PLANO DIRETOR

CMBH realiza amplo debate sobre redução da outorga paga por construtoras

Argumentos contrários e favoráveis foram apresentados em três horas de audiência pública. PL sobre o tema é do Executivo

segunda-feira, 24 Abril, 2023 - 21:15

Foto_Karoline Barreto_CMBH

O Projeto de Lei 508/2023, de autoria do Poder Executivo, pretende reduzir o valor da Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC) em BH. De acordo com a Prefeitura, o objetivo da proposição é alinhar o valor da ODC aos preços praticados no mercado imobiliário, ampliando a arrecadação a ser destinada à implementação de equipamentos públicos e novas unidades de habitação de interesse social. Já movimentos sociais em defesa da moradia e do meio ambiente se posicionaram contra a mudança por entenderem que a proposta de alteração fere a norma que permite alterações no Plano Diretor apenas com participação popular e em conferências municipais. Os movimentos também argumentam que a iniciativa da PBH atende exclusivamente a interesses setoriais das grandes construtoras, que pretendem continuar a investir nas áreas centrais mais valorizadas, penalizando as periferias e a oportunidade de se criar uma cidade com várias centralidades e mais habitações de interesse social. A discussão foi travada nesta segunda-feira (24/4), em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana, presidida por dois de seus quatorze requerentes: Professor Juliano Lopes (Agir) e Cida Falabella (Psol).

Habitações populares e empregos

Defensora do projeto que reduz o valor a ser pago por meio da ODC, a Federação das Indústrias do Estado (Fiemg), presente na audiência, entende que a mudança irá gerar empregos na construção civil e fazer a economia girar, ao mesmo tempo em que ampliará a arrecadação da Prefeitura. O posicionamento da entidade converge com o argumento da PBH. Representado na audiência pelo secretário municipal de Política Urbana, João Antônio Fleury, o Poder Executivo afirma que o PL possibilitará a ampliação dos recursos a serem obtidos com a ODC para cerca de R$ 53 milhões, montante que seria investido em habitação popular.

Também o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) fez a defesa do projeto. Segundo a entidade, a redução do preço da outorga vai aumentar a arrecadação da PBH, possibilitando mais investimentos em habitação social. O sindicato patronal ainda refutou o argumento de que o PL altera o Plano Diretor (Lei 11.181/2019), uma vez que a proposição em tramitação na Câmara modifica as Leis 9.074/2005 e 11.216/2020, que dispõem sobre a aplicação dos instrumentos de política urbana previstos no plano. Conforme o Sinduscon, o preço da outorga onerosa não foi definido na Conferência Municipal de Política Urbana.

O representante da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário, Kenio de Souza Pereira, também defendeu que o PL do Executivo não apresenta alteração ao Plano Diretor e afirmou que a Câmara Municipal deve ter o direito de modificar as Leis 9.074/2005 e 11.216/2020. De acordo com ele, a legislação vigente inviabiliza novas construções na área central da cidade e pretende reduzir o valor desses terrenos por meio de instrumentos legais, em dissonância com o mercado.

Ao defender o projeto do Executivo, o arquiteto Gustavo Godinho afirmou que a redução da ODC vai garantir o trabalho de diversas categorias profissionais, como mestres de obras, pintores, eletricistas, uma vez que beneficiará toda a cadeia produtiva da construção civil, que, segundo ele, encontra-se ameaçada pela legislação vigente. Ele afirma, ainda, que se o empresário da construção civil entender que a ODC como está inviabiliza construções em BH, os investimentos irão para outras cidades. Conforme o arquiteto, a outorga pode ser um remédio, contudo, na dose errada, pode se tornar um veneno.

Plano Diretor

A promotora de Justiça Marta Larcher criticou a falta de documentos e estudos técnicos que embasem a proposta de mudança na legislação urbanística. Ela explica que o Ministério Público não é contra, nem a favor do projeto, mas entende que o debate precisa ser feito com base em dados, que não teriam sido disponibilizados de maneira transparente. A promotora complementa que o PL não pode ser aprovado pela Câmara de forma açodada, tal a repercussão que terá em toda a cidade. Ainda de acordo com Marta Larcher, o projeto do Executivo altera o Plano Diretor aprovado em Conferência Municipal de Política Urbana. A promotora também explica que a outorga onerosa não vai onerar o preço final da unidade habitacional construída. Segundo ela, se o potencial construtivo cai, conforme prevê a legislação em vigor, o preço do terreno também vai cair. Conforme a promotora, é possível incluir a outorga no preço do empreendimento sem que isso aumente o preço final para o consumidor.

A professora da UFMG e pesquisadora do Observatório das Metrópoles Jupira Gomes refutou o argumento do setor empresarial e da PBH de que o PL não representa alterações ao Plano Diretor. Para ela, a lei do Plano Diretor e as leis a serem alteradas pelo projeto compõem um só arcabouço, de modo que, uma vez aprovada, a proposição do Executivo enterraria a estratégia territorial trazida pelo Plano Diretor. A professora defende que, em vez de apresentar um substitutivo ao PL, a Prefeitura retire o projeto de tramitação, tendo em vista que, de acordo com ela, é necessário que legislação atual permaneça mais tempo em vigor para que se possa verificar o resultado que a outorga onerosa, tal como está, trará para a cidade.

O representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Silvio Romero Fonseca Motta, também defende que, ao propor a alteração de instrumentos urbanísticos por meio do PL, a Prefeitura acaba por alterar o Plano Diretor, uma vez que as normas em questão são necessárias para a materialização do que diz o plano. Ele argumenta que o atual Plano Diretor não é contra a produção de riqueza; o que a lei em vigor pretende é que a riqueza seja distribuída entre as várias regiões da cidade e, para tanto, trata de incentivar as empresas a construírem moradias populares, as quais terão isenção de outorga nesses casos.

Luta de classes

Para Frei Gilvander, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha a luta pela reforma urbana e pela moradia, o debate em questão tem dois lados: o das grandes empresas, representadas pela Fiemg e pelo Sinduscon, que pretendem reduzir a outorga; e o daqueles que defendem uma cidade sustentável para todos, posição na qual ele se coloca. De acordo com Frei Gilvander, o déficit habitacional em BH é superior a 100 mil moradias, havendo, ainda, cerca de 20 mil pessoas em situação de rua na capital. Diante de tais dados, o representante da CPT defende que os recursos a serem obtidos com a ODC, a partir da legislação em vigor, sejam aplicados para garantir moradia e infraestrutura a essa parcela da população. Ao classificar o projeto da PBH como injusto social e economicamente por atender, segundo ele, apenas aos interesses do grande capital, Frei Gilvander pediu que o projeto não seja aprovado.

O vereador Bruno Pedralva (PT) classificou o debate na audiência como uma disputa por território, a qual diz respeito à luta de classes. O parlamentar argumenta, ainda, que a outorga onerosa, conforme prevê a legislação em vigor, começou a ser praticada muito recentemente, não devendo, portanto, ser modificada. De acordo com ele, não há justificativa técnica para mudar a legislação, uma vez que, tal como está, a legislação permitirá a construção de uma cidade descentralizada, com praças, comércios e infraestrutura adequada não apenas no centro, mas em todas as áreas da cidade.

Wagner Ferreira (PDT) defende que, além de alterar o Plano Diretor, o PL do Executivo prejudica a construção de moradias populares na cidade. Tal fato poderia ser percebido tendo em vista que, na audiência pública, os movimentos sociais em prol da habitação se manifestaram contra a iniciativa do Executivo, conforme salientou o parlamentar. Wagner Ferreira entende que os movimentos sociais não estariam contrários ao que chamou de “tramitação relâmpago” do projeto, caso o PL favorecesse as habitações para baixa renda. Ainda de acordo com o parlamentar, o PL deve ser retirado de tramitação, uma vez que a outorga onerosa começou a vigorar há apenas dois meses, já que até fevereiro a ODC não estava valendo.

Além de se posicionar a favor dos movimentos sociais que defendem moradias populares, Iza Lourença (Psol) criticou o fato de o Plenário Amynthas de Barros, o maior da Câmara, não ter sido disponibilizado para a audiência, tendo em vista o grande público que compareceu à CMBH para acompanhar e participar do debate. Ela explicou que, diante da impossibilidade de uso tanto do Amynthas de Barros, quanto do hall da presidência, vários interessados no tema em discussão, que compareceram à Câmara, tiveram que acompanhar a audiência pelo monitor localizado próximo ao Restaurante Popular.

Correção de rota

Já Marcela Trópia (Novo) explicou que toda a bancada do Novo é favorável ao PL da Prefeitura. Conforme a parlamentar, a norma que estipula que o Plano Diretor só pode ser alterado em conferência, além de limitar a atuação da Câmara Municipal, não foi definida por conferência, mas a posteriori. Por conta disso, em 19 de janeiro de 2023, a Câmara Municipal apresentou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) proposta de ação direta de inconstitucionalidade (Adin), com pedido liminar, para que sejam suspensos, de imediato, os efeitos do artigo do Plano Diretor que determina que tal lei somente possa ser modificada depois de transcorrido o prazo de oito anos da sua entrada em vigor e com vinculação ao projeto de lei resultante da Conferência Municipal de Política Urbana, que é realizada a cada quatro anos.

A vereadora também explica que é contrária à manutenção da legislação urbanística na forma como está, tendo em vista que, no seu entendimento, não é possível que toda a infraestrutura do centro da cidade seja levada para a periferia. Ela defende que já há literatura que aponta a ineficiência de se querer forçar novas e múltiplas centralidades. Além disso, conforme a parlamentar, não há nenhuma cidade do mundo em que novas centralidades tenham sido desenvolvidas. Para Marcela Trópia, regiões como Barreiro e Venda Nova não terão a mesma infraestrutura que há dentro da Avenida Contorno por conta de uma “canetada”. Diante disso, a parlamentar defende que haja um transporte público eficiente e mais rápido para levar os moradores de regiões distantes até o centro da capital.

Braulio Lara (Novo) defendeu a aprovação da mudança proposta pelo Executivo como uma grande oportunidade para que seja dado início a uma correção de rota. De acordo com ele, para que haja recurso para moradia popular, é preciso que as construtoras consigam empreender na Região Centro-sul, o que, na visão do parlamentar, fica prejudicado com a legislação em vigor. O dinheiro arrecadado pela Prefeitura com a ODC reduzida, conforme prevê o projeto, seria usado para a construções de unidades habitacionais populares. Ainda de acordo com Braulio Lara, o Plano Diretor em vigor é bem diferente daquele que saiu da Conferência Municipal. Além de Marcela Trópia e Braulio Lara, também o vereador Fernando Luiz (PSD) se posicionou a favor do projeto da PBH.

O PL 508/2023, apresentado no mês passado, já se encontra concluso para apreciação em Plenário, em 2º turno, quando precisará do voto favorável de 28 parlamentares para ser aprovado. Em 1º turno, no dia 24 de março, o projeto foi aprovado pelos vereadores por 33 votos a 7.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir o Projeto de Lei 508/2023, que altera as Leis nº 9.074, de 18 de janeiro de 2005, e nº 11.216, de 4 de fevereiro de 2020-10ª Reunião Ordinária: Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana