DIVERSIDADE

Produtores reclamam da invisibilidade cultural da população LGBTQIAPN+

Falta de espaço específico para acolher artistas e produtores e dificuldade para acessar recursos foram destacados

quarta-feira, 3 Julho, 2024 - 15:45
Imagem da reunião no Plenário Camil Caram

Foto: Rafaella Ribeiro /CMBH

A promoção da cidadania e das políticas culturais para a construção de uma sociedade inclusiva que celebre a diversidade e garanta que as vozes das pessoas LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, Não-binárias e mais) sejam valorizadas foi tema de audiência pública da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, nesta quarta-feira (3/7). A falta de visibilidade e de acesso aos meios de produção foi destacada pelos participantes que solicitaram, entre outras coisas, que haja equidade nos editais e o reconhecimento dos trabalhadores da cultura que integram a comunidade LGBTQIAPN+. Entre os encaminhamentos, Pedro Patrus (PT), autor do requerimento da reunião, destacou a revisão do formato de editais e a proposição da criação de um festival para a comunidade.

Para Pedro Patrus, “é hora de propor políticas que atentem para a importância da cultura LGBT para a cidade”. Segundo o parlamentar, é preciso debater questões como segurança, financiamento e espaços culturais que acolham a comunidade. Cida Falabella (Psol) lembrou os ataques sofridos pelo Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que, segundo ela, tem como pano de fundo “a guerra cultural que a extrema direita tem travado no país”. Cida argumentou que, ainda que os editais estejam mais abertos à presença de artistas LGBT, muitas vezes isso não é suficiente. Já Iza Lourença (Psol) ressaltou a dificuldade em aprovar na CMBH projetos de lei que tragam à baila a temática de gênero e assegurou que o trabalho parlamentar tem se dado “nas brechas” por meio de emendas impositivas. 

Os convidados foram unânimes em afirmar que há historicamente  um claro movimento de invisibilização do trabalho feito por eles, bem como uma dificuldade de acesso à política e aos recursos destinados à cultura. Eles também ressaltaram que a participação deles no fazer cultural é tamanha que, caso se retirassem de cena, não seria possível continuar com o mercado cultural. Diante de tamanha relevância para o setor, conforme os participantes, não seria possível continuar a serem relegados a segundo plano, com dificuldades em acessar recursos e espaços culturais. “A história da cidade é heteronormativa e existem muitas barreiras para que os nossos corpos acessem o que já existe. É sobre segurança, sobre vidas”, disseram. 

Invisibilidade e dificuldade de acesso

Lucas Sidrach, conselheiro municipal de Cultura, contextualizou a trajetória do movimento, que remonta à década de 1960. Ao reforçar que corpos dissidentes atuam na música, na dança, na literatura e em todas as linguagens artísticas, lamentou que “constantemente somos destinados a ficar trancados em guetos, em espaços sub apoiados, sem fomento algum, sem valorização dos nossos corpos”.  A falta de dados sobre a população LGBTQIAPN+, para ele, comprova que o Estado não se importa. “Para o Estado é mais importante saber se você é casado do que se você tem identidade de gênero diversa”, alegou.

O conselheiro propôs a criação de um espaço de diálogo permanente e de um programa municipal de financiamento destinando recursos contínuos, além da inclusão de cotas específicas para artistas LGBTQIAPN+ nos editais de cultura. 
O apagamento sistemático da comunidade gay nas produções culturais também pautou a fala da ex-aluna do Arena da Cultura, a agente cultural Jhúlia Santos. Para ela, falta investimento na formação de produtores culturais que têm negado até mesmo o direito à educação básica e o direito a estar no espaço de estudo formal, logo que externam a dissidência de gênero ou a orientação sexual. 

Jhúlia Santos acredita que é preciso rever a postura do Centro de Referência LGBT, que precisa abarcar também a cultura. “Não dá para ter um Centro de Referência com a fachada arrancada e que não dá devolutivas. Hoje o centro dá conta minimamente de receber e encaminhar pessoas”, afirmou. 

Ibimonte Azevedo abordou a dificuldade de acesso e sobrevivência da cultura LGBT. “O que nos une é a precariedade do acesso. E essa exclusão afeta diretamente a nossa qualidade de vida e a possibilidade de construir cultura. Ele também reclamou da burocracia dos editais que excluem homens trans, pessoas trans masculinas e não binárias. 

Ocupação dos espaços

Representante da Rede de Agentes Culturais, Igui desafiou os presentes a nomear uma manifestação cultural que não tenha pessoas LGBTs. Ele lembra que a inclusão de espaços para identificar orientação sexual e nome social nos formulários da Secretaria Municipal de Cultura - estipulados pelo Ministério da Cultura em 2008 - só se tornou realidade em BH em 2016. “A representatividade importa uma vez que nos apresenta uma nova possibilidade. Construir cidadania também é uma tarefa da cultura”, afirmou. Igui afirma ainda que a política cultural não é só edital, embora os editais tenham democratizado o recurso público. “Precisamos pensar nos canais de formação LGBT”, afirmou. 

Representante do Ministério da Cultura em MG, Ana Tereza Brandão destacou os avanços proporcionados pela representatividade. “A narrativa influencia os sistemas jurídico e legislativo e “é a partir da subjetividade que a gente constrói o que pode e o que não pode”. Ana Tereza acredita que a arte é essencialmente política tanto quanto a expressão da subjetividade. Ela reconhece a dificuldade e afirma que a única possibilidade de avançar enquanto humanidade é reconhecer as diferenças culturais, as pessoas sujeitas de direito. “Estamos em um momento no qual as políticas culturais estão obrigando os gestores a dialogar com a sociedade civil”, disse. 

Pedro Patrus se comprometeu a propor a criação de um festival de arte LGBT; a revisão do formato dos editais; a criação de estratégias para fiscalizar e fazer valer a legislação atual; e a pedir informação para saber como estão os processos de emendas impositivas parlamentares que foram destinadas para a cultura, entre outras iniciativas. 

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública - Finalidade: Tratar de assuntos sobre cidadania e políticas de cultura LGBTQIAPN+