IGUALDADE RACIAL

Aplicação de legislação de enfrentamento ao racismo precisa avançar nas escolas

Situação de racismo em instituição de ensino particular de Belo Horizonte foi denunciada em audiência na Câmara Municipal

quinta-feira, 15 Dezembro, 2022 - 23:00

Foto: Ernandes/CMBH

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, é obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, o que inclui o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. A determinação consta da Lei Federal 10.639, de 2003. Para debater a aplicabilidade da norma em Belo Horizonte, bem como o papel da escola e as ações de enfrentamento ao racismo no ambiente escolar, a Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo realizou audiência pública na quinta-feira (15/12). Na audiência, também foram discutidas ações a serem tomadas em relação a um caso de racismo em ambiente escolar relatado pela mãe de uma aluna de uma instituição de ensino particular em BH. A esse respeito, Macaé Evaristo (PT), que solicitou a audiência, afirmou que irá encaminhar ao Ministério Público a situação relatada. Entre os encaminhamentos a serem apresentados pela vereadora também consta pedido de informação sobre registros de apuração de denúncias de situações de racismo das escolas. Além disso, serão solicitados relatórios que demonstrem onde estão sendo aplicados recursos na implementação da Lei 10.639 e dados do Conselho Tutelar no que tange a situações de racismo. Também será apresentada indicação para atualização de currículos e projetos político-pedagógicos com o intuito de se enfrentar o preconceito racial.

Luzia Ferreira de Paula, mãe de estudante vítima de racismo em uma escola particular da capital, contou que sua filha, que é negra, ouve reiteradamente de seus colegas de escola falas como “volta pra senzala”, “eu detesto preto” e “se eu pudesse eu matava”. Além disso, a mãe contou que um amigo negro de sua filha convidado para comparecer à festa junina da escola foi abordado de forma truculenta por um segurança da instituição de ensino, que revistou sua mochila enquanto o garoto de 13 anos estava junto a um grupo de estudantes.

Quando Luzia foi à escola para saber qual atitude seria tomada pela instituição de ensino a respeito da ação do segurança, a diretora escolar afirmou, segundo a própria mãe da estudante, que não apresentaria as medidas que seriam adotadas em relação ao caso e informou que isso não dizia respeito a Luzia. A mãe também quis saber qual o projeto da escola em relação ao combate ao racismo, tendo sido informada pela diretora que a instituição de ensino não trata da questão do racismo de forma direta, mas aborda “o respeito em comum nas aulas de religião”.

“Não aceito a minha filha ser tratada dessa forma e exijo respeito por ela e por outros”, afirmou Luzia, que quer que a escola tenha uma resposta mais efetiva diante das atitudes racistas. Para Luzia, fazer com que o aluno racista peça desculpa à vítima não resolve o problema, sendo necessárias ações durante todo o ano escolar para que tais práticas não aconteçam mais na instituição de ensino.

Ainda conforme Luzia, diante das situações de racismo vividas na escola, sua filha resolveu ir às salas de aula pedindo respeito aos alunos negros, contudo, ao saber da atitude da garota, a coordenação da escola passou a proibir que alunos fossem de sala em sala para dar recados sem aprovação prévia da escola.

Racismo é crime

“É bom a gente lembrar que racismo é crime independente do ambiente em que ocorra”, afirmou Macaé em relação à situação de racismo relatada por Luzia. A vereadora, que irá encaminhar a denúncia ao Ministério Público, disse, ainda, que é inadmissível que escolas que compactuem com estruturas racistas continuem tendo autorização para funcionar uma, vez que a Constituição afirma que racismo é crime.

De acordo com Diogo de Lima dos Santos, do Instituto Akhanda Akhanda, faltam soluções eficazes para o problema do racismo. De acordo com ele, o Judiciário ainda tem uma visão muito branca sobre o contexto do racismo, o que prejudica o seu enfrentamento. Ele salientou que o racismo é um crime que cerceia o direito constitucional de negros darem continuidade à sua vida, destacando, ainda, que a vivência de situações de racismo pode levar à depressão. Em relação ao combate ao racismo nas escolas, Diogo afirmou que tal enfrentamento faz com que a pessoa, em sua vida adulta, não reproduza o preconceito. Ele também defendeu todo o suporte ao aluno vítima de racismo e destacou que o letramento racial e a consciência racial são importantes para que todos possam ter garantida a equidade dentro de suas diferenças.

A diretora de Promoção da Igualdade Racial da PBH, Makota kizandembu, afirmou que a diretoria da qual faz parte está à disposição da jovem vítima de racismo e de sua família. Ela destacou que a Lei 10.639 é um ato reparatório porque determina o estudo da História dos negros, instrumento pensado para gradativamente eliminar o racismo da sociedade brasileira. Ainda de acordo com ela, BH tem um Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial pactuado por meio do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial. Tal plano conta com um eixo voltado para a área da educação.

Makota defende o planejamento de uma formação antirracista na comunidade escolar e salientou que, em situações de racismo, faz-se necessária punição que gere “dor no bolso e cadeia”. Ainda segundo ela, escolas precisam ser responsabilizadas e autuadas caso haja práticas racistas na comunidade escolar. Ela também defendeu reparação à jovem vítima de racismo e à sua família.

Representante da Gerência de Relações Étnico-raciais da Secretaria Municipal de Educação, Mara Evaristo defendeu o fortalecimento do marco legal de combate ao racismo, de modo que a legislação nacional sobre o tema seja tratada em âmbito municipal. Especificamente em relação a BH, ela destaca que houve avanços por meio de resoluções e orientações para o funcionamento de instituições de educação infantil, tanto públicas quanto privadas. Ela explica que há documentos que norteiam o funcionamento dessas instituições de ensino, responsabilizando gestores e profissionais, de modo que seja assegurado um ambiente sem discriminação, com materialidade e formação adequadas. Ela também defendeu que o enfrentamento ao racismo esteja presente nos regimentos escolares e em seus projetos político-pedagógicos. Além disso, segundo Mara, é necessário que a autorização de funcionamento das escolas esteja atrelada ao combate ao racismo

Mara Evaristo destacou, ainda, que a PBH tem investido na formação de profissionais de educação com o intuito de se combater o racismo nas escolas e defendeu a participação dos sindicatos da categoria nos processos formativos sobre o tema. Ela também salientou que os profissionais de educação sejam orientados sobre como atuar em situações de racismo que aconteçam fora das escolas, como, por exemplo, em museus visitados por alunos durante práticas escolares. Ainda segundo a gerente, a PBH tem investido em recursos pedagógicos que contam com um olhar especial para a estética negra, o que vem ocorrendo por meio da aquisição de livros e brinquedos, por exemplo.

Superintendência de Comunicação Institucional

41ª Reunião Ordinária - Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo