Professores denunciam exoneração sumária de cargos de direção nas escolas
Estado não estaria respeitando escolha dos dirigentes pelo voto. Assunto foi tratado em audiência pública
Foto: Abraão Bruck/CMBH
A gestão democrática nas escolas públicas e sua repercussão na qualidade da educação foi discutida em audiência pública, nesta quinta-feira (23/9), pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo. As proponentes do evento, Bella Gonçalves (Psol) e Iza Lourença (Psol), buscaram contribuir para o avanço da democracia no interior das escolas públicas e debater a importância da gestão democrática na escolha de diretores e vice-diretores dessas unidades, assim como a necessidade de o Poder Executivo acatar o resultado das eleições, respeitando os anseios e as necessidades dos envolvidos no cotidiano escolar. Representantes de escolas denunciaram exonerações consideradas questionáveis, enquanto outros presentes sugeriram a criação de novos modelos de gestão baseados em democracia e desempenho e no fortalecimento da participação de alunos. A ausência da Secretaria Estadual de Educação foi lamentada.
Em Belo Horizonte, a escolha dos diretores e vice-diretores das escolas municipais de ensino fundamental e de educação infantil da rede municipal de educação é realizada por meio de eleição direta e secreta, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, conforme determina a Lei 5796/1990. O mandato da direção eleita é de três anos, permitida uma única recondução consecutiva.
Iza Lourença iniciou a reunião fazendo um pequeno histórico sobre a gestão democrática nas escolas. A “pauta antiga” teria ganhado força nos anos 1980 e se tornou uma conquista com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996. No processo de redemocratização do Brasil, setores da Educação pleiteavam eleições para direção nas escolas juntamente com o Movimento Diretas Já, pois as unidades de ensino eram dirigidas por indicados políticos. A partir da Carta de 1988, a “gestão democrática não é mais escolha”, mas um direito social e dever do Estado. Para a vereadora, o princípio da gestão democrática fundamenta não apenas as eleições da diretoria, influindo, inclusive, nos processos pedagógicos.
Democracia e mérito
Segundo Marcela Trópia (Novo), tanto a capacitação do diretor quanto sua formação pregressa e outras experiências de vida fazem total diferença na gestão da escola. E a escolha desse gestor, para ela, deve ser feita buscando-se unir capacidade técnica e gerencial. A escolha somente por indicação corre o risco de desconsiderar a capacidade de gestão, com reflexos negativos inclusive na aprendizagem, além de trazer “interferências negativas da política partidária”. Por outro lado, a nomeação de diretores apenas por processos seletivos, “vistos pelos que os defendem como algo mais democrático”, pode carregar o perigo de aproximar do cotidiano da escola alguém desconhecido e sem afinidade com ela e/ou com a comunidade escolar. Marcela defende uma “gestão democrática associada a mérito e desempenho”, baseando-se numa combinação entre o perfil do professor e as necessidades da escola, já que as realidades das unidades são muito diferentes entre si.
Professora da rede municipal desde os 19 anos, a vereadora Macaé Evaristo (PT) afirmou que o tema do gestor escolar sempre esteve em debate, mesmo antes da redemocratização. Fazendo coro com Iza, ela afirmou que a autonomia escolar só foi consagrada com a LDB. Macaé também lembrou o aspecto de gestão política do cargo, “no sentido de pensar os processos educativos”, pontuando que “engana-se quem pensa que não se faz democracia nos pequenos processos”.
Exonerações questionadas
“Não tenho a menor dúvida da necessidade de formação técnica, nem da consulta democrática”, iniciou o professor de Filosofia da Escola Estadual Maestro Villa Lobos, Thiago Luiz Miranda, citando a fala de Marcela Trópia. Ele explicou que, como o cargo de diretor é comissionado (de livre nomeação e exoneração), “existe uma discricionariedade tanto na posse quanto na exoneração do funcionário público”, desde que seja “a bem do serviço público”. Entretanto,Thiago contou que não parece ter sido o que aconteceu com ele e outros colegas, pois, no dia 26 de agosto último, todos foram convocados e informados “via reunião on-line” que seriam exonerados, com a alegação de “ato administrativo”. A equipe demonstrou não compreender o real motivo da exoneração, pois, segundo ele, foram feitas várias melhorias importantes durante a gestão, indicadas por 80% da comunidade em consulta popular. “A gente só está aqui hoje porque houve uma requisição da comunidade para que as coisas fossem mais transparentes”, concluiu, esclarecendo ser a favor da existência de canais de denúncia.
A história do professor parece se repetir na vizinha Betim. Membro interino do Conselho Escolar da Escola Municipal Aristides José da Silva, Deliane Rodrigues Pereira contou que cinco escolas “tiveram diretores exonerados de uma forma totalmente arbitrária”, apesar de terem sido indicados pela comunidade. Eles foram substituídos por indicados da Prefeitura, sem qualquer ligação com a cidade, segundo Deliane. Diante da falta de diálogo por parte do Poder Executivo, os exonerados protocolaram denúncia no Ministério Público e amanhã (24/9) vão procurar a Ouvidoria de Betim. “Nós estamos sendo silenciados”, sentenciou.
Fortalecimento da participação estudantil
Ex-aluno da Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, Vitor Leite apresentou “uma visão prática do processo”, contando sobre a gestão escolar na unidade quando ele era representante de turma no colegiado escolar, em 2018. Os recursos destinados à caixa escolar eram escassos (R$ 900 mil por ano), as eleições haviam acabado de ocorrer e os eleitos “não tinham qualquer capacidade de gerir a escola”, pois teriam sido escolhidos apenas por serem “os mais populares”. Com isso, começou a faltar comida até culminar numa situação de carência nutricional em que alunos chegavam a passar mal por estarem pouco alimentados: “a direção simplesmente não teve a capacidade de realizar um cálculo básico”, entre o dinheiro reservado para contratados e para o lanche. O resultado foi a demissão de funcionários de diversas áreas, “para que a gente pudesse comer na escola”.
De acordo com Vitor, o processo de consulta à comunidade escolar deve acontecer numa eleição, mas não da forma como é atualmente. Ele propôs a criação de um órgão formado por toda a comunidade escolar que possa questionar as decisões dos diretores. Nessa visão, seria muito mais importante para a democracia eleger representantes de alunos e de toda a comunidade escolar “e não eleger uma única figura que pode, por quatro anos, derreter a escola”. Na mesma linha, o ex-aluno defendeu o fortalecimento de órgãos estudantis, como grêmios e colegiados escolares, e que a eleição deve exigir algum tipo de competência técnica do gestor. Por fim, questionou a própria falta de participação dos estudantes no processo.
Participaram da audiência as vereadoras Iza Lourença, Macaé Evaristo e Marcela Trópia.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional