SAÚDE DA GESTANTE

Brasil pode ultrapassar a marca das 100 mortes maternas por 100 mil nascimentos

Índice, que era de 55 mortes em 2019, teve aumento de 22% em 2020 e vem subindo rápido por causa da pandemia

sexta-feira, 1 Outubro, 2021 - 14:15

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

“Em 2021 podemos ultrapassar os três dígitos e termos mais de 100 mortes maternas para cada 100 mil nascimentos”. A informação é do obstetra e coordenador médico da Maternidade Hilda Brandão, Francisco Lírio Ramos Filho, e foi apresentada em audiência pública realizada nesta sexta-feira (1º/10), pela Comissão de Mulheres. O encontro, que teve como objetivo debater o “Compromisso Nacional pela Garantia do Parto Seguro e Respeitoso e pela Redução da Mortalidade Maternal e Neonatal”, foi solicitado pelas vereadoras Flávia Borja (Avante), Fernanda Pereira Altoé (Novo) e Professora Marli (PP). Além do alto índice de mortalidade materna, dados do Ministério da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelam que 11,7% dos partos no Brasil ocorrem antes das 37 semanas de gestação, colocando o Brasil como 10º no ranking mundial de prematuridade, com 300 mil nascimentos prematuros registrados em 2019, de acordo com informação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de 2020. A audiência faz parte das atividades do Dia Mundial da Segurança do Paciente 2021, que este ano tem como tema "Cuidado Materno e Neonatal Seguro”.

A meta fixada pelo Brasil na Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 30 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos em 2030. Apesar da meta, os números vêm subindo e, segundo Francisco Ramos, este aumento está relacionado à pandemia. De acordo com o médico, foram 540 mortes maternas decorrentes da covid-19 em 2020 e esse número pode passar de 1400 este ano. A OMS contabiliza que diariamente 830 mulheres morrem no mundo todo por causas evitáveis relacionadas à gravidez e ao parto e, anualmente, 2,5 milhões de bebês morrem logo após nascer. “Muitas deixam de fazer o pré-natal adequado e muitas vem à maternidade com quadro irreversível. Temos que batalhar para que haja acesso à vacinação para as gestantes. Vemos que ainda há dificuldade nisso. Chegam até nós muitas grávidas com uma só dose e outras sem nenhuma dose de vacina”, explicou o obstetra, questionando quais os motivos estão levando às gestantes a não terem acesso à vacinação contra covid-19 em BH. “Esses números são alarmantes. Precisamos de ações exemplares para garantir acesso assistencial adequado à essas mulheres”, salientou Camila Adriana Barbosa, enfermeira e gerente de Cuidado Materno Infantil da Santa Casa de Belo Horizonte.

Questionado pela vereadora Flávia Borja sobre a relação entre a vacinação e a queda dos números ligados ao pré-natal, Francisco Ramos explicou que muitas gestantes ficam com medo de sair de casa. “Muitas grávidas não vão por medo. Elas deveriam ser orientadas na captação primária a entrar no calendário vacinal do município. A grande maioria realizou pelo menos duas consultas de pré-natal. Quando ela deixa de consultar, tem que ter uma busca ativa. Minha preocupação é se está sendo ofertada essa vacinação no município, se há convocação”, respondeu o médico. “Temos que saber dessa busca ativa aqui pela Comissão de Mulheres”, defendeu Flávia, que preside o colegiado.

Ingryd Guimarães é enfermeira obstétrica do Hospital Sofia Feldman e concorda que é impossível pensar hoje em mortalidade materna sem tocar no tema da covid-19. Para ela, há muitas subnotificações envolvendo a pandemia e os números mostram também que morrem mais mulheres pretas do que brancas. De acordo com Ingryd, 66% dos óbitos maternos no Brasil são de mulheres negras. Ela destacou também que, para combater essas mortes e garantir a segurança e a saúde da gestante é preciso informação. “O que representa um parto seguro e quem garante a segurança dos partos no país? Primeiro as mulheres precisam ter acesso à informação, aos serviços de saúde, à assistência baseada em evidências científicas e condutas tomadas oportunamente. Para termos segurança no parto é preciso ter gestação saudável, que inclui pré-natal de qualidade, medicação recomendada, para que a mulher se sinta segura”, explicou Ingrid. “Quando pensamos em assistência baseada em evidências, pensamos em todo esse processo”, finalizou.

Parto humanizado é mais que parto normal

Outro dado trazido pelo coordenador médico da Maternidade Hilda Brandão se refere às cesarianas feitas no Brasil. Segundo Francisco Ramos, é preciso esclarecer alguns pontos: “No Brasil há banalização da cesariana. Somos uma vergonha mundial com taxas chegando a 90% na rede privada. É a banalização de um processo cirúrgico que aumenta o risco, mas tem suas indicações. É preciso saber o momento e o limite. Uma cesariana mal indicada coloca em risco a vida da mulher”. Para Camila Barbosa, é preciso distinguir parto normal de parto humanizado. “Parto humanizado é respeitar os limites da mulher, saber até onde ir com indicação acertiva de uma cesárea. São dois conceitos diferentes os de parto normal de parto humanizado. Informação de qualidade é fundamental”, afirmou a enfermeira.

Buscando transformar as constatações e indicações em políticas públicas, Fernanda Pereira Altoé questionou os participantes sobre o que poderia então ser feito pelo Legislativo Municipal no sentido de melhorar esses números. Segundo Francisco Ramos, é preciso dar acesso. “O mais importante para a mulher é ter acesso ao planejamento reprodutivo. As mulheres do SUS precisam ter esse acesso para planejar sua gravidez e cuidar bem se tiverem problemas de saúde. O que a gente vê é que mulheres com problemas de saúde não engravidam em momento oportuno. Não é trabalhada a questão da gravidez nos centros de saúde na atenção primária. Só ficam sabendo sobre gravidez quando chegam com atraso menstrual”, explicou o médico. “Mais que saber métodos contraceptivos, é saber o melhor momento de se engravidar e isso é lá na base”, salientou Camila, que é mestre em enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Centros específicos para parto podem ajudar a mudar o cenário

A Maternidade Hilda Brandão é ligada à Santa Casa de Misericórdia e inaugurou há duas semanas seu primeiro Centro de Parto Normal, que começará a funcionar até o final de outubro. Para Francisco Ramos, esses são ambientes específicos para as mulheres que ajudam a mudar a visão que a sociedade tem sobre o parto. “A maioria das mulheres (gestantes) precisam de cuidado e não de cura. Mais da metade vem buscando cuidado. Toda maternidade deveria ter um centro de parto normal para que as mulheres sem risco sejam atendidas”, explicou o médico. “As mulheres que têm pré-natal de risco habitual não têm necessidade de estar em ambiente hospitalar. Projetos de casa de parto são muito diferentes de hospitais. Casas de parto são sempre bem-vindas”, salientou Ingryd Guimarães, parabenizando a Santa Casa pela inauguração. “Como Comissão de Mulheres, vamos fazer uma visita ao centro”, disse Flávia Borja.

Bella Gonçalves (Psol) perguntou aos participantes sobre o efeito que pode ter a inclusão do profissional de fisioterapia na equipe que acompanha as gestantes. De acordo com Camila Barbosa, seria um avanço para as mulheres. “O fisioterapeuta é essencial, mas é um caminho ainda lento no acesso a toda população. Algumas unidades de saúde têm. Ajuda demais no autoconhecimento para a vida da mulher e não só na gestação ter esse profissional no atendimento primário”, disse Camila. A inclusão do fisioterapeuta no acompanhamento à gestantes e parturientes é debatido na Câmara há tempos e é um desejo de associações e conselhos ligados à área.

Organização Mundial de Saúde propõe ampliação do debate

A Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso tem a adesão de cerca de 50 entidades e organizações, em defesa do atendimento adequado às gestantes e aos neonatos para reduzir a mortalidade materna no Brasil. A iniciativa atende à orientação da OMS, que escolheu "Cuidado Materno e Neonatal Seguro” como tema do Dia Mundial da Segurança do Paciente 2021, comemorado no dia 17 de setembro. Nesta data, diversos monumentos espalhados pelo país, como o Cristo Redentor e o Maracanã, no Rio de Janeiro, o Hemocentro da Universidade de Campinas, em Campinas, e o Elevador Lacerda, em Salvador, foram iluminados na cor laranja.

Difundida ao longo de setembro pelas entidades que participam da Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso, a campanha tem como tema “Aja agora para um parto seguro e respeitoso”, que é o slogan da OMS traduzido para o português. As diretrizes gerais da ação envolvem temas como equidade e não discriminação, respeito, fortalecimento das redes de atenção à saúde materna e neonatal e redução do número de cesarianas sem indicação clínica e a promoção do parto normal. A prevenção à mortalidade materna e da prematuridade, a capacidade da gestante em acessar, compreender e usar informações em saúde, empoderamento e engajamento e participação da família são outros temas abordados.

Também participaram da audiência as vereadoras Macaé Evaristo (PT) e Professora Marli.

Confira aqui a íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública - Finalidade: Debater o "Compromisso Nacional Pela Garantia do Parto Seguro e Respeitoso e Pela Redução da Mortalidade Maternal e Neonatal" - 30ª Reunião Ordinária - Comissão de Mulheres