Terceirizados da educação lotam Câmara por melhores condições de trabalho
Prefeitura não compareceu à audiência pública, mas enviou proposta para reabrir negociações; grevistas vão avaliar pedido nesta quinta
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Dara Ribeiro/CMBH
Centenas de trabalhadores terceirizados da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte lotaram diversos espaços da Câmara Municipal, nesta quarta-feira (26/2), para acompanhar a audiência pública sobre a luta da categoria por melhores salários e pela redução da jornada de trabalho. Durante a reunião, trabalhadores relataram rotinas exaustivas e vereadores e sindicato lamentaram a ausência de representantes da Prefeitura.
População presente
Marcado inicialmente para o Plenário Camil Caram, o debate teve de ser transferido para o Amintas de Barros, o maior da Casa, devido à grande quantidade de visitantes. Além do espaço destinado à reunião, profissionais lotaram a galeria, o hall de entrada do Palácio Francisco Bicalho, corredores e a praça em frente à portaria 2, onde foi montado um telão para que conseguissem acompanhar as discussões. Autora do requerimento da audiência, Iza Lourença (Psol) ressaltou que nunca havia visto a Câmara tão cheia. “Estamos aqui não só para debater os pedidos dos trabalhadores terceirizados, mas para apoiar a greve e somar forças por melhores condições de trabalho”, disse a vereadora.
Os profissionais terceirizados prestam serviços de apoio nas escolas e assumem funções nas cantinas, na limpeza, no monitoramento de estudantes das escolas integradas, e nas portarias, entre outros serviços prestados. Em greve desde segunda (24/2), a categoria apresentou à Prefeitura uma série de reivindicações, como aumento de 14% nos salários, redução da jornada para 30 horas semanais e o fim da escala 6x1 (em que se trabalha seis dias e folga apenas um na semana). Os profissionais também pleiteiam maior transparência em relação aos descontos realizados pela Minas Gerais Administração e Serviços (MGS) em seus contracheques e redução do número de estudantes atendidos pelos trabalhadores.
Ausências
De acordo com o Sind-REDE/BH, sindicato que representa mais de 4 mil trabalhadores terceirizados da área de educação, as negociações com a administração municipal começaram em dezembro, mas até o início da audiência pública não havia nenhuma contraproposta da administração municipal sobre os itens em pauta. “A partir de hoje, se alguém vier me falar a respeito de como está difícil não ter com quem deixar o filho, por causa da greve, eu vou responder que a culpa é da Prefeitura, que não negocia”, afirmou Iza Lourença.
A parlamentar destacou que nenhum dos convidados do Executivo e da empresa responsável pela contratação dos terceirizados atendeu ao convite da Comissão de Administração Pública. Haviam sido chamados para o debate o secretário de Educação, Bruno Barral; o secretário municipal de Governo, Guilherme Daltro; e o diretor-presidente da MGS, Paulo Henrique Fonseca de Melo; além de gestores das Caixas Escolares. O presidente da Câmara Municipal, Professor Juliano Lopes (Pode), lamentou a ausência e ressaltou que a falta era um desrespeito com os vereadores e com todos os presentes. “Eu, como presidente desta Casa, me sinto particularmente desrespeitado”, falou.
O presidente da Comissão de Administração Pública, Wagner Ferreira (PV), salientou a importância do trabalho dos parlamentares para fortalecer a luta dos trabalhadores. “Eu espero que ao longo dessa audiência algum representante da Prefeitura possa vir aqui explicar porque até agora o Sind-REDE não foi ouvido. Se isso não ocorrer, eu me comprometo a convocar o secretário de Educação, assim ele não pode faltar”, prometeu. Ao todo, participaram do encontro 11 vereadores, além da deputada estadual Bella Gonçalves (Psol).
Representantes dos trabalhadores
Auxiliar de Apoio ao Educando há 11 anos, Maria Lúcia Ferreira da Silva, que trabalha na Escola Municipal Paulo Mendes Campos, na região central, reiterou que as condições de trabalho estão cada vez mais precárias. “Nas nossas escolas não tem cadeiras para sentar. Quando podemos parar por alguns minutos, sentamos no chão. Eu lanço um desafio: será que alguém que está nos ouvindo consegue ficar oito horas com uma criança atípica sem nem 20 minutos de descanso?”, perguntou. Segundo ela, o salário pago em Belo Horizonte é o menor da região metropolitana.
Representante do comando de greve, Michael Henrique Borges, da Escola Integrada Jonas Barcellos Corrêa, no Barreiro, disse que alguns educadores têm de lidar com até 30 alunos por turma. “Nas propagandas de TV tudo é muito bonito, perfeito, mas quem vive a realidade sabe o caos que é. E trabalhar com essa pressão por 44 horas semanais é, no mínimo, avassalador”, contou. Para Michael, a carga horária acaba interferindo na qualidade da educação, já que, com os profissionais exaustos, “as aulas não são tão produtivas”.
Direitos trabalhistas
Dois advogados foram convidados a opinar sobre possíveis questões jurídicas da redução de jornada e do fim da escala 6x1. Iza Lourença assina, com outros três vereadores, um Projeto de Lei que estipula, para todos os trabalhadores de empresas contratadas pela prefeitura, “jornada de trabalho não superior a 30 horas semanais, a serem cumpridas, no máximo, em cinco dias na semana”. Professor de Direito Constitucional da PUC Minas e diretor de Cidadania e Direitos Humanos da OAB/MG, Bruno Burgarelli lembrou que as leis trabalhistas estabelecem o mínimo que deve ser cumprido, mas que outras regras, mais favoráveis, podem ser compactuadas pelas categorias profissionais. “A norma federal não engessa. A superação da jornada 6x1 é um passo a mais na conquista da dignidade da pessoa humana, não só para o trabalhador e para a trabalhadora, mas também para sua família e seus amigos”, disse.
Professor do Departamento de Direito do Trabalho da UFMG e presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, Gustavo Seferian comparou o movimento dos trabalhadores terceirizados da Rede Municipal de Ensino com a greve dos trabalhadores de São Petersburgo, em 1917, que culminou com a deposição do czar russo. “São vocês que estão botando para tremer aqueles que estão no poder em Belo Horizonte e que não dão um passo sequer na atenção do povo trabalhador”, afirmou. Para ele, tanto a redução da jornada quanto a mudança na escala de trabalho são “perfeitamente constitucionais”. “Quem fala o contrário ou não estudou muito bem, ou estudou em um local que não deu boas aulas, ou quer dar uma de patrão sem poder ser”, afirmou.
Proposta da prefeitura
Nos últimos instantes da audiência pública, a Prefeitura enviou para o Sind-REDE uma proposta com o objetivo de reabrir as negociações da campanha salarial de 2025 e se comprometendo a suspender os cortes de ponto. A condição seria a interrupção da greve. Os trabalhadores se reuniram em frente à Portaria 2 da Câmara Municipal para avaliar a ideia, mas, devido ao adiantado da hora, decidiram não tomar nenhuma decisão no momento. Foi marcada uma nova assembleia para esta quinta-feira (27/2), às 14h, em frente ao prédio da Prefeitura, na Avenida Afonsa Pena, para decidir se o movimento irá continuar ou se a imposição da prefeitura será aceita.
Superintendência de Comunicação Institucional