Financiamento público do transporte é defendido por movimentos sociais
Além de melhoria na qualidade de prestação de serviço, participantes cobraram mais transparência e controle social
Foto: Claudio Rabelo/CMBH
A necessidade de melhorar o controle social, aumentar a transparência na gestão dos recursos públicos e buscar outras formas de financiamento foi apontada como urgente pelos participantes da audiência pública realizada nesta terça-feira (30/5) pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, para debater o aumento das tarifas do transporte público na cidade. Iza Lourença (Psol), Bruno Pedralva (PT) e Pedro Patrus (PT), autores do requerimento, afirmaram que “o reajuste de R$4,50 para R$ 6,00 representa uma grave ameaça ao direito de ir e vir da população mais pobre”. Segundo eles, o aumento compromete a renda das famílias que trabalham na informalidade e não possuem vale-transporte, além de comprometer também o deslocamento dos estudantes para as escolas.
Ao ressaltar a importância de ouvir os movimentos populares, Iza Lourença destacou que a precariedade dos veículos e o descumprimento do contrato são denunciados diariamente e revelou que, a cada 20 minutos, a PBH recebe uma notificação popular sobre irregularidade dos ônibus. Ela defende que é responsabilidade do poder público garantir o direito de transporte tanto quanto o direito à saúde e à educação. “Hoje vamos debater esse subsídio que está sendo repassado para as empresas. Queremos falar das condições para a liberação de R$ 512 milhões para os empresários”, anunciou.
A vereadora ponderou que o repasse foi a única proposta da PBH para abaixar os valores das tarifas e que, com isso, o poder público municipal vai contribuir com um terço do sistema. “Desta forma, acredito, o poder público tem o dever de gerir esse sistema. Hoje é a própria empresa que faz o controle de arrecadação e também de custos. Isto está errado. Precisamos rever esse contrato”, afirmou.
Bruno Pedralva defendeu a legitimidade dos movimentos para debater o tema e lembrou que todas as conquistas - pagamento por km rodado, meio passe estudantil, entre outras -, são fruto da luta dos movimentos sociais. Pedralva também afirmou que é a favor do pagamento de subsídios para as empresas como forma de garantir uma tarifa mais justa para a população. Ele cobrou mais transparência nas negociações entre poder público e empresariado e reforçou a necessidade de ter outras fontes de financiamento para o transporte público como, por exemplo, taxação de médias e grandes empresas. Já Cida Falabella (Psol) afirmou que o debate deve ser colocado em perspectiva e avançar para o financiamento total do serviço de transporte público.
Tarifa Zero
Representando o Movimento Tarifa Zero, André Veloso fez um apanhado histórico de como foi construído o sistema de transporte coletivo na capital mineira e enfatizou que, desde o início, a presença de grupos familiares na disputa pela prestação do serviço foi marcante. “A CPI da BHTrans, que analisou o processo licitatório de 2008, provou que foi formado um cartel”, afirmou. Ele denunciou que desde 2013 as empresas descumprem os contratos sistematicamente e, quando são multadas, não providenciam o pagamento. Segundo Veloso, em 2014 o contrato deveria ter sido reajustado e não foi.
Veloso também reclamou da falta de transparência na negociação que levou a PBH a liberar o subsídio durante a pandemia de covid-19 e alegou que “o repasse em 2021 foi feito sem critério”. Para ele, o pagamento do serviço por Km rodado é um avanço importante, mas a CMBH já poderia ter agilizado a tramitação do "PL do subsídio", que chegou na Casa em 21 de março e "até hoje não passou da 1º comissão. Ainda faltam três”.
O representante do Tarifa Zero questionou como a PBH está negociando o passe livre para estudantes e apresentou propostas para melhorar o PL em tramitação. Ele sugere a instituição de tarifa zero aos domingos e feriados para toda a população; que o subsídio retroativo aos meses de janeiro, fevereiro e março não seja pago (segundo ele, é um pagamento em duplicidade); que se exija o pagamento de multas por descumprimento de contratos, inclusive retendo recursos dos repasses; e que o passe livre seja concedido a todos os estudantes e não apenas para os de ensino médio, sem burocracias.
Usuários do transporte
Para Francisco Maciel, presidente da Associação de Usuários de Transporte Coletivo, o pagamento de subsídio no valor de R$ 512 milhões atende a interesses dos empresários, da PBH e também da CMBH. Ao negar a existência de crise do setor de transporte, ele afirmou que “quando a proposta de prorrogação do subsídio no valor de R$40 milhões foi negada na Comissão de Legislação e Justiça, os vereadores já sabiam o que iria acontecer. A recusa foi o gatilho que possibilitou aos empresários recorrerem à Justiça para fazer o acordo que culminou na liberação de R$ 512 milhões”.
Ele afirmou que a Associação dos Usuários é a favor do subsídio por acreditar que a cidade funciona a partir da mobilidade urbana e a conta deste funcionamento não poder recair apenas nas costas do usuário. “Defendemos que a mobilidade - um direito social essencial - seja garantido a todo trabalhador da cidade com financiamento público, transparência e controle social”, finalizou .
Oportunidade de melhoria do serviço
A retomada do controle da gestão do serviço de transporte público foi defendida por um dos coordenadores do Projeto Nossa BH, Marcelo Amaral. Ele perguntou como a Superintendência de Mobilidade Urbana (Sumob) e a BHTrans estão se preparando para fazer controle social e se há estudos para buscar novas formas de financiamento.
Marcelo Amaral afirmou que “estamos diante de uma grande oportunidade de melhorar o sistema”. Para ele, cabe à PBH dizer qual é a qualidade do transporte que deve ser ofertado à população, e que o repasse de subsídio vai permitir o controle público sobre o serviço. Ele sugere incluir no PL em andamento na CMBH a atribuição do Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (Comurb) de fiscalizar a execução dos recursos repassados pela PBH e inserir ferramentas de monitoramento frequente.
Superintendente de Mobilidade Urbana, André Dantas lembrou que a crise de mobilidade urbana afeta todo o país e que foi criada a partir da opção de investir em transporte individual em detrimento do transporte coletivo. Ao defender a decisão de socorrer as empresas com o subsídio de R$237 milhões, ele citou a cidade de Teresina, onde, segundo ele, o transporte coletivo colapsou. O superintendente citou ainda as cidades de Brasília e São Paulo que já fazem repasses constantes de subsídios para garantir uma tarifa com preços módicos para a sociedade. Dantas negou que não haja fiscalização na prestação dos serviços e reconheceu as muitas dificuldades enfrentadas pela população, mas garantiu que tanto ele como o corpo técnico da Sumob trabalha para oferecer o melhor.
Dantas alegou que há impedimentos legais que devem ser observados e que o aumento da tarifa para R$6,00 foi um acordo judicial que teve que ser costurado devido às circunstâncias regidas pelo contrato. Ao concordar com Marcelo Amaral que é uma grande oportunidade de melhoria, ele afirmou que “estamos tentando recuperar um sistema que já estava ruim antes da pandemia”. Além das limitações tecnológicas, ele pontuou que a extinção da BHTrans impactou no desenvolvimento dos trabalhos e que a transição das atividades para a Sumob ainda não foi concluída.
Passe livre para estudantes
Representantes de movimentos estudantis defenderam o passe livre para todos os estudantes com o argumento de que se a Constituição Federal prevê que a educação é um direito de todos, logo, o acesso a ela também deve ser garantido. Eles questionaram como a PBH pretende implantar o passe livre e o que será feito da diferença paga pelo usuário de transporte público, caso a tarifa volte ao patamar de R$4,50.
Sobre o passe livre, o superintendente de Mobilidade Urbana lembrou a exigência de cumprir a legislação. “Um gestor público tem muitas limitações legais. Se a CMBH aprovar uma lei autorizando a gratuidade nos coletivos de todos os estudantes, vamos cumprir", afirmou. Ele explicou que BH recebeu R$37 milhões do governo federal para garantir a gratuidade do idoso, mas “o Fundo Nacional dos Direitos dos Estudantes não recebeu nada”.
Já o secretário municipal de Fazenda, Leonardo Colombini afirmou que Belo Horizonte tem uma receita líquida de R$ 15 milhões, dos quais R$ 5 mi vão para a saúde e R$4 para a educação. “Sobram R$ 9 milhões para fazer todo o restante, inclusive investir em transporte coletivo”, disse.
Presidente do Setra, Raul Lycurgo concordou com a necessidade de modernização do contrato vigente e lembrou que, já em 2008, o subsídio era uma realidade em diversas cidades mundo afora. Ele também considera injusto que o usuário pague sozinho por um serviço que é essencial para o crescimento da cidade e que está disponível para todos.
Ele reafirmou que existe sim uma crise no serviço de transporte coletivo e que o subsídio não é dado ao empresário, mas usado para auxiliar os usuários no pagamento das tarifas. Ele lembrou que houve um congelamento das tarifas, contra as normas do contrato e que as empresas investiram, em 2019, mais de R$200 milhões na compra de novos veículos e que não houve reajuste.
Ele concordou com a necessidade de criar receitas extras e sugeriu a desoneração da cadeia produtiva, retirando os impostos como ISSQN e ICMS, que são repassados para a planilha de custos e acabam impactando o valor que o usuário paga pela tarifa. Lycurgo aproveitou a oportunidade para cobrar que sejam implantadas, o mais breve possível, as faixas exclusivas para ônibus. “Isso vai aumentar a segurança e a eficiência para prestar nosso serviço”, afirmou.
Superintendência de Comunicação Institucional