Mulheres lésbicas existem e querem viver bem, destacaram convidadas em audiência
Vereadoras e entidades LGBTQIA+ alertaram para a necessidade da criação de políticas públicas que garantam segurança e participação
Foto: Cláudio Rabelo/CMBH
“Apesar da opressão, as mulheres lésbicas existem e resistem. O amor resiste. Viva a força do amor”. A frase foi dita pela vereadora Iza Lourença (Psol) e expressou o sentimento compartilhado entre as convidadas presentes em audiência pública da Comissão de Mulheres, promovida nesta sexta-feira (20/8), em que se debateu a visibilidade da mulher lésbica na sociedade brasileira. O debate, que faz parte das atividades do Mês da Visibilidade Lésbica, contou com a presença de mulheres de várias regiões do Brasil, integrantes de movimentos sociais, de parlamentos municipais e instituições que promovem estudos sobre o tema. Vereadoras e entidades LGBTQIA+ alertaram para a necessidade da criação de políticas públicas que garantam segurança e participação. O evento foi solicitado pelas vereadoras Iza, Bella Gonçalves (Psol), Macaé Evaristo (PT) e Duda Salabert (PDT).
Fixado no calendário de lutas LGBTQIA+, em razão do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), ocorrido em 1996, o mês de agosto é dedicado ao tema em função do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, que é rememorado em 29 de agosto. A ideia daquele evento era reunir lésbicas de todo o Brasil, no estado do Rio de Janeiro, para discutir, refletir e propor ações para intervir nas políticas públicas. Verônica Lima é vereadora na Câmara Municipal de Niterói (Rio de Janeiro), mulher lésbica, e afirma que acredita na força das políticas públicas como forma de combater as violências ainda sofridas por estas mulheres. “Nós aprovamos algumas leis importantes em Niterói. Temos o estatuto das pessoas gestantes, que inclui todas as mulheres (lésbicas e pessoas trans) e contém um capítulo contra a violência obstétrica. É o primeiro do Brasil. Temos o bolsa aluguel para mulheres vítimas de violência, incluindo trans e lésbicas além de contarmos com o Dia Municipal de Visibilidade Lésbica no calendário oficial da cidade”, contou a vereadora nomeando ainda alguns projetos que estão em andamento, como um que cria a Lei Municipal de Enfrentamento ao Lesbocídio. “Cito este pequeno conjunto de leis para mostrar que nós, lésbicas, quando chegamos ao parlamento fazemos (política) para todes”, salientou Verônica Lima.
Ser vista e reconhecida ainda é uma das lutas das mulheres lésbicas
“Quem não existe, não pode reivindicar políticas públicas”, disse Soraya Meneses, ativista que, entre outras coisas, organizou a 1ª Parada do Orgulho LGBT de BH, que, em 2021, conquistou sua 24ª edição. Segundo ela, na década de 1970, ações organizadas por mulheres lésbicas trouxeram ao Brasil uma nova cara. “Temos que promover o resgate de mulheres que, em momento em que muitas tinham medo, gritaram pra todo mundo ouvir”, afirmou exaltando a figura de Rosely Roth, primeira mulher lésbica a aparecer publicamente (no programa da apresentadora Hebe Camargo) e falar sobre o assunto.
Naquele momento, “ela (Rosely Roth) falou do grupo ‘Um outro olhar’, que fazia circular cartas entre mulheres que namoravam. Muitas dessas mulheres não saíam à noite e então elas tinham esse serviço das cartas. São mulheres que gritaram nesse momento. Sofreram, mas gritaram”, finalizou Soraya Meneses, que é considerada uma das pioneiras do movimento de visibilidade lésbica. “Como o afeto transforma as relações e como ele é necessário para provocar a sociedade para que possamos viver bem e com segurança... As lésbicas sempre tiveram que ficar em guetos, mas a realidade escancara que a gente existe e quer viver bem”, disse Lara Souza, uma das coordenadoras do bloco e coletivo de mulheres lésbicas e bissexuais Truck do Desejo. Lara foi uma das mediadoras do debate desta sexta-feira e faz parte da Coletiva BH.
Com o objetivo de resguardar a memória e a história desse movimento, um grupo de mulheres criou o Arquivo Lésbico Brasileiro, que deu início às suas atividades em janeiro de 2021. A iniciativa de pesquisadoras e ativistas lésbicas tem como objetivo preservar registros históricos e culturais sobre lesbianidades e facilitar o acesso. Segundo a psicóloga clínica e integrante do grupo que organiza o arquivo, Stela, cultivar a história é também dar visibilidade. “O arquivo vem com a intenção de preservar essa história, com acesso online de material produzido por lésbicas. Lésbicas existem e sempre existiram e é preciso mapear aspectos e indicadores para revisão e criação das políticas públicas. Sem esses dados, parece que nada acontece e o grupo se torna mais vulnerável”, explicou.
Lesbocenso quer aumentar visibilidade e mostrar mais que números
Uma iniciativa da Associação Coturno de Vênus e da Liga Brasileira de Lésbicas vai encarar o desafio de suprir uma lacuna do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que não contém perguntas sobre a orientação sexual ou a identidade de gênero no Brasil. É o 1º Lesbocenso Nacional, que será lançado no dia 29 de agosto, e tem como objetivo recolher informações e subsidiar a formulação de políticas públicas específicas para a população de lésbicas. “Estamos vivas e deveríamos ter direitos a políticas públicas. O Estado que deveria nos socorrer, nos mata ou nos deixa morrer”, disse Léo Ribas, uma das coordenadoras do Lesbocenso. Segundo ela, a cada quatro horas uma mulher é violentada ou estuprada no Brasil. “São vítimas que valem menos para o Estado”, contou Léo, apresentando dados da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que mostram que, entre 2015 e 2017, mais de 24 mil mulheres sofreram algum tipo de violência. “Todas as mulheres, principalmente jovens lésbicas, têm sentido a potencialização da violência durante a pandemia, incluindo o aumento do 'estupro corretivo'”, disse. O chamado 'estupro corretivo' é um crime sexual pautado pelo preconceito, que se dá pela motivação do agressor em supostamente “converter” pessoas de orientação sexual diversa da heterossexualidade.
O Lesbocenso pretende coletar informações sobre trabalho, educação, saúde, relacionamentos, relações familiares e redes de apoio que as lésbicas possuem nas diversas regiões do país. As voluntárias também poderão escolher participar da segunda etapa da pesquisa, composta por uma entrevista online com as pesquisadoras. O formulário com as questões estará disponível online a partir do dia 29 de agosto e é aberto a todas as lésbicas maiores de 18 anos e residentes no Brasil. As interessadas em contribuir com a pesquisa podem fazê-lo até o final do mês de março de 2022. O formulário com as questões estará disponível online a partir do dia 29 de agosto pelo site www.lesbocenso.com.br. O Lançamento oficial do I° LesboCenso Nacional será também no dia 29, às 15h por canal no youtube. As informações também estão no Instagram @lesbocenso.
Raquel Mesquita, do grupo Coturno de Vênus, também faz parte da organização do Lesbocenso. Segundo ela, no censo do IBGE, não há espaço para a população LGBTQIA+. “Quando o Estado não coleta é uma ação deliberada. Se as lésbicas não estão nos dados, elas não importam (para o Estado). O Lesbocenso é uma forma de dizer que existimos, que estamos aqui, que somos muitas e várias. Sairemos das sombras”, garantiu a ativista.
Novas plataformas a serviço da coletividade e visibilidade
Preta Caminhão. Este é o nome de usuário de Jamine Miranda nas redes sociais. Historiadora e mestre em educação, ela vem, em suas palavras, “desbravando as redes" com conteúdo voltado para mulheres lésbicas. “É um desafio produzir conteúdo na internet principalmente nesse momento de discursos de ódio. O ambiente virtual também é um lugar onde não querem a nossa existência”, disse Jamine, que tem páginas desde 2017, no Twitter e no Instagram, em que tem quase 18 mil seguidores. Jamine se disse emocionada por participar do debate e reconheceu o papel fundamental que as redes sociais desempenham nesse momento. “Nesses tempos de pandemia, as redes sociais têm um papel importante na construção de discursos. Quando recebo comentários se identificando com a minha luta, falando como ajudei, fico feliz por minha produção de conteúdo não produzir só likes”, contou Jamine. “Por que nossos corpos estão no lugar de sexualização e outros no lugar do afeto e do respeito?”, perguntou a influencer.
Para Mariana Souza, do Brejo das Sapas, organização política voltada para transformação social, é preciso estar em todos os lugares. “A caminhada é presente. Estaremos em todos os meios institucionais para reivindicar nossos direitos. Temos que andar em nossos territórios e conhecer nossas mulheres. Nossa luta vem contra as violências institucionais”, afirmou Mariana, que é advogada popular.
É preciso sobreviver ao abismo em que estamos
Integrante de um grupo de assessores da sociedade civil da Organização das Nações Unidas – ONU Mulher, Benilda Brito emocionou os participantes da audiência com uma fala voltada para a luta e esperança, onde contou a história de Luana Barbosa, mãe, preta e lésbica, morta aos 34 anos, em uma abordagem policial em frente ao filho, em Ribeirão Preto, São Paulo. Benilda, que é mãe de três filhos, preta e lésbica, disse que a diversidade também traz vulnerabilidades. “A cada afirmação da minha identidade, a violência recai mais. Quando a gente toma a cor (como referência), qualquer categoria tem a violência aumentada. Mas nossas identidades também nos fortalecem. Temos que buscar um afeto político. Um amor político. Amor enquanto resistência política. A expressão do nosso amor incomoda demais pois a gente vai na contramão”, explicou Benilda. “Não estamos falando só de números, mas do desamor que provoca suicídio, depressão. O Brasil é signatário da Declaração de Direitos Humanos, mas, na prática, isso não é real. Essa discussão não é só nossa. Nosso desafio é muito grande”, disse.
Contando a todos sobre uma mesa internacional de que participou, junto com o escritor Aílton Krenak, Benilda sugeriu que nesse amor político pode estar um caminho, uma saída. “Krenak dizia que já estamos no caos. Ele termina sua fala dizendo que estamos caindo no fosso e que devemos criar paraquedas coloridos. Fiquei pensando em um paraquedas arco-íris com gente preta, lésbicas, heteros, homo, cis e não cis. A gente inventa paraquedas coloridos, que afirmam nossa identidade”, finalizou.
Encaminhamentos
Ao final da reunião, as vereadoras Macaé Evaristo (PT) e Bella Gonçalves (Psol) sugeriram alguns encaminhamentos, entre eles, as parlamentares se comprometeram a divulgar o Lesbocenso, a reafirmar o compromisso da luta pela educação inclusiva e a solicitar à PBH dados sobre ações desenvolvidas com mulheres lésbicas nas áreas de saúde, atendimento social e acolhimento. A audiência também contou com a presença da vereadora Fernanda Pereira Altoé (Novo), que afirmou que, apesar de não vivenciar os assuntos tratados, segue aprendendo com o debate. Também acompanharam a audiência Flávia Borja (Avante) e Professora Marli (PP).
Confira aqui a íntegra da audiência.
Superintendência de Comunicação Institucional