Comissão apresentará moção de repúdio a projeto de mineração na Serra do Curral
Audiência discutiu impactos de Complexo Minerário Serra do Taquaril. Representantes do empreendimento não compareceram
Fotomontagem: Karoline Barreto/CMBH e Pixabay
A antiga campanha “Olhe bem as montanhas”, que já nos anos 1970 alertava para a destruição da Serra do Curral, parece continuar atual. Nesta terça-feira (27/4), a Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana realizou audiência pública para discutir a garantia da integralidade da Serra do Curral frente à implantação de novos empreendimentos minerários, em especial o Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST). Proposto pela empresa Taquaril Mineração S/A (Tamisa) e em fase de licenciamento ambiental na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o projeto prevê a lavra e o beneficiamento de minério de ferro em reservas situadas no limite de Nova Lima, no trecho da Serra do Curral conhecido como Serra do Taquaril. As vereadoras solicitantes do debate, Bella Gonçalves (Psol) e Duda Salabert (PDT), assim como vários convidados, reforçaram a importância ambiental, cultural, geológica, hídrica e paisagística da Serra do Curral para Belo Horizonte e Minas Gerais, assim como os riscos de destruição do monumento e seus impactos frente a empreendimentos minerários. Foram relatados problemas no licenciamento e no tombamento da área. A ausência de representantes da Tamisa na reunião será tema de uma moção de repúdio ao avanço dos processos de mineração.
Prejuízos à biodiversidade e ao abastecimento
Além de lembrar que a Serra do Curral é símbolo cultural de Belo Horizonte, Arthur Nicolato, representante da Associação dos Moradores do Bairro Cidade Jardim Taquaril (Amojat) e médico, alertou para os danos à saúde que o complexo minerário pode causar, tanto pela retirada de área verde quanto pela piora na qualidade do ar. Também conselheiro do Parque Estadual Florestal da Baleia, localizado no entorno da Serra e onde há “um hospital oncológico importantíssimo para o Brasil” [Hospital da Baleia], ele informou que o conselho demonstra “preocupação” com a saúde dos pacientes se o empreendimento seguir em frente. Assim como vários outros, considerou “criminoso” o impedimento de o município de Belo Horizonte se manifestar sobre o tema.
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas), Marcus Vinícius Polignano, incluiu o risco do espalhamento de espécies vetores de várias doenças, “que estão equilibradas naquele sistema”. Segundo Polignano, uma das áreas de influência do empreendimento seria a cumeeira da Serra, “para exatamente tentar fazer a exclusão de Belo Horizonte inclusive no processo de anuência”. Ele citou que o Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente mostraram os impactos do complexo minerário na capital, como questões climáticas que levam à perda hídrica e da biodiversidade. Conforme explicou, a justificativa da empresa para não necessitar da anuência de Belo Horizonte se assenta na afirmação de que o empreendimento não impacta diretamente o Município, o que já foi negado pelos estudos apresentados pela própria empresa. Polignano relatou que a Serra tem grande quantidade de nascentes e cursos d’água, configurando-se como uma “mãe d’água”, além de ter mais de 900 espécies de plantas, inclusive muitas raras, e mais de 40 espécies animais, algumas em risco de extinção. Por fim, o convidado lembrou o risco de desabastecimento com a baixa da vazão do Rio das Velhas, pois a alternativa de abastecimento para uma baixa ainda maior seriam poços artesianos na Serra do Curral.
O coordenador estadual de Meio Ambiente e Mineração e promotor de Justiça Felipe Faria de Oliveira elencou algumas questões que trazem preocupação ao órgão, que “vem acompanhando de perto a evolução desse empreendimento”: a saúde, unidades de conservação afetadas, participação da população e transparência, comprometimento do lençol freático e do abastecimento, redução da Mata Atlântica – “um celeiro de biodiversidade” -, morosidade do tombamento estadual, dentre outros. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) havia feito uma recomendação à Secretaria Estadual do Meio Ambiente para que a audiência pública sobre o empreendimento, que seria realizada no último 25 de março, fosse adiada por não permitir grande participação popular, mas o evento foi remarcado ontem (26/4), de acordo com ele. Ainda segundo o promotor, foi feito novo informe à secretaria para averiguar se os pontos colocados pelo Comam estão sendo respeitados. Ele também contou que, quando do rompimento da Barragem da Vale em Brumadinho (25 de janeiro de 2019), o MP pediu à empresa para apresentar soluções para garantias no caso de rompimento de barragens. Após avaliação da própria Copasa, na Serra do Curral foram identificadas diversas medidas para salvaguardar o abastecimento público, inclusive a construção de poços artesianos, o que demonstraria a importância dessa região para a captação de água. Desse ponto de vista, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) seria o “documento de maior relevo”, por prever todos os impactos do empreendimento: “Se for verificado que o impacto não pode ser admitido, o empreendimento pode não ter sua licença concedida”.
Irregularidades no licenciamento
Já a representante do Movimento Mexeu com a Serra do Curral, Jeanine Oliveira, ressaltou problemas quanto à forma do licenciamento do CMST. De acordo com ela, o empreendimento em questão era da antiga MBR, comprada pela Vale e vendida ao Grupo Cowan, que desde 2012 vem tentando licenciá-lo “de forma fracionada”, com desordenação das ações; estudos e locais escolhidos pelas empresas responsáveis pelo empreendimento; instituições sendo pressionadas; falta de participação social nas decisões etc. Como exemplo dos problemas de licenciamento, ela informou que o estudo dos impactos geológicos foi assinado pelo mesmo técnico que assina o EIA, um “oportunismo”: “Agora redigiram texto novo, mas os estudos são do primeiro [2012]”, uma defasagem de uma década. Jeanine também contou que mora a um quilômetro de uma das cavas e terá que conviver com barulho e poeira, embora não haja “nenhum estudo sobre isso dentro do EIA”, e que a ata da última reunião do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) sobre o tombamento da Serra do Curral registra duas empresas dizendo que o processo estaria incorreto e deveria ser refeito. “E quando a gente fica sabendo que a presidente [do Iepha] foi retirada um dia antes de falar sobre o tombamento na Serra, a gente fica mais preocupado ainda”. A convidada teme pelo desmoronamento do monumento e relatou que moradores “são constantemente ameaçados de morte”.
A vereadora Duda Salabert contou que foi à região ontem (26/4) e viu vários tratores na área onde serão feitas as cavas. Ela questionou por que as máquinas já estariam lá, se o empreendimento ainda não foi autorizado.
Tombamento demorado
A pedido de Duda, a secretária municipal de Cultura, Fabíola Moulin Mendonça, falou sobre o tombamento e os riscos da mineração para BH. Segundo ela, desde 1990 a Serra é protegida pela Lei Orgânica (espécie de “constituição” municipal), do Bairro Taquaril ao Jatobá. Em 1991, a secretaria aprovou o perímetro de tombamento e, em 1997, a Serra foi eleita como grande símbolo da cidade. Em 2012, a área foi subdividida, “para efeitos de proteção”, em quatro subáreas (limitadas por bacia hidrográfica) “com diferentes inserções na cidade e no sentido de ter um acompanhamento mais próximo”, e foi traçado um perímetro de entorno na parte voltada para Belo Horizonte, com “diretrizes muito claras de proteção”. Não houve demarcação na parte pertencente à Nova Lima. “A gente faz toda a área de proteção de entorno com as diretrizes, mas entendendo que existem outras áreas de territórios de municípios vizinhos que impactam Belo Horizonte”, ponderou. A secretária continuou o histórico, citando que em 2018 o Iepha lançou um edital de licitação para elaboração de dossiê de tombamento abrangendo área de proteção estadual, ficando definido que o órgão incluiria tanto a área já tombada pelo Município quanto áreas pertencentes à Nova Lima. O processo de tombamento ainda não foi concluído, pois dependeria de “pressão” para que seja apreciado pelo Conselho Estadual de Patrimônio.
A vereadora Bella Gonçalves solicitou à superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Débora Maria Ramos do Nascimento França, que falasse sobre os aspectos da mudança no tombamento do Pico Belo Horizonte, incluído na Serra do Curral. Segundo ela, o órgão “não tomba a Serra como um todo”, mas numa faixa de 900 metros para cada lado, a partir do eixo da Avenida Afonso Pena. Ela citou que houve uma “adequação feita na área do entorno pela última portaria, criando um perímetro mais condizente para o bem tombado”, sem especificar quais seriam essas adequações. Outro representante do Iphan esclareceu que não é possível fundamentar a inclusão de trechos no tombamento, mas que o setor de entorno, chamado de Área de Proteção do Ambiente Natural (Apan), tem restrição de uso tão grande quanto a própria área tombada, e que essa Apan se estende até a cota 1260 (m) em Nova Lima, com proibição de extração vegetal e mineral. Ao ser questionado por Marcus Vinícius Polignano se a cava norte do empreendimento chega exatamente no alicerce do Pico, ele respondeu que “do ponto de vista normativo, estão parcialmente em área de entorno, mas em setores que não proíbem a mineração como no caso da Apan”. Além disso, apesar de ter concedido licença prévia, o Iphan condiciona a entrega desta às licenças de implantação e operação. O representante afirmou ainda que, “por definição”, a mineração causa alterações morfológicas.
Encaminhamentos
Para Bella Gonçalves, “não faria sentido a gente ver um licenciamento acontecer e logo depois a apreciação do tombamento”. Ela afirmou que vai protocolar nesta data (27/4) uma moção de repúdio ao avanço dos processos minerários, reforçando o “repúdio pelo temor do diálogo” não apenas por parte da Tamisa, mas também dos órgãos estaduais.
“É uma série de descasos e nós conhecemos um histórico de mineradoras tendo vários processos de descaso. Essa soma de descasos leva a esse ecocídio”, externou Duda Salabert, em apoio à Bella, alertando para o fato de que “as últimas pandemias todas foram de origem zoonótica”.
Além das vereadoras solicitantes, a audiência contou com a presença dos vereadores Marcos Crispim (PSC), Professor Juliano Lopes (PTC), Professora Marli (PP) e Wanderley Porto (Patri).
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional