DIREITOS HUMANOS

Comunidades quilombolas reivindicam diálogo com Prefeitura e acesso a direitos

Lideranças reclamaram da falta de reconhecimento de especificidades e demandaram execução de planos de regularização de seus territórios 

segunda-feira, 18 Outubro, 2021 - 20:15

Foto Karoline Barreto/CMBH

Quilombos urbanos, tanto os reconhecidos como os não reconhecidos pela Prefeitura, lutam para sobreviver, preservar sua cultura e garantir seus direitos. Essas foram considerações apresentadas pelos quilombolas na audiência pública em que se discutiu a necessidade de elaboração e execução dos Planos de Regularização Urbanística (PRU) dos quilombos urbanos da capital. A esse respeito, a Urbel afirmou que a criação dos PRUs para os três quilombos reconhecidos no Plano Diretor será feita a partir do segundo semestre de 2022 com a escuta das comunidades e terá a duração de até um ano e meio cada. Na ocasião, também foi proposta a criação de um comitê intersetorial para formular políticas voltadas a essas comunidades. Solicitada por Bella Gonçalves (Psol) e realizada pela Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (18/10), a audiência reuniu autoridades federais, estaduais e municipais, e priorizou a fala das lideranças das comunidades quilombolas. Representantes da Prefeitura nas áreas de assistência social, cultura e urbanização se prontificaram a intensificar o diálogo com os quilombolas e apontaram a possibilidade de realização de um seminário envolvendo diversos setores do Executivo para que o atendimento de demandas possa se concretizar de forma intersetorial. 

Bella Gonçalves espera que o evento contribua na construção de uma história de reconhecimento das comunidades quilombolas da capital mineira, que é marcada por lutas centenárias. “Estou muito honrada em poder contribuir com a luta quilombola e tenho cada dia mais aprendido com essas comunidade”, afirmou a parlamentar ao salientar que está comprometida com a construção de políticas públicas que atendam a este segmento da população e sejam capazes de enfrentar o racismo. A parlamentar defende, ainda, que as matriarcas das comunidades sejam ouvidas pelos poderes Legislativo e Executivo no momento de construção de políticas públicas.

Reivindicações

Belo Horizonte possui quatro quilombos urbanos registrados como patrimônio cultural imaterial pela Prefeitura, estando, ainda, certificados pela Fundação Cultural Palmares como territórios quilombolas e aguardando processo de titulação de propriedade pelo Incra. São eles: o Quilombo de Mangueiras, na região Nordeste da capital; o Quilombo dos Luízes, na Vila Maria Luiza, Bairro Grajaú, região Oeste; o Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, no Bairro Santa Efigênia, região Leste; e o Quilombo Souza, no Bairro Santa Tereza. O Plano Diretor de Belo Horizonte (Lei 11.181/2019) define os quilombos de Luízes, Mangueiras e Manzo Ngunzo Kaiango como Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs), ou seja, porções do território com especificidades urbanísticas, culturais ou ambientais que demandam políticas específicas de parcelamento, ocupação ou uso do solo (art. 111). 

Pressões do setor imobiliário e do poder público nos terrenos em debate, depredações, falta de emprego e dificuldade de acesso à educação foram alguns dos problemas apontados pelas lideranças quilombolas. Elas apresentaram a necessidade de serem ouvidas antes que qualquer decisão a respeito de seus territórios seja tomada e reafirmaram a importância de se avançar na consolidação dos direitos e no respeito à cultura de descendência africana. Ione Maria de Oliveira, representante do Quilombo das Mangueiras, situado na Região Norte da capital, é técnica em radioterapia, mãe, avó, mulher preta e integrante de um quilombo matriarcal. Ela reivindicou medidas como a limpeza do córrego Lajinha, que têm recebido esgoto desde 2015 e a retirada do entulho presente em parte do terreno do quilombo. Ione disse não aceitar que o Plano de Regularização Urbanística do Bairro Novo Lajedo avance sem que o do Quilombo Mangueira também seja efetivado. Ela também reivindica o cercamento da comunidade, prometido há quatro anos, mas até hoje não realizado. 

A representante do Quilombo dos Luízes, Miriam Aprígio Pereira, solicitou a conscientização dos gestores acerca das especificidades da comunidade negra através de documentos como o Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Resolução 001/2019 do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial/Compir). Míriam solicitou à Secretaria Municipal de Política Urbana a revisão das multas recebidas pela quilombola Luzia Sidônio, que foi desterritorializada da casa herdada pelos pais. Ela tembám defendeu a importância do diálogo e da escuta por parte do poder público, pois os territórios correm o risco de não existir mais por omissão das autoridades. 

Makota Cássia Kidoiale, representante do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, explicou que a comunidade da qual faz parte é composta majoritariamente por mulheres. Além disso, els explica que os poucos integrantes que conseguiram ter acesso ao ensino superior não conseguem colocação condizente com sua formação no mercado de trabalho e passam a atuar em troca do salário mínimo. Makota Cássia também reivindicou a atuação do serviço de limpeza no território que representa. Já a liderança do Quilombo Souza, Glaucia Cristine Martins de Araujo Vieira, pontuou que seu território não conta com garantias legais, pois não é regularizado. Nessa perspectiva, ela solicitou a discussão de questões relativas ao pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), contas de água e de energia elétrica.

A especialista em patrimônio, Patrícia Brito, explicou que os quilombos ocupam áreas de Belo Horizonte antes mesmo da fundação da cidade, ocorrida em 1897. Duas assessoras da ex-vereadora e atualmente deputada federal Áurea Carolina (Psol) também contribuíram com o debate. Luana Chantal denunciou o impacto do racismo estrutural institucionalizado nas comunidades quilombolas, cujas violações de direitos se agravaram com a pandemia do novo coronavírus; já Veronica Vianna salientou a importância de se realizar encaminhamentos com ações integradas para que as políticas públicas sejam efetivadas. 

Participação e políticas públicas

Gabriel Portela, representante da Secretaria Municipal de Cultura, que atua no registro imaterial dos quilombos, afirmou que as políticas públicas de sua pasta são elaboradas com a participação de representantes das comunidades quilombolas e explicou que o diálogo com as comunidades está trazendo questões importantes como a sobrevivência dos quilombos e de suas práticas culturais. Portela disse que estão sendo criados comitês gestores específicos para cada quilombo, o que pode ser o caminho para agilizar o fluxo das demandas das comunidades. 

A Diretora de Patrimônio Cultural e Arquivo Público de Belo Horizonte, Françoise Jean de Oliveira, salientou que o Município vem tentando dar visibilidade à presença da cultura negra na cidade, ao reconhecer eventos tradicionais como os festejos. Ela contou que, em 2017, houve o reconhecimento de três quilombos seguido da divulgação desses territórios através de projetos de educação. Em 2020, foram formados 1.500 professores sobre o tema. O técnico em patrimônio cultural, Álan Pires, assinalou o avanço heterogêneo da participação dos quilombos na formação dos comitês, que devem estar formatados até o final deste ano, e ressaltou que os quilombos necessitam de ações emergenciais relativas a violações de direitos que vêm sofrendo.

Regularização Urbanística

Vera Lima, supervisora de planos urbanísticos da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), disse que a criação dos Planos de Regularização Urbanística (PRUs) para os três quilombos reconhecidos no Plano Diretor será feita a partir do segundo semestre de 2022 por uma equipe interna da Urbel, com a escuta das comunidades, com duração de até um ano e meio. Lima esclareceu que o PRU do Bairro Tupi Lajedo, próximo ao Quilombo Mangueiras, faz parte do Orçamento Participativo (OP) 2015/2016, e é independente do PRU do quilombo. Ela explicou que um vôo de drone de reconhecimento da região registrou imagens das duas localidades vizinhas, mapeando também o esgoto lançado no córrego Lajinha, o que pode ter causado um entendimento equivocado de que os projetos estão sendo feitos conjuntamente. Vera Lima assegurou que a Urbel está conversando com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) e com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) para a que seja executada a canalização do esgoto, ação considerada emergencial. Ela acrescenta que não há, no momento, recursos para a implementação do PRU do Bairro Tupi Lajedo. Também representante da Urbel, Lisandra Mara, disse que o início da canalização do esgoto próximo ao córrego Lajinha está previsto para março de 2022. 

Laura Rennó Tenenwurcel, representante da Secretaria Municipal de Política Urbana, disse ser favorável à realização de um seminário de sensibilização sobre o tema num intervalo mais curto de tempo, para estimular o debate intersetorial na Prefeitura. Ela explicou que os quilombos que ficaram fora do Plano Diretor, como o Souza, só poderão ser integrados como ADE na Conferência Municipal de Política Urbana, realizada num prazo de oito anos. Laura Rennó também se colocou à disposição para discutir a demanda de Miriam Aprígio Pereira acerca das multas imputadas a uma residência do quilombo. 

Thiago Alves, representante da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), reafirmou o compromisso da Secretaria na gestão de políticas de promoção da igualdade racial, reforçando a importância do Compir, conselho que trata do tema. Alves argumentou que, juntamente com as comunidades quilombolas, há outras demandas de povos e comunidades tradicionais, como indígenas e ciganos que também são tratadas.  

O representante da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania disse que os quilombolas receberam benefícios como o Auxílio BH, por meio da secretaria onde atua, e explicou que o cercamento do Quilombo das Mangueiras não ocorreu porque ele não é reconhecido pelo governo federal. Em relação à distribuição de verduras no Quilombo dos Luízes, Thiago Alves afirmou que, sanadas as dificuldades de cadastro, a oferta de hortaliças foi retomada .

Macaé Evaristo (PT) reforçou que nada deve ser feito sem a escuta das comunidades, uma vez que muitas medidas podem ser tomadas de maneira inadequada na ausência de uma consulta prévia. Bella Gonçalves parabenizou o compromisso dos diversos setores da Prefeitura com a construção de uma cidade antirracista e reforçou quanto à necessidade de realização de um fórum relativo às Áreas de Diretrizes Especiais, previsto para o ano que vem. Ela também reiterou considerar fundamental a construção de uma cidade que abarque a diversidade e efetive direitos. 

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

 

Audiência pública para discutir sobre a necessidade de elaboração e execução dos Planos de Regularização Urbanística dos Quilombos - 34ª Reunião Ordinária: Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor