CPI questinou gestão de recursos na Transfácil e defendeu fim de isenção fiscal
Foi anunciado protocolo de um novo projeto de lei que revoga benefícios fiscais às empresas de ônibus: isenção de ISSQN e CGO
Foto: Bernardo Dias/CMBH
“Dentro da caixa preta da BHTrans tem outra caixa preta, que é a Câmara de Compensação Tarifária”. A conclusão é do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHTrans, vereador Gabriel (sem partido), e reflete a ausência de informações concretas apresentadas na manhã desta quarta-feira (25/8), durante as oitivas do presidente e do ex-presidente do Conselho do Consórcio Operacional do Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus de BH (Transfácil), respectivamente, Ralison Guimarães de Andrade e Renaldo de Carvalho Moura. Ambos os gestores são empresários do ramo de transporte coletivo e operam linhas vencedoras da licitação de 2008. Até aquele ano, no contrato anterior, a Câmara de Compensação Tarifária (CCT) era gerida pela BHTrans, que tinha controle sobre os valores pagos pelos usuários e a redistribuição às empresas, seguindo coeficientes técnicos para avaliar os gastos de cada linha. Com o atual contrato, a CCT foi extinta naquele formato e as próprias empresas concessionárias, por meio da Transfácil, passaram a gerenciar o recolhimento e redistribuição dos valores. Na reunião de hoje, a CPI anunciou o protocolo de um novo projeto de lei, que pretende encerrar benefícios fiscais das empresas de ônibus, revogando duas leis em vigor, que concedem isenção do ISSQN e extinguem a taxa do CGO. Confira também os demais itens em pauta, que envolveram apuração sobre dívida fiscal milionária das empresas do transporte coletivo.
Requeridos por Bella Gonçalves (Psol), para tentar entender o fluxo dos recursos que circulam no sistema de transporte coletivo, os depoimentos buscavam ainda esclarecer as condições do repasse de R$ 224 milhões vindos da Prefeitura, por meio da compra antecipada de créditos de vales-transporte. Durante as oitivas, os gestores confirmaram que o dinheiro do acordo foi transferido às empresas e utilizado na cobertura de gastos como o abastecimento de veículos.
A CPI questionou os empresários quanto ao funcionamento do que seria a atual Câmara de Compensação Tarifária (CCT), as seguidas faltas de repasse da Transfácil ao Fundo Garantidor do Equilíbrio Econômico (FGE) e de pagamentos de seguros previstos em contratos. Com muitas perguntas sem respostas, a CPI decidiu pedir, via requerimento, o repasse de diversas informações por escrito.
CCT e dinheiro para colocar diesel
Após confirmarem que o dinheiro do adiantamento da compra de vales pela Prefeitura foi imediatamente distribuído entre as empresas do transporte coletivo, o presidente da Transfácil e também dono da Plena Transportes, Ralison de Andrade, disse que a distribuição aconteceu conforme os critérios da Câmara de Compensação Tarifária (CCT). A CCT é uma espécie de banco que coleta o dinheiro das passagens, calcula os custos do serviço e distribui os valores entre as empresas operadoras.
Ao defender uso imediato dos valores pelas empresas, Andrade disse entender que o acordo possibilitava sim essa utilização e, se não fosse feita daquela forma, a prestação do serviço seria inviabilizada, já que as empresas precisavam de dinheiro até para colocar diesel. “A Prefeitura fez a compra adiantada, mas deveria ter feito subsídio pois modificou o número de veículos previsto no contrato”, argumentou.
Até 2008, a CCT era gerida pelo próprio município, por meio da BHTrans. Com o novo contrato estabelecido, e que tem vigência até 2028, a BHTrans ficou desobrigada de manter de forma sistemática o acompanhamento dos preços dos insumos utilizados na prestação dos serviços de transporte coletivo da cidade. Perguntado sobre como acontecem os cálculos, o dirigente e seu antecessor, Renaldo de Moura (Dono da Betânia Ônibus e da AutoBus Transportes), disseram que as planilhas foram herdadas da BHTrans e que o formato utilizado é próximo do que preconiza a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que tem como referência o quilômetro rodado. “Distribuímos os custos e cada empresa fica livre para buscar o lucro. Não pegamos notas fiscais (das empresas) e tudo o que sobra vai para a motricidade da tarifa”, afirmou Moura. Como o sistema é formado por linhas deficitárias e superavitárias, é também a CCT que realiza esse equilíbrio entre os custos e ganhos das empresas.
Empresários mantêm Transfácil
Segundo Moura, embora seja um consórcio, a Transfácil, que comercializa os cartões BHBus, não tem personalidade jurídica e, assim, não constitui patrimônio, sendo que tudo o que ‘entra’ no seu caixa vai para a motricidade (amortização) da tarifa. Segundo o ex-dirigente, são as próprias empresas do transporte coletivo que rateiam os custos de operação da Transfácil e a mesma já retém o percentual de 5% para este fim. Entretanto, sendo o dinheiro das empresas auferido do pagamento das passagens, quem paga a Transfácil também é o usuário do transporte coletivo, conforme apontaram os vereadores.
No caso, entretanto, da retenção dos recursos vindos da PBH, e que seriam destinados aos suplementares, o Consórcio fez uma retenção de 7,58%, do valor de R$ 20 milhões que os permissionários deveriam receber. “Amparado em quê, este percentual foi definido? questionou Gabriel, pontuando que, "no Direito, a gente ensina aos nossos alunos que só podemos fazer o que está dentro da lei”. O atual presidente disse apenas cumprir o que foi determinado no contrato.
Tarifa unificada depende do Município
Mesmo não sendo uma empresa, a Transfácil comercializa um serviço importante para a cidade, que é a bilhetagem eletrônica do metrô e das linhas do transporte suplementar. Questionado por Bella sobre como se dá esta operação, se é gratuito, Andrade explicou que os valores são recebidos e repassados semanalmente ao metrô e aos suplementares, sendo feita a retenção de um percentual de 6,5%, mais 1,5% de impostos no caso dos suplementares. No caso do metrô, o dirigente disse não se lembrar da taxa cobrada.
Bella lembrou então que um dos sonhos da cidade é a integração tarifária do ônibus convencional, do metrô e do suplementar, e que, na prática, isso seria muito simples, já que há um único caixa na Transfácil que opera esse sistema. Ao ser indagado por que esta integração não é feita, o presidente do Consórcio respondeu que “essa integração é uma política tarifária e compete à Prefeitura definir. Nós vamos cumprir o que for definido”, afirmou.
Dívidas das empresas e leis de isenção fiscal para o setor
Embora movimente um recurso bilionário - só de perdas de créditos não validados pelos usuários, o ex-dirigente do Consórcio informou algo em torno de R$ 1 milhão por mês - a Transfácil e as empresas deixaram de repassar ao Município valores previstos em contrato e que, se questionados, inviabilizariam a continuidade do contrato. Dizendo não se lembrar exatamente dos valores devidos, Andrade confirmou que, em alguns meses do ano passado e desse ano, não foram repassados pelo Consórcio o depósito de 1% (de tudo o que é arrecadado) ao Fundo Garantidor do Equilíbrio Econômico (FGE), cujo objetivo é assegurar, em situações emergenciais, o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sem a necessidade de realinhamento dos preços das tarifas.
Igualmente identificado pela CPI, outro repasse não realizado pela Transfácil diz respeito ao pagamento de seguros previstos em contrato - responsabilidade civil a terceiros; cobertura total de veículos e garagens; cumprimento do contrato e pagamentos de multas. Os valores, que, segundo Andrade, estão em torno de R$ 300 a R$ 400 mil por mês, deixaram de ser pagos no período da pandemia, mas já voltaram à normalidade no último mês de julho.
O socorro financeiro às empresas, entretanto, não vem de agora da gestão do prefeito Alexandre Kalil (PSD). Segundo dados trazidos pela CPI, em 2013, a Câmara Municipal elaborou e aprovou um PL que deu origem à Lei 10.728/2014 que extinguiu a cobrança do Custo de Gerenciamento Operacional (CGO) para as empresas que exploram o transporte coletivo na capital. Assinada por nove vereadores à época (Delegado Edson Moreira; Autair Gomes; Bim da Ambulância; Elaine Matozinhos; Elvis Côrtes; Jorge Santos; Professor Juliano Lopes; Marcelo Aro e Pelé do Vôlei), o PL foi vetado pelo Prefeito Márcio Lacerda, porém a Câmara procedeu a sua publicação, que foi assinada pelo então vice-presidente Wellington Magalhães.
O recurso da CGO, 2% de tudo que é gerado pelo sistema, era destinado à cobertura dos custos administrativos e operacionais associados à fiscalização e regulação dos serviços de transporte coletivo. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) corre em segunda instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e o presidente da CPI anunciou que irá pedir a revogação da lei.
Outro texto também aprovado pela Casa, e que Gabriel confirmou que pedirá a revogação, é a Lei nº10638/2013. De autoria do Executivo, a proposta isentou as empresas de transporte coletivo que operam o sistema em BH do pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Na ocasião, a justificativa dada ao Legislativo foi de que a isenção possibilitaria a redução de R$ 0,10 na tarifa de ônibus.
Além dos parlamentares citados, participaram da reunião, Braulio Lara (Novo), Jorge Santos (Republicanos), Professor Claudiney Dulim (Avante), Reinaldo Gomes Preto do Sacolão (MDB), Rubão (PP) e Wanderley Porto (Patri).
Assista ao vídeo completo da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional