REQUALIFICAÇÃO DO CENTRO

População em situação de rua teme ações higienistas e critica censo realizado

Audiência debateu o Programa da PBH “Centro de Todo Mundo”. Para convidados, censo não reflete números reais

terça-feira, 11 Abril, 2023 - 16:30
Foto mostra vereadores e convidados em audiência pública no Plenário Camil Caram

Foto: Claudio Rabelo/CMBH

Nesta terça-feira (11/4), a Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor realizou audiência pública, a pedido de Pedro Patrus (PT), para debater o Programa de Requalificação do Centro de Belo Horizonte, "Centro de Todo Mundo", com ênfase na população em situação de rua e na ocupação de prédios ociosos e subutilizados. Representantes de movimentos sociais que lutam por moradia - ocupações urbanas, catadores de recicláveis e pessoas que vivem nas ruas -, assim como a Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, defenderam habitação própria e oportunidades de gerar renda para essa população, em vez da construção de mais abrigos e albergues. Eles temem que o programa tenha ações higienistas, retirando essas pessoas do Centro, e criticaram o Censo da População em Situação de Rua, que não refletiria os números reais. Foi reivindicada a retomada do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua. A Prefeitura anunciou o reforço e a qualificação das equipes de abordagem da assistência social, a abertura de novos abrigos e o aprimoramento da locação social. Também estão previstas ações de reinserção dessa população no meio profissional; projeto de lei que garante incentivos para a reutilização de prédios ociosos acaba de ser enviado à Câmara Municipal. 

A subsecretária de Relações Intragovernamentais da PBH, Beatriz Góes, afirmou que as principais ações para a população em situação de rua previstas no Programa Centro de Todo Mundo são o reforço e a qualificação das equipes de abordagem da assistência social para colocar todas as pessoas em situação de rua no cadastro do CadÚnico, pois 40% delas não estavam cadastradas. Também há previsão de construção de três novos abrigos para a população em situação de rua com deficiência, e um para a população masculina em processo de envelhecimento. Já foi aberto um abrigo para gestantes e puérperas e outro para a população LGBTQIA+. Além disso, toda quarta-feira os Centros de Referência da População de Rua (Centros Pop) têm uma equipe de saúde para atendimento. Por fim, foi criado o Programa Estamos Juntos, para reinserir a população em situação de rua no meio profissional por meio de qualificação, podendo receber bolsas depois da reinserção; foi aprimorada a locação social, e esse público poderá ter mobiliário nas moradias. Ainda de acordo com a gestora, ontem (10/4) foi envido à Câmara projeto de lei do Retrofit, que garante incentivos para a reutilização de prédios ociosos no Centro de BH, como a isenção de ITBI e a isenção de IPTU por três anos. 

Um representante do Programa Estamos Juntos disse que a própria prefeitura fará a contratação das pessoas, e também será feito um processo de convencimento, um trabalho socioemocional de cerca de 40 horas, “momento de escuta e acolhimento” e, posteriormente, os participantes terão 20 horas semanais de atuação em frentes de trabalho da PBH, uma “espécie de estágio”, para colocar em prática conteúdos dos cursos de qualificação. Além disso, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e servidores públicos farão o acompanhamento da população, e serão ofertadas bolsas de R$ 540,00. 

“Precisamos qualificar os serviços de abordagem”, assumiu o subsecretário de Assistência Social, José Cruz. Para isso, teriam sido adquiridas vans com estrutura para atendimento, inclusive com coletes e tablets. Em abril, segundo ele, foram inauguradas três unidades de residência inclusiva, além de uma unidade para famílias.

Claudius Vinícius Leite Pereira, presidente do Conselho Municipal de Habitação (CMH), contou que a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel)) e a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania assinaram portaria para conceder benefícios voltados à população em situação de rua: “A assistência manda a lista para nós, e essas famílias serão inseridas no programa de locação social”. De acordo com ele, há a possibilidade de locação coletiva do imóvel e a aquisição de bens móveis (como fogão, geladeira, mesa etc) está sendo regulamentada. O representante afirmou, ainda, que há a expectativa de financiamento pelo governo federal. 

Comitê e ações higienistas 

O representante do Fórum Municipal dos Trabalhadores do SUS em BH, Fabiano Siqueira, teme que as atividades do programa da PBH venham acompanhadas de “ações higienistas”. Também como outros, criticou o Censo para a População em Situação de Rua, publicado em fevereiro último e realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG, a pedido da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania. O documento seria “equivocado desde o início”, pois teria apontado 5.334 pessoas em situação de rua em Belo Horizonte, tendo em vista que a própria Prefeitura, em dezembro de 2022, apurou a existência de 10.160 pessoas nessa situação, segundo ele. “A gente, infelizmente, está se baseando num número muito abaixo, por volta da metade”, denunciou. Sobre o Programa Estamos Justos, considerou “promissor”, após as mudanças anunciadas. Outra questão abordada por Siqueira e outros foi a necessidade de refazer o Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, que teria sido desmantelado em 2019, “quando a sociedade civil apontou críticas”. 

O temor de políticas higienistas também foi lembrado por Felipe Marcelino, representante da Pastoral de Rua, para quem “as pessoas são constantemente violentadas, especialmente na área central”. Ele falou ainda de questões básicas para o segmento, como banheiros públicos (que estariam fechados) e água potável; e de outras importantes, como o trabalho, a inclusão e a segurança. Além das denúncias de abusos nas ruas contra as pessoas, segundo ele há abrigos, albergues e congêneres que reproduzem a lógica da exclusão, tornando-se “amontoados de pessoas”. Marcelino lembrou o papel fundamental dos catadores de material reciclável para a proteção do meio ambiente e lamentou o desmantelamento do comitê. 

Uma representante da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais também questionou a validade do Censo realizado que, para ela, não faz sentido por não apresentar dados reais. Seria preciso, ainda, repensar a área da assistência social, dando preferência à moradia assistida e não à construção de mais abrigos. A preocupação com ações gentrificadoras também foi expressa pela representante, assim como o repúdio ao Projeto de Lei 340/ 2022, que institui a Política Municipal Intersetorial para Atendimento à População em Situação de Rua (PPSR) em Belo Horizonte e está em tramitação na Câmara Municipal. Criticado por mais de um convidado, o PL teria trechos “absurdos” e contrários a documentos e leis sobre a população em situação de rua. Por fim, a convidada considerou urgente a reimplantação do comitê e, sobre água potável e banheiros, afirmou que a Prefeitura pode resolver o problema “num estalar de dedos”. 

Para o vereador Pedro Patrus, é fundamental que as necessidades da população mais vulnerável sejam levadas em consideração no projeto de requalificação do Centro. "A partir desse diálogo abrangente, ouvimos os movimentos sociais e suas sugestões, que defenderemos junto à PBH", comprometeu-se. 

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública para discutir o Programa de Requalificação do Centro de Belo Horizonte - Centro de Todo Mundo - 8ª Reunião Ordinária - Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor