COVID NA PERIFERIA

Comunidades pedem a reativação de serviços oferecidos nos CRAS

Demanda foi apresentada por lideranças em audiência promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor

segunda-feira, 25 Maio, 2020 - 17:45

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Encontrar formas de retorno das atividades dos Centros de Referência em Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte. Esta foi a principal demanda apresentada em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (25/5), que tratou das demandas territoriais de assistência social e organização do poder público no contexto da pandemia da Covid-19. A reunião contou com as presenças de Herlen Romão, que é moradora do aglomerado da Serra, assistente social e integrante do movimento Serra sem Corona; Charlene Cristiane, liderança e moradora da ocupação Rosa Leão, no Izidora; Paulo Cesário, líder comunitário no Morro das Pedras, e Luciana Dandara, moradora da comunidade Dandara. As lideranças de ocupações, vilas e favelas revelaram situação de abandono e falta de diálogo com poder público, ressaltando que o contexto da pandemia realçou vulnerabilidades e desiguldades. 

Negação de direitos

“É histórico e real. Este vírus vem de uma vez por todas mostrar onde está a negação de direitos neste país”, disse Charlene Cristiane. Para ela, sem ouvir as comunidades, nenhuma ação é devidamente eficaz. “Está na hora da PBH, do governo do Estado e do governo federal aprenderem a ouvir e elaborar projetos a partir do que dizem as comunidades. Temos, por exemplo, várias famílias que não estão conseguindo ter acesso ao Cadastro Único e com isso não recebem o auxílio emergencial e nem esta ação vergonhosa do governo do Estado, com repasse de R$ 50,00 de auxílio merenda. Fechar os CRAS foi um dos maiores erros para o povo que mora em periferia e ocupação urbana. Muitas famílias não conseguem nem se cadastrar para receber as cestas básicas. A intenção foi boa, mas não foi pensada a partir de uma comunidade que trabalha e que não tem nem acesso à internet”, afirmou a líder comunitária que, com ajuda de moradores, conseguiu levar cestas básicas a 845 famílias na comunidade. “E não é uma cesta como esta da Prefeitura não. Tem que ir um pouco além, pois precisa ter leite, fruta e outras coisas”, destacou Charlene, que recebeu o apoio de Herlem Romão, do Aglomerado da Serra. “Distribuem também o kit higiene que tem sabão e água sanitária, mas muitas casas não tem água para usar estes produtos. Nesses lugares, o álcool gel é fundamental”.

A retomada das atividades de assistência social no município também foi destacada por Herlem Romão, que integra o movimento Serra sem Corona. “Sou usuária da assistência social e precisamos encontrar uma solução. Entendemos que os poucos equipamentos que nos atendiam já não eram suficientes antes da pandemia. Estamos recebendo pouco atendimento da Prefeitura. Os equipamentos estão fechados e precisamos pelo menos de um atendimento de plantão. Quem estava em situação de vulnerabilidade teve essa situação aumentada e não tem onde buscar atendimento. Nós estamos cuidando das pessoas com o ‘Serra sem Corona’, mas entendemos que não é nosso papel. Ter que atender à comunidade sem termos entendimento técnico nos aflige”, explica a líder comunitária, destacando que há pessoas doentes e que o poder público não sabe exatamente a situação no aglomerado. “Não tem teste aqui na nossa comunidade. Estamos voltando dos centros de saúde sem um diagnóstico preciso. Não tem planejamento de como controlar a doença aqui”, salientou Herlem, afirmando ainda que o trabalho de comunicação para prevenção não é eficiente nestes locais, pois prioriza a internet e muitas vezes os moradores não têm como pagar para ter acesso a dados em seus celulares. “Por questão financeira, muitas vezes não temos telefone nem pra ligar”. Para compensar esta deficiência, a moradora sugeriu maior utilização de cartazes e carros de som. Sugestão que ganhou o apoio do vereador Dr. Bernardo Ramos (Novo). “A comunicação é uma das ferramentas mais importantes no combate à pandemia e ela tem mesmo que ser feita de várias formas dependendo do lugar”, afirmou o vereador.

Comunidades sem assistência

Luciana Dandara é líder comunitária na Ocupação Dandara e atua em três movimentos distintos junto à comunidade que conta com mais de 2000 famílias, segundo dados da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel). O “Hora de Luta”, que atende mulheres vítimas de violência, o “Arquitetura na Periferia”, que ensina mulheres a construir e fazer melhorias em suas casas, e o “Cursinho Dandara”, que ajuda principalmente jovens que vão fazer a prova do Enem. Segundo Luciana, neste momento os olhares de todos os movimentos estão voltados para o apoio em relação à pandemia. “Paramos o trabalho para assegurar alimentação e auxiliar para que os moradores fiquem em casa. Faço este trabalho com prazer, mas só fazemos por causa da ausência do Estado. Neste momento, apesar de não sermos reconhecidos como ONG’s pelo Poder Público, estamos fazendo um trabalho de campo que seria deles. O fechamento dos CRAS está sobrecarregando outros espaços na comunidade como os centros de saúde, pois as pessoas vão lá também buscar informações. Fechar o CRAS e não pensar em formas de atendimento fez com que esse serviço viesse pra gente, mas sabemos que, ao mesmo tempo em que estou ajudando por um lado, posso estar infectando as pessoas por outro”, afirmou Luciana, sugerindo que sejam feitas parcerias do Poder Público com estas organizações, no sentido de atender melhor e mais pessoas com segurança. “Já atendemos 600 famílias com cesta básica, álcool gel, produtos de limpeza, frutas e legumes. No entanto temos 300 que ainda não conseguimos atender”, explicou.

Segundo o vereador Pedro Patrus (PT), mesmo antes da pandemia, havia problemas em relação ao atendimento nos CRAS. “Há muito tempo chamamos a atenção sobre a insuficiência no número de equipamentos de assistência social em Belo Horizonte. Isso já foi apontado pelo nosso grupo de trabalho. Vamos entregar um relatório onde isso está constatado. Os técnicos de assistência social são importantes e estão trabalhando muito, mas neste momento não é suficiente. É importante abrir um diálogo com o pessoal da assistência, pois há demandas que não estão sendo atendidas neste momento que precisamos tanto”, explicou Pedro.

No Morro das Pedras a situação também merece atenção. Segundo Paulo Cesário, liderança comunitária da região, o trabalho de prevenção e conscientização da população local não tem apoio da Prefeitura. “Estamos fazendo este trabalho sozinhos. Todo mundo correu e se escondeu e nós ficamos sem qualquer amparo legal. O CRAS é a porta de entrada deste atendimento. Temos as equipes de saúde que nos apoiam, mas tudo está muito complicado. Está na hora também de pensarem sobre a situação do jovem na pandemia. No Morro das Pedras temos esta dificuldade, pois temos muitos eventos com jovens sem máscara e temos um presidente da República que não ajuda nesse sentido”, disse Paulo, destacando ainda que há problemas relativos à entrega das cestas básicas da Prefeitura. “Muita gente aqui está tendo que pegar as cestas em supermercados do Centro da cidade. É preciso facilitar a entrega destas cestas”, finalizou.

Soluções serão apresentadas

A audiência pública foi requerida e presidida de forma remota pela vereadora Bella Gonçalves (Psol). Segundo ela, há muito o que fazer e o debate com lideranças é fundamental para que sejam encontradas as devidas soluções neste momento de crise. “É muito importante ter este registro formal do que está acontecendo dentro das comunidades. A gente quer, neste momento, construir políticas de superação e não voltar à normalidade das ocupações, vilas e favelas, quanto já tínhamos muitos problemas como dengue e chikungunya, por exemplo”, disse a presidente da Comissão, enumerando vários temas apresentados pelas lideranças e vereadores e que serão levados à Prefeitura. Entre os assuntos que farão parte do texto estão a possibilidade de distribuição de benefício em dinheiro e não só em produtos, a ampliação de testes com mapeamento territorial do vírus, a ampliação do acesso à internet com pontos de acesso gratuito nas comunidades, a ampliação das possibilidades de isolamento de idosos, o não retorno remoto das aulas sem ampliação da internet, a ampliação do diálogo entre os setores da PBH e o retorno com segurança das atividades dos CRAS. O requerimento com as demandas levantadas será apresentado na próxima reunião para a apreciação da Comissão.

Requerimentos e relatórios

A votação do Requerimento de Comissão 249/2020, de autoria da vereadora Bella Gonçalves, que constava na pauta da reunião e pede informações ao presidente da Urbel sobre a garantia a moradia adequada no contexto da pandemia, foi adiada para a próxima reunião. Também foi transferida para semana que vem a apreciação do relatório do vereador Pedro Patrus, sobre o Projeto de Lei 855/2019, que altera o Estatuto dos Servidores Público de Belo Horizonte. O relatório, define pela aprovação do PL, mas inclui emendas que receberão alterações segundo decisão dos vereadores Bella Gonçalves (Psol), Pedro Patrus (PT), Dr. Bernardo Ramos (Novo) e Maninho Félix (PSD), que participaram da 9ª Reunião Ordinária.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública debater as demandas territoriais de assistência social, no contexto da pandemia do Covid-19 - 9ª Reunião Ordinária - Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor