Diretor de Águas diz não se lembrar de documentação apresentada pela CPI
Empresa teria registrado em ata pedido de alteração quanto à pureza da água. Licitação chegou a ser suspensa
Foto: Bernardo Dias/CMBH
A empresa DT Engenharia, participante do processo licitatório feito pela Prefeitura, em 2013, para manutenção e limpeza da Lagoa da Pampulha, registrou em ata o envio de um e-mail com pedido para que fosse apresentada nova proposta mudando, de classe 3 para classe 2, o nível de pureza da água ao final do tratamento. Trecho do documento foi apresentado na manhã desta terça-feira (11/4), por Braulio Lara (Novo), relator na CPI que investiga os contratos de manutenção da represa. O e-mail, segundo a documentação, teria sido enviado pelo diretor de Gestão de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi), Ricardo Aroeira, que afirmou não se lembrar da ata ou do e-mail enviado e que sabia, entretanto, que houve suspensão da licitação, a pedido do então prefeito Márcio Lacerda. O dirigente estava acompanhado pelo procurador do Município Fernando Couto, que, a partir da confrontação, pediu à CPI que Aroeira fosse ouvido na condição de investigado, que é quando o depoente tem o direito de se calar. Parlamentares que integram a comissão viram com preocupação a recomendação do procurador dada à testemunha e afirmaram que a CPI deve ir a fundo na investigação da ata, do e-mail e dos motivos que levaram à suspensão da licitação. Na agenda da CPI constava também para o depoimento da engenheira da Diretoria de Gestão de Águas Urbanas Ana Paula Fernandes Viana Furtado. Porém, nova data será remarcada, já que não houve tempo hábil para a realização das duas oitivas.
Contrassenso
Esta é a segunda vez que Ricardo Aroeira é ouvido na CPI da Lagoa da Pampulha. Na primeira, o dirigente assegurou que as ações da PBH, somadas a outras medidas de combate às causas da poluição, “têm se mostrado assertivas e necessárias” e trazido melhoria gradual na despoluição da bacia. No depoimento de hoje, os questionamentos se concentraram nas tecnologias disponíveis para a despoluição da lagoa para apurar por que outras opções, como a construção de novas Estações de Tratamento de Águas Fluviais (Etaf), foram desconsideradas pelo Município.
Para Braulio Lara, é um contrassenso realizar o tratamento da água da lagoa, uma vez que, em se tratando de patrimônio tombado, o processo de preservação deveria ocorrer antes que as águas chegassem à bacia. Ao questionar Ricardo Aroeira sobre essa possibilidade, o dirigente informou que não ser possível, já que qualquer barreira física colocada no curso do Córrego Ressaca, por exemplo, que leva 75% das águas que chegam à lagoa, traria o risco de rompimento ou mesmo inundação, atingindo as construções e moradias ribeirinhas. “Não temos espaços públicos para a construção de bacias de detenção de águas de chuvas e o canal de desassoreamento é que faz isso, concentrando e preservando ali grande parte do sedimento que chega, reduzindo a área de trabalho e os custos”, afirmou.
O relator, entretanto contestou a fala do dirigente e disse que há sim terrenos públicos onde uma bacia de detenção poderia ser construída (proximidades Centro de Saúde Confisco) e que o gradeamento poderia ser uma solução fora do período de chuva. “Não faz sentido deixar o lixo sobrenadante chegar para ter um contrato milionário e depois retirar. Por que não atuar nas causas?”, questionou Braulio Lara, ao que Aroeira respondeu que há um entendimento de que a PBH está sim atuando nas causas, mas que grande parte das intervenções, porém, precisariam ser executadas no território de Contagem. “Se eles (Prefeitura de Contagem) não tiverem como atuar nas causas, vamos (Orefeitura de BH) precisar atuar nas soluções”, argumentou o diretor.
Licitação suspensa
Uma das tecnologias disponíveis para o trabalho de despoluição é a Estação de Tratamento de Águas Fluviais (Etaf). Segundo Braulio Lara, mesmo a ferramenta sendo sugerida em 2015, a opção do Município foi por sua recusa. "Por que isso teria acontecido?", questionou então o relator, ao que Aroeira explicou que a tecnologia não se mostrava eficiente o bastante, uma vez que não tinha capacidade para tratar os grandes volumes do período chuvoso, cerca de 200 m3/seg (vazão do Córrego Ressaca) e o passivo de anos de poluição depositada no fundo da bacia, fruto do despejo prolongado de esgoto.
Segundo o gestor de Águas, em 2011 houve um chamamento público por parte do Município para se conhecer as melhores técnicas disponíveis para despoluição e 11 empresas teriam apresentado estudos. Já em 2013, o Município abriu licitação para que o serviço fosse executado e três empresas apresentaram propostas: DT Engenharia, por meio da Etaf; o Consórcio Pampulha Viva, com a técnica de biorremediação e captação de fósforo; e uma terceira empresa, que apresentou proposta de despoluição por meio do oxiplus, que é a oxigenação da água. O Consórcio Pampulha Viva foi declarado em 2015 vencedor do certame e a contratação executada no valor de R$ 30 milhões à época.
Documentação apresentada pelo relator, entretanto, mostrou que, segundo relatos da DT Engenharia, a empresa teria sido procurada por e-mail por Ricardo Aroeira, quando o mesmo pediu que a participante do certame enviasse nova proposta em que a pureza da água, ao final dos trabalhos de despoluição, pudesse ser classificada no nível 2. Contudo, o edital de contratação pedia o nível 3, o que elevaria o grau de dificuldade para a empresa e facilitaria para a concorrente, que acabou sendo a vencedora do certame. Mostrada a documentação em slide, o procurador do Município Fernando Couto pediu então que Ricardo Aroeira passasse a ser ouvido como investigado; o diretor disse não se recordar do e-mail ou dos fatos narrado em trecho da ata. “Meu interesse é trazer informações. Não me lembro desse e-mail e nem se foi enviado às outras empresas. Mas tem uma informação que não sei se sabem: a licitação foi suspensa por um tempo por decisão do Márcio Lacerda. Por isso a licitação é de 2013 e a ordem de serviço só foi dada em 2015”, afirmou.
Preocupação e reconhecimento do Iphan
Integrantes da CPI viram com preocupação a orientação do procurador para que Aroeira fosse ouvido como investigado. O presidente da comissão, Professor Juliano Lopes (Agir), questionou por que foi pedida a classe 2, e qual critério acabou sendo mantido, ao que Aroeira explicou que o mantido foi o pedido de classe 3. “Vamos então chamar o prefeito Márcio Lacerda para saber por que a licitação foi suspensa”, declarou o presidente.
Também Braulio Lara viu gravidade na informação trazida pelo trecho da ata. Para o relator, o dirigente deve ser ouvido novamente na comissão, assim como a empresa DT Engenharia. “A reunião de hoje trouxe um fato gravíssimo, que é o questionamento apresentado por uma das empresas que foi desclassificada dentro do processo de licitação. A empresa vencedora foi contratada para entregar uma água na classe 3 e não o fez, mas continuou recebendo dinheiro do Município pelo serviço. Valores pagos com o dinheiro do cidadão de BH”, afirmou.
Ainda durante a reunião, Bruno Miranda (PDT) apresentou documentação enviada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em que o órgão reconhece a evolução do trabalho de despoluição feito pela Prefeitura de BH na Lagoa da Pampulha, e desconsidera trechos da lagoa (enseada das Garças; Zoológico; AABB e lha dos Amores) para a preservação do espelho d'água, objeto de tombamento.
Além dos citados, participaram da reunião a vereadora Fernanda Pereira Altoé (Novo), e os vereadores Jorge Santos (Republicanos) e Rubão (PP).
Assista à íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional