VIOLÊNCIA POLÍTICA

Mulheres encontram barreiras para ocupar espaço majoritariamente masculino

Em todas as Américas, Brasil ocupa o 202º lugar em participação feminina na política, estando à frente apenas de Bahamas, Belize e Haiti

terça-feira, 14 Março, 2023 - 18:30
Mulheres discutem violência política no Plenário Helvécio Arantes

Foto: Barbara Crepaldi/CMBH

De acordo com o IBGE, mais da metade da população brasileira (51,13%) é feminina, e elas representam, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 53% do eleitorado. No entanto, ocupam hoje menos de 15% dos cargos eletivos, tendo em vista, sobretudo, os baixos índices de participação de mulheres na política institucional. Diante dessa realidade, a Comissão de Mulheres realizou, nesta terça-feira (14/3), uma reunião com convidadas para debater a participação das mulheres na política, a pedido de Cida Falabella (Psol) e Iza Lourença (Psol). O encontro focou na questão da violência política de gênero, sofrida pelas mulheres que tentam galgar posições políticas num espaço que é majoritariamente masculino e patriarcal. Dentre as soluções aventadas para mudar esse cenário estão reconhecer a violência de gênero; investir em educação e em mudança de cultura; tornar o sistema político mais paritário; entender a diversidade das mulheres, lembrando que mulheres negras e da periferia são mais suscetíveis à violência e têm menos mecanismos para se defender; a criação de um projeto intersetorial em Minas Gerais para combater a violência política e de políticas intersetoriais em geral. 
 
“O parlamento no Brasil é uma reserva branca masculina”, criticou a professora associada do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem-UFMG), Marlise Matos, para quem esse é um espaço que controla o poder e as agendas, “extremamente avesso e violento para as mulheres”.  “A gente precisa reconhecer que a violência é uma estratégia do patriarcado racista”, atalhou, informando alguns dados que confirmam a falta de participação das mulheres na política. Segundo a professora, em todas as Américas, o Brasil ocupa o 202º lugar em participação feminina na política, estando à frente apenas de Bahamas, Belize e Haiti. Além disso, a média de participação de mulheres em parlamentos nas Américas é de 32%, enquanto no Brasil é de 16%. O percentual de 30% cumpriria o que a “massa crítica” entende como o percentual que permite que o quantitativo vire qualidade, com possibilidade de mudança das agendas pelos atores sociais. Outro dado destacado por Marlise foi o fato de o Brasil ter sido um dos últimos países a tipificar o crime de violência política e a criar uma lei específica que coíbe esse tipo de violência contra mulheres. A pesquisadora também convidou a Comissão de Mulheres a participar de um projeto em rede a ser criado em Minas Gerais para enfrentar a violência política pois, de acordo com ela, a promulgação de uma lei não é suficiente, sendo necessária a criação de políticas intersetoriais e a mudança da cultura que também apaga e silencia mulheres quando ocupam cargos de poder e decisão. 
 
A superintendente de Assuntos Institucionais da PBH, Luzia Ferreira, fez coro com Marlise Matos, indicando que há dificuldade não só de a mulher se eleger, mas também de manter e ocupar uma carreira, pois o sucesso eleitoral da mulher incomoda. “Não seja protagonista”, para ela, parece ser o recado dado pela violência política de gênero. Assim como Marlise e outras convidadas, Luzia explicitou que o ambiente da disputa, da política e dos partidos é hostil à mulher. Um exemplo lembrado pela também ex-presidente da Câmara é a falta de presença feminina na Mesa Diretora das outras esferas (estadual e federal) do Legislativo. Para a convidada, o modelo eleitoral está errado, pois não é paritário, citando autor que cunhou o termo “déficit democrático” para dizer de um modelo político que não representa plenamente a sociedade. Outro exemplo dessa falta de representação é que, apesar da obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas, só recentemente as mulheres tiveram acesso a 30% do Fundo Eleitoral, com “uma canetada do STF” (antes elas tinham acesso a apenas 5% do fundo). 
 
Mulheres negras e periféricas 
 
Assim como outras convidadas, para Arlete Alves de Almeida, representante do Movimento do Graal no Brasil (organização internacional de mulheres comprometidas com a transformação do mundo em uma comunidade de justiça e paz), “a violência política é um projeto de Estado” e é preciso um olhar para as mulheres marginalizadas, especialmente mulheres e meninas negras e pobres, as mais prejudicadas e que muitas vezes não aparecem nas estatísticas porque não têm condições de fazer denúncias e, quando tentam, são desencorajadas. Arlete citou a violência patrimonial e psicológica sofrida por esse grupo. Dentre as saídas possíveis, segundo ela, está a mudança de concepção segundo a qual política pública é direito, e não favor; reeducar a escuta; investir em educação e capacitar professoras, pois “é preciso capacitar quem tem direito a fala” e “a escola ainda é o lugar onde a gente pode falar de igual pra igual”. Para a convidada, o período de pandemia trouxe muitas dores e deu visibilidade à pobreza das pessoas, especialmente mulheres e meninas negras: “Não somos descendentes de escravos, mas de um povo que foi escravizado”, defendeu. 
 
Também recordando a ancestralidade africana, a chefe de gabinete da deputada estadual Bella Gonçalves, Jozeli Rosa de Souza, distribuiu sementes como ato simbólico, pedindo para que cada mulher pensasse sobre sua missão, pois, “nós somos sementes”. Negra, lésbica, de religião de matriz africana e nascida na Pedreira Prado Lopes, Jozeli contou que, a partir da negação de direitos sofrida, viu como a cidade é dividida e precisa de políticas públicas que, ao entender “mulheridade”, também entenda e aprofunde a diversidade de mulheres existentes. A chefe de gabinete citou o conceito de “necropolítica”, cunhado pelo intelectual camaronês Achille Mbembe para definir uma política que, nas palavras de Jozeli, define “quem vive e quem morre”, e mais que isso: “não é só deixar morrer, é deixar morrer aos poucos” - gerando condições de risco para alguns grupos ou setores da sociedade, em contextos de desigualdade, em zonas de exclusão e violência, em condições de vida precárias, por exemplo. 
 
Mulheres na Câmara de BH
 
Uma das requerentes do evento, Cida Falabella informou alguns dados sobre a participação política de mulheres, como a instituição do direito ao voto feminino apenas em 1932, e ainda condicionado à autorização do marido. Ademais, dentre 192 países, o Brasil estaria na 140º posição em ranking que avalia a participação política feminina; na Câmara Municipal de Belo Horizonte, apenas 18% dos parlamentares são mulheres. Apesar de muitas barreiras, sendo, para a vereadora, a violência política e o discurso de ódio as principais, as mulheres vêm ampliando sua participação. Como exemplo, Cida citou a eleição, pela primeira vez, de duas mulheres trans para o parlamento federal, e o crescimento da eleição de mulheres negras no Brasil, de 17% em 2018 para 37% em 2022.
 
Iza Lourença, co-autora do pedido de reunião, lembrou, assim como várias convidadas, do assassinato da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, “um ataque cruel à democracia”. Nesta terça (14/3), o crime completou cinco anos sem solução. “Tentam dar um recado a todas nós que a política não é pra gente”, denunciou. Entretanto, Marielle é “semente” porque foi por ela “que eu e tantas outras jovens negras foram eleitas”. A parlamentar também falou sobre assédio moral e sexual na política como tentativa de silenciamento e acredita que é fundamental a formação de uma rede de combate à violência política. 
 
“Eu quero contradizer um pouco a ideia de que só mulheres incentivam as mulheres”, contrapôs Flávia Borja (PP). Ela lembrou do pai, afirmando que “foram as sementes semeadas por ele que hoje germinaram aqui” e do marido - “eu só estou aqui no parlamento porque outro homem semeou na minha vida”. Elencou, ainda, exemplos de homens que lutaram pela participação política feminina. “Violência política acontece, não é exclusividade de mulheres” e “nós temos sempre que enfrentar qualquer tipo de violência”, completou. 
 
Para a vereadora Loíde Gonçalves (Pode), “nosso papel é incentivar as mulheres a participar mais” pois, “só de sermos mulheres e estarmos aqui, nós já sofremos violência”. Loíde relatou, ainda, um feminicídio ocorrido perto da própria casa: no último sábado um vizinho, que tinha estado preso uma semana antes, matou a facadas uma vizinha. 
 
Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência Pública para discutir sobre a participação das mulheres na política