DIREITOS HUMANOS

Trabalhadores denunciam violência e intimidação contra profissionais da saúde

Conselhos, sindicatos e entidades vão assinar nota de reprovação a PL que autoriza livre acesso de políticos a unidades de saúde

sexta-feira, 3 Outubro, 2025 - 18:00
Vereadores e convidados no Plenário Camil Caram

Foto: Denis Dias/CMBH

A médica Maggy Lopes da Costa, de 66 anos, morreu em 19 de setembro, dias após sofrer uma parada cardiorrespiratória durante reunião de trabalho no Centro de Saúde Ventosa, na Região Oeste da capital. Ela passou mal depois de denunciar que estava sofrendo ameaças, violência psicológica e difamação nas redes sociais. “Estamos vivendo um movimento articulado de alguns agentes políticos que estão invadindo unidades de saúde de forma ilegal para expor trabalhadores e usuários”, disse o vereador Dr. Bruno Pedralva (PT) em audiência pública realizada nesta sexta-feira (3/10) pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor. Pedralva, autor do pedido da reunião, ainda anunciou que vai elaborar uma nota coletiva, a ser assinada por conselhos, sindicatos e outras entidades, recomendando a reprovação do PL 291/2025, que dispõe sobre o livre acesso de vereadores a unidades de saúde. 

Segundo o parlamentar, na atual legislatura da CMBH já foram registradas quatro “invasões” por parte de vereadores. “Isso aconteceu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Odilon Behrens, no Centro de Saúde Ermelinda, no Risoleta Neves e também no Pronto Socorro do Odilon”, relatou.

Projeto de Lei

O PL 291/2025, de autoria de Pablo Almeida (PL) e Rudson Paixão (Solidariedade), tramita em 1º turno e dispõe sobre “o livre acesso do vereador aos locais e documentos dos órgãos públicos municipais”. Conforme a proposição, esse acesso “ocorrerá preferencialmente em horário comercial, mas poderá se dar em qualquer horário do dia ou da noite. No período noturno, o acesso será permitido a instituições ou órgãos que funcionarem 24 horas por dia, tais como hospitais, UPAs, clínicas e etc”. 

“O vereador poderá acessar prontuários de pacientes? Não tenho dúvida de que esse PL é para hostilizar trabalhadores, colocar usuários contra profissionais de saúde e ganhar likes nas redes sociais”, questionaou Pedralva, diante da possibilidade de acesso aos documentos. 

Constrangimentos

Assistente social do Hospital Odilon Bherens, Gislene relatou a visita recente de um parlamentar à UPA do hospital. “Ele não quis ouvir os trabalhadores e entrou em locais não permitidos, como farmácia e espaços de descanso. O tempo todo estava filmando e aí entendemos o que ele queria. Não estava ali para conhecer o fluxo de trabalho, entender os problemas. Foi com intuito de jogar a população contra os servidores e causar tumulto. Foi muito constrangedor, ficamos indignados”, disse. 

Com uma camisa preta escrita “Os profissionais de saúde importam”, Thalita Mota, do Centro de Saúde Ventosa, disse que vê com preocupação esse movimento. Segundo ela, alguns vereadores e supostas lideranças comunitárias estariam “disseminando o ódio” aos profissionais de saúde. 

Direitos dos pacientes

O diretor do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, Arthur Oliveira Mendes, disse que o PL 291/2025 pode “legitimar a espetacularização”, caso aprovado. “Existe papel de fiscalização, mas o vereador não pode chegar em um Centro de Saúde e pedir documentos sigilosos dos pacientes, como um prontuário, sem os trâmites legais”, argumentou. Ele citou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que resguarda o direito dos pacientes sobre esses documentos.

De acordo com ele, seria importante que os vereadores ajudassem em questões relevantes como a falta de medicamentos, falta de profissionais de saúde e possibilidade de retirada da Guarda Municipal. Também denunciou risco de estupro nas unidades de saúde, devido à falta de segurança.

Pedidos de demissão

Regina Eto, diretora do Conselho Regional de Medicina, afirmou que a entidade recebe denúncias e fiscaliza. Sobre acesso a documentos como prontuários, ela destacou que apenas juízes e os Conselhos Regionais podem ter acesso. Em relação à violência, Regina ressaltou a importância da permanência da Guarda Municipal nas unidades. 

“Muitos médicos que atendem no sistema público de saúde estão pedindo demissão devido à violência e às ações intimidatórias”, disse a diretora do Conselho Regional de Medicina.

Posicionamento da SMS

Representante da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Tatiane Caetano disse que a pasta recebeu “com muita preocupação” informações sobre a tramitação do  PL 291/2025. “A atividade parlamentar é extremamente relevante, mas quando ela repercute em serviços públicos sensíveis e compromete a segurança tanto de profissionais quanto de usuários, certamente temos que nos manifestar”. 

Segundo Tatiane, tanto Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) quanto a Lei de Acesso à Informação (LAI) exigem a proteção de dados pessoais e sensíveis. Outro ponto da legislação questionado pela pasta é o livre acesso às unidades.

“A entrada em ambientes sensíveis - como CTI, enfermarias, centros cirúrgicos ou mesmo consultórios - fere o princípio da dignidade da pessoa humana e da privacidade”, disse a representante da secretaria municipal de Saúde.

Thiago Cruz, advogado do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), disse que identificou violações a direitos fundamentais no PL e parabenizou as Comissões de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor e de Orçamento e Finanças por aprovarem pareceres pela rejeição. Ele citou infrações penais associadas ao PL: constrangimento ilegal (artigo 146 do Código Penal); perturbação do sossego no trabalho (artigo 42 da Lei de Contravenções Penais) e abuso de autoridade (artigo 28 Lei de Abuso de Autoridade).

Superintendência de Comunicação Institucional

11ª Reunião Extraordinária - Audiência pública para debater as invasões de vereadores e políticos em unidades de saúde e serviços públicos e suas consequências para os direitos humanos