DESIGUALDADE RACIAL

Desemprego e precarização do trabalho são maiores entre jovens negros

Segundo dados apresentados em audiência, 6,3 milhões de negros perderam o emprego em 2020 e somente 47% voltaram para o mercado de trabalho este ano

segunda-feira, 22 Novembro, 2021 - 14:00

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

O desemprego, que tira o sono de vários pais de família e destrói o sonho de muitos jovens, carrega consigo um dos elementos fundadores da história do nosso país: a desigualdade racial. Essa relação foi discutida na manhã desta segunda-feira (22/11) pela Comissão Especial de Estudo – Empregabilidade, Violência e Homicídio de Jovens Negros, em audiência pública que contou com a presença de especialistas e representantes do poder público e da sociedade civil organizada. Dados apresentados durante o debate comprovam a tese de discriminação racial no mercado de trabalho e nos direcionamentos de políticas de educação voltadas para a empregabilidade. Dados do IBGE dão conta de que, além de representarem maior parte dos desempregados e desocupados, os negros são maioria daqueles que ocupam as vagas em atividades precarizadas como o transporte por aplicativos. Com o tema “Racismo e Trabalho: a juventude quer direitos!", o debate é o segundo promovido pela comissão com o objetivo de subsidiar o trabalho dos parlamentares na construção de políticas públicas voltadas para este setor da sociedade.

“Temos a preocupação de estudar o tema do emprego, pois sabemos que o racismo opera na falta de emprego. Faltam mais oportunidades para a população negra e periférica por causa da história de racismo no país”, afirmou Iza Lourença (Psol) na abertura dos trabalhos. “Somos maioria na periferia e precisamos apontar saídas e soluções para inserir estes jovens negros. Precisamos dar a estes jovens, que estão em busca de emprego, uma alternativa melhor”, disse o vereador Marcos Crispim (PSC), que também integra a comissão. Para Macaé Evaristo (PT), relatora dos trabalhos, a “temática é fundamental para a comissão, que quer propor alternativas para a área”.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE) mostram que o percentual de pretos e pardos desempregados ou desocupados há mais de dois anos é superior à média total nacional e muito acima da média da população branca. No segundo trimestre de 2021, segundo a PNAD, a taxa de desemprego entre trabalhadores identificados como pretos e pardos era de 16,2%, enquanto a dos brancos estava em 11,7%. Se for levado em conta o desemprego acima de dois anos, os trabalhadores negros também acabam figurando entre os mais atingidos. São 2,5 milhões contra 1,4 milhão de brancos.

Outros dados do IBGE afirmam que 29,4% da juventude no Brasil está desempregada, o que representa o maior índice desde que o Instituto passou a fazer a pesquisa. Representando 55,8% do total da população brasileira, os negros também formam a maior parte da força de trabalho do país, com 54,9%. Em contraponto a estes números, os negros somam (em dados do IBGE de 2018), 64,2% dos desocupados e 66,1% dos subutilizados no mercado de trabalho. Pesquisa referente ao 2º trimestre de 2021 mostra que o rendimento médio de pessoas ocupadas brancas é de R$ 3.471,00, enquanto as pretas e pardas chegavam a R$ 1.968,00, demonstrando claro desequilíbrio e desigualdade. Esse valor é ainda menor quando levada em conta a questão de gênero: mulheres pretas recebem apenas R$ 1617,00, ou seja, 46,6% dos vencimentos de homens brancos.

Primeiro emprego e “uberização” do trabalho

Izabela Mendes é economista e trabalha no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). De acordo com ela, vários estudos mostram que a forma como a pessoa vive a fase da juventude e da procura do primeiro emprego afeta diretamente o restante de sua história. “Como a pessoa vive esta fase vai ter impacto pelo resto da vida”, afirmou a economista, frisando que restrições profundas na educação e no campo de trabalho para a juventude negra foram agravadas durante a crise econômica que o país está enfrentando. Segundo ela, 46,6% dos jovens que estão ocupados estão em empregos desprotegidos. Entre os jovens negros esse índice salta para 52,1%. Empregos desprotegidos são aqueles que não possibilitam aos trabalhadores contar com as assistências próprias de quem tem carteira assinada e contam com a proteção das leis trabalhistas.

Um dos fatores que influenciam na prática essa desigualdade é a trajetória que se submetem os jovens negros até o primeiro emprego. “A gente quer emprego digno e vimos uberização”, afirmou Mariana Cordeiro, jornalista do Projeto Pretanças, formado para ampliar espaços de discussão de questões étnico-raciais. Segundo ela, há um processo de exclusão dos negros de espaços da cidade capazes de desenvolver profissionalmente os jovens negros e periféricos. “É preciso fomentar a autonomia de espaços que recebem negros. O que há são portas fechadas, insegurança e o apartheid que isola os jovens na periferia. É importante ter essa dimensão de que os ambientes precisam ser acolhedores”, explicou Mariana. O termo uberização tem sido usado para fazer referência aos trabalhos prestados às plataformas digitais para viagens e entregas, além dos serviços sem nenhum tipo de segurança legal.

Felipe Zuppo é motoboy. Segundo ele, cada dia mais negros estão entrando para o mercado de entrega de produtos. “As empresas de aplicativo acolhem muito mais negros que outras empresas, pois pra eles somos somente números. Mas tem a precarização. Quando os jovens têm oportunidade de entrar com uma moto, não tem segurança e acabamos tendo muitos jovens mutilados”, disse Zuppo, fazendo referência a um processo que vem se intensificando rapidamente. “Ao mesmo tempo em que o aplicativo abre espaço não há segurança. Pelo aplicativo em si é uma oportunidade aberta mas que pode te trazer prejuízo”, finalizou o motoboy.  Acesso inadequado à educação formal e à escola, além de uma alimentação muitas vezes inadequada também foram colocados como fatores definidores desse cenário.

Para a desembargadora da 3ª Região do Tribunal Regional do Trabalho, Adriana Goulart de Sena, este cenário de “uberização” é perceptível também no Judiciário. “É um fenômeno que a universidade tem estudado e as pesquisas nos apresentam uma perspectiva sombria”, disse Adriana, contando que tramitou no TRT processo que pedia a abertura do chamado código fonte da plataforma para melhor entendimento do funcionamento da empresa. Segundo ela, foi uma batalha pela transparência feita “para colocar os olhos e tentar entender”. A abertura não foi permitida e a desembargadora foi voto vencido no julgamento. Adriana Sena é ainda professora na UFMG e uma das integrantes do Recaj UFMG, programa de ensino, pesquisa e extensão em acesso à justiça e solução de conflitos da Faculdade de Direito. “O espaço da universidade está aberto para qualquer iniciativa que a gente tenha aqui”, disse a desembargadora.

Políticas públicas e investimento em educação

“Nossos espaços públicos expulsam os nossos jovens negros. Isso é muito cruel e algo para se pensar no que queremos para nosso futuro. Se não conseguirmos oferecer condições mínimas de emprego seguro com salário digno não vamos sair do lugar onde estamos”, disse Márcio Rogério, promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça das Crianças e dos Adolescentes de Minas Gerais. Márcio alertou a todos para o que ele chama da lógica dos 2/3 (dois terços). Segundo ele, a população negra forma a maioria da população, mas ocupa 2/3 das prisões, 2/3 da juventude morta, 2/3 dos desempregados. “Ficamos lidando com as consequências e não combatendo as causas, os fatores desse desemprego”, disse o promotor, enumerando a educação de qualidade e as políticas de profissionalização dos jovens feitas de forma consciente como fatores fundamentais para a mudança do cenário. “Existe um momento de retrocesso promovido por este governo federal que está aí. Além de lutar pelo avanço temos que lutar contra o retrocesso”, finalizou Márcio, chamando a juventude para o debate político. O promotor é um dos coordenadores do Descubra, projeto de incentivo à aprendizagem em Minas Gerais que congrega instituições de níveis municipal, estadual e federal.

Para Otaviano Balbino, do projeto Afronte, é preciso perguntar que país está sendo oferecido para esses jovens. “Existe uma insegurança para esta juventude que terá consequências enormes. Nós jovens negros somos afetados em relação á juventude branca. É uma estrutura que se organiza a partir dessa desigualdade racial”, disse Otaviano, salientando que há um avanço contra os direitos trabalhistas. “Hoje a gente vê como é necessário que o negro mostre o seu empoderamento. Seria bom que isso não ficasse só na audiência. É importante buscar esse envolvimento do negro”, disse o vereador Gilson Guimarães (Rede).

Situação de emprego no Brasil é uma das piores do mundo

Dados recentes da agência classificadora de crédito Austin Rating mostram que o Brasil é um dos piores países, entre os pesquisados, quando o assunto é desemprego. Segundo a agência, o país tem a quarta maior taxa de desemprego do mundo em ranking com 44 países, sendo o dobro da média mundial e o pior entre as nações que formam o G20. Os números são do terceiro trimestre deste ano. Atualmente o Brasil tem 13,7 milhões de desempregados. De acordo com o ranking, somente Costa Rica, Espanha e Grécia apresentaram números piores que o Brasil em agosto deste ano. Um cenário que afeta ainda mais a população negra brasileira.

Ao final da audiência, foram encaminhadas a possibilidade de parceria com o Programa Recaj UFMG e a realização de um “rolezinho na Câmara” com a juventude periférica. Também participaram dos trabalhos representantes do canal Na Raíz, do Projeto Motriz da UFMG, do Levante Popular da Juventude e do Movimento dos Trabalhadores Sem-teto de BH.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir como a juventude negra está inserida no mundo do trabalho, bem como quais as possibilidades de construção de vida e futuro - 6ª Reunião - Comissão Especial de Estudo - Empregabilidade, violência e homicídio de jovens negros