempo para despedida, pulseira de identificação e sala privada estão entre as sugestões
Foto: Karoline Barreto/CMBH
Construir um protocolo de ações para maternidades públicas e privadas atuarem nos casos em que a mulher tenha perda gestacional – aquela que ocorre antes do nascimento do bebê, ou logo após o seu nascimento. Este foi o principal encaminhamento da audiência pública, que na tarde desta quinta-feira (23/11), debateu, no âmbito da Comissão de Saúde e Saneamento, práticas para trazer mais conforto e dignidade para as mães que enfrentam essa dor. O encontro, solicitado por Cláudio do Mundo Novo (PSD), tratou do Projeto de Lei 639/2023, proposto pelo parlamentar, que institui o Programa Mães de Anjo. A proposta, que aguarda sanção do prefeito após aprovação em Plenário, cria uma rede de proteção, respeito e cuidado às mães de natimorto e com óbito fetal. Na audiência, além da vivência de mulheres que passaram pela perda, foram apresentados os trabalhos desenvolvidos pela Colcha, organização não-governamental que acolhe de forma voluntária mães com perda gestacional; e pela Maternidade Sofia Feldman, que possui um rol de diretrizes para os casos, garantindo inclusive a presença da mãe no momento do sepultamento o seu bebê.
Empatia
Na última quarta (22/11), fez dois meses que Mariana Batista perdeu seu filho Igor, aos 36 meses de gestação. A gravidez seguia normalmente até que, em consulta, o médico não ouviu o coração do bebê e, ao pedir o ultrassom, constatou o óbito fetal. Com o nervosismo e o choro, Mariana entrou em trabalho de parto e depois desse momento, relatou, pôde contar apenas com a ‘empatia das pessoas’. “Não havia protocolo para nada. Fui para um hospital particular e lá ouvia frases do tipo: parabéns; pode passar pra frente. Fui levada para uma sala separada, mas ainda próximo do bloco cirúrgico e lá ouvia o choro de bebês que nasciam. Acho que ali uma pulseirinha faria diferença”, afirmou.
O médico obstetra da Mariana já tinha um caso de perda gestacional na família, então, logo que o processo de expulsão ocorreu, ele pediu que as enfermeiras limpassem o bebê e que Mariana segurasse Igor nos braços, para que se despedisse dele. O bebê foi pesado e uma foto foi tirada, atitude que contribuiu para a vivência do luto. “Mas muitas vezes os profissionais que estão lá podem estar consumidos em sua rotina e não fazem algo tão importante, que é dar a criança para a mãe segurar. Então essa é a importância desse encontro hoje, de criarmos protocolos para que as mães não tenham que depender da empatia das pessoas”, disse Mariana.
Pulseira de identificação
A pulseirinha da qual a Mariana falou foi uma das sugestões apresentadas pela Dra. Mônica Nardy. Ginecologista e obstetra, há seis anos ela perdeu sua filha com 39 semanas de gestação e hoje integra a OGN Colcha. A médica, que lembrou o grande número de gestações que não vão adiante (cerca de 20%), defendeu uma assistência mais criteriosa, em que sejam considerados aspectos como uma porta de entrada diferente na maternidade e um quarto separado para o processo de expulsão do bebê. “Há muita coisa a ser elaborada. Seja uma pulseirinha que ela recebe na triagem ou ações para uma gestação futura mais segura; o tempo de despedida; o suporte emocional e há ainda as possibilidades que existem para diagnóstico de material, como a placenta”, defendeu.
Problema de saúde pública
Paula Beltrão e a Daniela Bittar, fotógrafa e psicóloga da ONG Colcha, também defendem a criação de um protocolo. Para Beltrão, que faz o registro dos bebês, o orgulho de uma mãe de um filho vivo é o mesmo da mãe de um filho que partiu. “O registro fotográfico nos conecta com quem amamos e eles foram filhos amados, esperados e desejados. Todas as mães deveriam poder segurar seu bebê em qualquer idade gestacional. Tivemos uma mulher que perdeu seu bebê com 16 semanas e ela não pôde ver, porque ele foi jogado no lixo”, contou.
Já Daniela Bittar, que também viveu uma perda gestacional, acredita que as medidas são simples, mas essenciais, dada a falta de espaço para tratar do assunto, tanto na área da saúde quanto no ambiente familiar. “O trauma não se dá pela perda em si, mas pela forma como acontece. Muitas vão viver um luto complicado. Metade se divorcia, outras vão para o álcool e então temos um problema de saúde pública. Essa mulher vive o luto, enterra o filho e quando volta não tem lugar para ela. As pessoas não sabem lidar com isso, porque não falam sobre o assunto”, afirmou.
Humanização e capacitação
O Hospital Maternidade Sofia Feldman já tem orientações sobre o tema. Tarsila Fagundes, que há dez anos é enfermeira na unidade, perdeu um filho com três anos de idade e desde então tem buscado informação sobre a perda gestacional. Na unidade, segundo a técnica, o investimento é em humanização e formação. “Construímos um protocolo e conseguimos capacitar mais de 500 pessoas de diversos setores. Temos um crachá e um lembretinho sobre o que dizer e o que não dizer e através dele conseguimos sensibilizar muitas pessoas”, contou, dizendo ainda que, na maternidade, mesmo que a mãe esteja internada, um carro vai levá-la e acompanhá-la durante o sepultamento do seu bebê.
A humanização e a capacitação também foram defendidas pelo representante da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA). Edmundo Gustavo de Araújo, gerente de Integração do Cuidado à Saúde, reconheceu o desafio da saúde pública e privada e concordou com a necessidade de investimento na capacitação de equipes, sugerindo ainda a possibilidade de descentralização da assistência. “O investimento precisa continuar sendo nas pessoas, pois apenas protocolos não são suficientes. Importante também pensar em descentralização, para que os casos continuem a ser acompanhados pelos centros de saúde”, afirmou.
Bruno Pedralva (PT), Fernanda Pereira Altoé (Novo), Flávia Borja (PP), Wilsinho da Tabu (PP) e Wesley (PP) estiveram presentes na audiência e consideraram relevantes as questões trazidas. Fernanda Pereira Altoé elogiou a proposta de criação do Programa Mães de Anjo e falou dos avanços para a cidade. “Fui relatora do PL na CLJ e vi que era um projeto diferenciado. O vereador Cláudio do Mundo Novo tem a oportunidade de criar uma política pública que pode ser copiada no Brasil inteiro. É uma lei que vem para mudar as coisas. Uma inovação que traz mudança de verdade para a cidade”, afirmou.
Como encaminhamento, foi proposto o estabelecimento de um protocolo com medidas claras a serem tomadas pelas maternidades. O documento deve conter, entre outras diretrizes, a criação da pulseira de identificação e a reserva de um espaço próprio para as gestantes.
Assista à íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Instituição