Moradores exigem participar da definição de projetos para a Lagoinha
Implantação, pela PBH, de abrigo para moradores de rua é questionada pela comunidade, que pede sua suspensão
Foto: Abraão Bruck/CMBH
Entre os diversos problemas enfrentados por moradores e comerciantes da Lagoinha, um dos bairros mais antigos e tradicionais de Belo Horizonte, o grande número de pessoas em situação de rua e usuários de drogas que vivem e transitam na região foi tema de debate promovido pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana nesta terça-feira (13/12), a pedido de Gabriel (sem partido). No encontro, foram relatadas situações vividas e testemunhadas no dia a dia pelos moradores, como ocupação de calçadas, sujeira, brigas, furtos e outras ocorrências que tornam o local inóspito e perigoso e prejudicam atividades econômicas e culturais, afastando clientes e visitantes. A implantação de uma Casa de Passagem para homens adultos em situação de rua no interior do bairro sem consulta prévia à vizinhança foi a principal preocupação abordada. Líderes comunitários pediram que o processo, já em andamento, seja suspenso pela Prefeitura até que seja devidamente esclarecido e discutido. Os gestores presentes lembraram que a questão é complexa e envolve diversos aspectos e setores. Vereadores cobraram a efetivação das diretrizes previstas no Plano Diretor, sancionado em 2020, para a Área de Diretrizes Especiais (ADE) Lagoinha e prometeram realizar uma reunião no próprio local, com a participação de todos os envolvidos.
Gabriel ressaltou a importância vital da Lagoinha para Belo Horizonte, que completou ontem 125 anos. “Lugar queridíssimo”, a região acolheu imigrantes e operários e ficou famosa pela boemia e tradição cultural. A convocação deste novo encontro, segundo ele, teve o objetivo de verificar o que andou e a percepção atual da comunidade local em relação às denúncias e problemas expostos na audiência pública do dia 26 de abril, na qual moradores e comerciantes da área apresentaram um dossiê elaborado por eles, que apontou, entre outros problemas, o acúmulo e manejo irregular de resíduos, insegurança pública, má conservação e subutilização de áreas públicas, degradação do patrimônio e falta de fiscalização das irregularidades pela PBH, concentração de pessoas em situação de rua e usuários de drogas. No encontro desta terça, o foco das discussões foram as políticas de assistência social existentes e previstas para a região, apontadas como questão principal.
Professor Juliano Lopes (Agir), membro titular da Comissão, declarou que passa sempre pela Lagoinha e de fato é possível observar a ausência do poder público no Bairro, que está abandonado e mal cuidado. O vereador reconhece o empenho da Prefeitura, mas defende “um olhar diferenciado e mais carinhoso” sobre uma região tão tradicional e importante para a cidade, que exige a criação de uma força-tarefa com a participação de órgãos públicos, comerciantes e associações. Lideranças do Movimento Lagoinha e da Associação de Moradores expuseram, aos vereadores Gabriel e Juliano Lopes e representantes das pastas de Assistência Social, de Fiscalização e de Política Urbana que acompanharam remotamente a reunião, os problemas vivenciados e testemunhados no cotidiano por quem reside e/ou possui negócios no Bairro .
Sem espaço para cultura e vida social
Tereza Vergueiro, Daniela Mundim, Paulina Ribeiro, Vilmar Souza e Cida Dantas, que residem e possuem negócios na região há décadas, manifestaram indignação com o descaso do poder público em relação a suas queixas, opiniões e sugestões, que muitas vezes não são sequer ouvidas. Assegurando que a comunidade não é contra a população de rua, eles lamentaram a falta de políticas públicas adequadas de moradia, trabalho e renda, privilegiando o atendimento de necessidades básicas e acolhimento temporário. No entanto, os moradores e comerciantes do Bairro é que são obrigados a lidar com as consequências da concentração dessas pessoas, geradas pela compra e venda de materiais recicláveis e as inúmeras ações sociais realizadas por igrejas, ongs e grupos que fornecem alimentos e doações atraindo inclusive moradores de regiões próximas, como o Centro e a Floresta. Cenas frequentes de uso de drogas, brigas, sexo explícito, marmitas e comida jogadas no chão, fezes e urina nas ruas, assaltos e furtos a moradores e comércios são comuns na região há anos, e não são constatadas melhorias.
Com a ocupação das praças locais por essas pessoas e suas atividades, segundo eles, não existem mais áreas para lazer e vida social nem espaços para a cultura, a música e a gastronomia que caracterizam a tradição do Bairro, onde nasceu o samba e diversos talentos foram revelados. Paulina, proprietária de uma casa de cultura e eventos, reclama que a sujeira e os riscos afastam os clientes. “Até mesmo o Mercado da Lagoinha foi tirado da gente para abrigar serviços voltados a esse público”, lamentou Tereza. A moradora acrescentou que a criação do Parque da Lagoinha sob os viadutos do Complexo vai tirar o “teto” das mais de 200 pessoas instaladas ali, que provavelmente vão subir para o interior do Bairro. Ainda segundo a líder comunitária, a maioria dos sem-teto não quer ir para abrigos, onde têm casa, comida e TV mas não podem levar suas namoradas, cachorros, nem usar álcool e drogas.
Ações e serviços paliativos
Os moradores listaram os inúmeros equipamentos e serviços de acolhimento que existem no Bairro para homens, mulheres, ex-detentos e dependentes químicos, e a distribuição de comida e doações nas 24 horas do dia por diferentes entidades da sociedade civil, causando aglomerações e brigas e deixando muito lixo para trás, já que, com tanta oferta, eles acabam por descartar embalagens e “toneladas de comida” nas ruas. Além disso, não existem locais dignos para que se alimentem, lavatórios e banheiros, gerando ainda mais sujeira. Eles defenderam que haja controle e organização dessas ações pela Prefeitura, que “mete o pé na porta, entorna tudo em cima dos moradores, não os respeita nem deixa que colaborem na busca de soluções mais adequadas.”
A situação, que só se agrava, já criou um estigma para o bairro, afastando investidores e prejudicando moradores e visitantes, já que entregadores de delivery e aplicativos de transportes se recusam a atender na área. Vilmar Souza alertou que é preciso reduzir esse estigma e valorizar o que existe de bom no Bairro, como seu patrimônio cultural e histórico. Dos 471 bens indicados para tombamento pela Diretoria de Patrimônio da PBH em 2016, segundo ele, apenas 13 já tiveram o processo concluído até este momento, em grande parte devido à falta de diálogo e de esclarecimento dos moradores e proprietários.
Os moradores defendem que, em lugar de soluções paliativas e provisórias, o poder público invista em políticas de moradia, qualificação profissional, acesso a emprego e renda e outras ações que afastariam as pessoas definitivamente das ruas. Eles criticaram a implantação da nova Casa de Passagem em um imóvel de mais de 4 mil metros quadrados no interior do Bairro, que, no entendimento dos moradores, não soluciona o aumento da população de rua e vai agravar os problemas existentes.
Intersetorialidade
Márcia Alves, da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção, ressaltou que o território inclui outras comunidades, como a da Pedreira Prado Lopes, que também deveriam ser convidados para participar dos debates sobre a região. A gestora citou projetos bem sucedidos na Pedreira, como um jornal e uma TV produzidos por moradores e associações como a Velha Guarda do Samba, e ponderou que, mesmo com todos os problemas e contradições, a coletividade tem muitas potencialidades. Para ela, este é o momento de juntar todos, articular e organizar um debate amplo sobre a região, envolvendo inclusive a nova universidade instalada no local (Univeritas).
José Crus, da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), ressaltou a complexidade da questão da Lagoinha, que envolve mais de uma política pública, ações integradas, articuladas, intersetoriais e interinstitucionais. “A Lagoinha requer essa sinergia para enfrentamento dessas questões”, afirmou. Os gestores anunciaram que, em uma semana, serão apresentados os resultados do censo realizado pela UFMG, coordenado pela Smasac, que produziu dados mais precisos sobre a população em situação de rua, que subsidiarão de forma bem mais efetiva a criação e aperfeiçoamento de políticas sobre o tema.
Suspensão do projeto
A Casa de Passagem, segundo Crus, oferecerá 120 vagas para adultos do sexo masculino que já possuam vínculos com o território. Ele se comprometeu, porém, a apresentar às lideranças o conjunto de projetos, esforços integrados/articulados, metodologia de trabalho. Segundo eles, a estratégia inclui não apenas o abrigamento, mas também a assistência e acompanhamento psicossocial, promoção da cidadania e do acesso a políticas habitacionais, trabalho e emprego, com oferta de qualificação profissional e Educação de Jovens e Adultos (EJA), envolvendo setores da saúde, cultura, política urbana, segurança pública. Embora seja provisória e emergencial, eles defendem que neste momento essa assistência é essencial. Os moradores exigiram participar desta e de todas as discussões relacionadas à Lagoinha antes de sua efetivação, e não só ser esclarecidos depois das decisões já terem sido tomadas e encaminhadas.
Nesse sentido, eles reafirmaram a importância do olhar de quem vive e conhece de perto o dia a dia e as necessidades da região e solicitaram a suspensão do andamento do processo até que a reunião prometida seja realizada e suas considerações sejam levadas em conta. Uma das questões mencionadas por eles, a ser respondida pela Secretaria da Saúde, é a sobrecarga do Centro de Saúde local. O secretário afirmou que a suspensão do projeto não está em cogitação, já que o chamamento público já está concluído e publicado, o contrato já foi assinado e o processo de adaptação do espaço já está em andamento.
Reunião no bairro
Juliano Lopes anunciou que as audiências externas da Câmara, suspensas durante a pandemia, voltarão a ser realizadas em 2023, e propôs uma reunião no próprio Bairro, fora do horário comercial, com a participação de todos os órgãos municipais e estaduais envolvidos, para que poder público e comunidade discutam alternativas. Juliano insistiu que seja considerada a possibilidade de interromper o contrato até que a população tenha conhecimento de tudo e dê o seu parecer, e que seja considerada a possibilidade de alteração do local do equipamento. Gabriel reafirmou que conhece bem a região e sua população e sabe que ela não tem uma visão higienista, e alertou que a democracia não se faz “para”, e sim “com” as pessoas. O vereador também defendeu que a BH não olhe para a Lagoinha apenas no que concerne a esse tema, priorizando o potencial cultural da região, e que as diretrizes estabelecidas para a ADE saiam finalmente do papel.
Superintendência de Comunicação Institucional