Destino do Aeroporto Carlos Prates segue incerto
População da região pede que seja construído um parque, mas prorrogação das atividades do aeroporto pode ser publicada em alguns dias
Foto: Abraão Bruck/CMBH
A polêmica em torno do Aeroporto Carlos Prates tem um novo capítulo a cada dia. O iminente encerramento das atividades, marcado para o próximo dia 1º de maio, e a completa ausência de consenso entre moradores e a associação que atua no espaço mostram que esta história ainda terá novas páginas. Para tentar dar voz a todos os envolvidos, uma audiência pública foi realizada na tarde desta quinta-feira (24/3), pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário. Durante o encontro, do qual participaram representantes da comunidade e de diversos órgãos, empresas e entidades que atuam no aeroporto, moradores alertaram que não vão deixar de lutar para que a área seja destinada a um parque público. Já a associação continuará sua batalha para provar que pode, sim, garantir uma gestão viável do aeroporto, a partir da saída da Infraero do local. Também foi apresentada informação de que as atividades do aeroporto não serão finalizadas em maio e continuarão, pelo menos, até o final de 2022.
Atividades suspensas e aumento de custos
Solicitada pelo vereador Rubão (PP), a audiência foi realizada após uma visita técnica ao local, ainda no início de fevereiro. Na ocasião, o superintendente do Aeroporto Carlos Prates, Mauro Lúcio Diniz, confirmou que a determinação vigente é de que todas as atividades de pousos e decolagens sejam interrompidas a partir do próximo dia 1º de maio e que as operações de manutenção e treinamento, hoje realizadas pelas aeronaves do governo do Estado, Polícias Militar e Civil e Bombeiros, estariam igualmente suspensas.
A notícia deixou apreensivos dirigentes da Associação Voa Prates, que reúne as cinco escolas de aviação que utilizam o local, donos das empresas de manutenção (Claro e Starflight) e ainda dirigentes das entidades de segurança pública. Durante o encontro, o Capitão PM Robson afirmou que o órgão ainda não dispõe de planejamento para onde levar as suas aeronaves no caso de fechamento do Carlos Prates. Questionado por Rubão se existiria a possibilidade de um outro local que recebesse as atividades, o capitão lembrou que isso pode incidir em novos custos ao erário público. "É possível fazer na Pampulha, mas é um aeroporto mais complicado, porque é bem mais movimentado. Se for para Pará de Minas teria impacto financeiro e acredito que seja assim também para os demais órgãos públicos", afirmou.
Pedido do prefeito adiou fechamento e definiu novo prazo
Esta não é a primeira vez que o campo de pouso, criado há quase 80 anos, sofre com a possibilidade de fechamento das portas. O prazo, que inicialmente estava marcado para o dia 31 de dezembro de 2021, foi prorrogado a pedido da Prefeitura de BH que defendeu a gestão local do espaço e com ofício enviado ao governo federal conseguiu a prorrogação até maio. O posicionamento do Município, segundo o presidente da Voa Prates, Estevan Lopes, veio após o prefeito Alexandre Kalil (PSD) tomar ciência da importância das atividades que ali são desenvolvidas e que têm caráter social; dentre elas o atendimento de 500 alunos nas escolas de pilotagem, sendo cerca de 65% estudantes assistidos pelo Fundo de Financiamento Estudante do Ensino Superior (Fies), o que torna Minas Gerais o segundo pólo formador de pilotos no Brasil.
Ainda segundo Estevan, o chefe do Executivo e também o governado Romeu Zema teriam ficado encantados com o trabalho desenvolvido pelas escolas de aviação. Ele lembrou que outro ponto relevante do Carlos Prates é a agilidade que o campo proporciona às aeronaves das forças de segurança que chegam a ter exclusividade de uso em ocasiões de emergência, como nos casos de incêndio, onde são utilizados modelos Air Tractor, que otimizam o combate a focos de incêndio dispersos e em áreas de difícil acesso. "O governo contratava isso e hoje os Bombeiros ganharam duas destas aeronaves. Quando elas estão operando ninguém usa a pista; é prioridade, elas nem desligam o motor; então é uma operação importantíssima", afirmou.
De acordo com o presidente da associação, a situação do aeroporto tem sido levada ao conhecimento de outras autoridades e que tornar tudo isso conhecido pode contribuir para impedir os planos da Secretaria de Desestatização, que é de vender a área e permitir a construção de moradias. "Se não nos juntarmos para fazermos algo bom para todo mundo, é isso que será feito. Eles vão vender a área e deixar a gente com o problema. O senador Alexandre Silveira (PSD) disse que as atividades serão prorrogados até 31 de dezembro deste ano e a publicação deve sair nos próximos dias", esclareceu.
Comunidade sofre com o impacto das atividades
Questionado por Rubão sobre como a população do entorno vê as atividades do aeroporto, Munish Prem, que é dirigente do Coletivo Cultural Noroeste e morador que nasceu e cresceu na região, contou que a luta para que as atividades de pouso e decolagens sejam suspensas já dura anos e que a poluição sonora, o medo de acidentes e a desvalorização dos imóveis na região tem adoecido a população que vive no entorno. Munish disse ainda que ficar encantado sem sofrer os impactos da atividade é bem mais fácil.
De acordo com o diretor do Coletivo, durante reunião com o prefeito e com a vereadora Duda Salabert (PDT), em agosto do ano passado, a comunidade deixou bem claro que deseja que a desativação do aeroporto seja uma oportunidade para a região receber uma nova área verde. "Marcamos uma reunião com Kalil em agosto e, em conversa com a Duda e em pesquisa com os moradores, vimos que a população quer um parque. Não temos nada aqui, não temos praças, não temos áreas verdes. Queremos ter um lugar para as famílias fazerem um piquenique, queremos reflorestar a área, respeitando o traçado do aeroporto, e usar os hangares para um museu da aviação", ressaltou lembrando que Minas Gerais é o berço da aviação, com Santos Dumont.
Ainda segundo Munish, as escolas de aviação poderiam, por exemplo, migrar para o aeroporto de Betim, que está em fase de projeto, sendo construído para atender principalmente demanda da Fiat e de Inhotim, e que já se dispuseram a receber a atividade de formação. "Os alunos podem sim pegar um ônibus e irem para lá. Também fico encantado com o trabalho que eles fazem (associação), mas eles não moram aqui, não sofrem os impactos da atividade. Não somos contra a escola, não somos contra a aviação, mas não é possível que um paciente de hospital esteja fazendo quimioterapia com aquele zunido de aeronave na cabeça", declarou.
Oportunidades, déficit e invasão
O hospital a que Munish se refere é o Alberto Cavalcanti, referência no tratamento do câncer e que divide muro com o Carlos Prates. Entretanto, para Cláudio Gomes da Silva, dono da Claro Aviação, o que parece ser um problema pode ser na realidade, uma oportunidade. Segundo o empresário, o hospital é estratégico e pode se tornar uma referência na realização de transplantes, tendo como apoio o aeroporto que pode receber de forma ágil os órgãos vindos de outras partes do Estado. "É um contra-senso fechar um aeroporto e criar um museu. Nos EUA todos os museus estão dentro de aeroportos em funcionamento. Além disso, sobre a área verde, tem a mata da PUC, tem a mata da Universidade Federal, tudo cercado e ninguém fala nada. Não precisa nem criar a mata ela já está lá", afirmou.
Gerido pela Infraero, e há cerca de cinco anos acumulando déficits contínuos de R$1,5 milhão a R$ 2 milhões, a solução para o Carlos Prates, de acordo com Claudio, precisar ser pensada agora, por meio de um projeto que atenda à comunidade, empresários, entidades e alunos, implementando uma gestão viável e que garanta o caráter social da atividade. Segundo o empresário, foi feita uma busca nos cartórios da cidade afim de conhecer os donos originais da área de cerca de 500 mil m2 e foi descoberto um documento que atesta que em 1971 houve uma desapropriação por parte do governo federal adquirindo toda a extensão e garantindo seu fim social. "Ele (o terreno) não pode ser vendido. Caso acabe, o aeroporto só pode ser utilizado para fins sociais. Não pode ser comercializado e não pode ter sua atividade desvirtuada. Então se não houver um projeto viável, a área pode ser tornar uma invasão, já que não há segurança jurídica", afirmou.
Insegurança jurídica e escritura
A insegurança jurídica mencionada também foi apontada pelo assessor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Eduardo Tavares. Segundo o técnico, que teve acesso à documentação enviada por Cláudio ainda durante a audiência, o documento do cartório trata-se de uma Carta de Sentença, que é feita por meio de um processo judicial, quando não existem muitos elementos sobre a propriedade do imóvel. Inclusive ressaltou Eduardo, "destaco o último parágrafo que diz que o imóvel já pode ter sido total ou parcialmente alienado, então esse documento não é prova da posse".
Segundo o assessor da secretaria, ele já tinha conhecimento de parte dessa situação porque teve em suas mãos o termo de doação, que o então proprietário da área, Coronel Abílio Machado, fez ao Aeroclube de Minas Gerais no ano de 1940. Segundo Eduardo, ele não tem informação sobre quando foi que o aeroclube passou a gestão à Infraero, mas a União não poderia dispor da área, caso ela não tenha uma escritura com registro e matrícula. "É isso que tem que ser pedido na Infraero, ou na Secretaria Geral de Patrimônio da União. Se eles não tem esse documento, eles não podem dispor dela (área), porque trata-se de uma doação de um particular ao Aeroclube", afirmou o assessor, dizendo ainda que o termo de doação deixa explicito que se o terreno não for utilizado para atividades do Aeroclube, deve ser devolvido à família.
Sobre a possibilidade da área abrigar um parque verde, o assessor reconheceu a carência deste tipo de espaço na região, porém lembrou que o terreno e a topografia não ajudam e defendeu que o mais importante seria encontrar a documentação com o termo de doação.
Antes de encerrar o debate, Rubão questionou Munish se haveria algo que o aeroporto poderia fazer para não trazer transtorno para a comunidade ao que o dirigente do Coletivo afirmou que uma pesquisa realizada por eles não região confirma que 90% dos moradores são contra o Aeroporto estar ali. "O que a comunidade quer é a transferência dessa atividade aqui e a população vai lutar para isso, para que as atividades possam ser levadas para um outro lugar que dê segurança ao aeroporto e à comunidade", concluiu.
O vereador finalizou os trabalhos comprometendo-se a realizar novos debates com o objetivo de ouvir a todos e levar o tema para a cidade, buscando assim, a construção de uma solução conjunta.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional