QUILOMBOLAS E INDÍGENAS

Comunidades cobram do poder público alimentos e testagem na pandemia

Também foram solicitados saneamento básico e condições de sobrevivência no contexto urbano 

segunda-feira, 10 Agosto, 2020 - 20:45

Foto: William Delfino / CMBH

As condições de vida da população quilombola e indígena em Belo Horizonte durante a pandemia, especialmente no que se refere à distribuição de alimentos, testagem de contaminação pelo coronavírus, saneamento básico e sobrevivência no contexto urbano foram temas discutidos por representantes dessas comunidades, em audiência pública da Comissão de Mulheres, nesta segunda-feira (10/8). Na audiência, a Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público de BH informou sobre ações voltadas ao segmento na capital, como o registro material para reconhecimento de quilombos, criação de grupos de trabalho com a participação de lideranças e projetos visando divulgar e apoiar saberes dos povos tradicionais para distribuição, uso coletivo e utilização cultural de plantas. A Comissão encaminhará aos órgãos competentes do Executivo pedidos de informação sobre as demandas apresentadas na reunião.

A vereadora Cida Falabella (Psol), que preside a Comissão, abriu o encontro destacando que o problema de violação aos direitos de povos e mulheres indígenas e quilombolas, incluindo o atendimento à Saúde, é histórico, atingindo o estado de Minas Gerais; e que é preciso reconhecer suas particularidades e garantir esses direitos. Bella Gonçalves (Psol) salientou, por sua vez, o genocídio e o preconceito de raça e etnia em Belo Horizonte, reafirmando que essas comunidades necessitam de organização territorial, considerando a especulação imobiliária, e de assistência à Saúde.

Gláucia Cristine Martins de Araújo Vieira, do Quilombo Souza, relatou que durante a pandemia teve que ir a hospitais e a UPAS para acompanhar sua mãe, sob suspeita de Covid-19, e disse que estes estavam lotados, constatando-se a falta leiitos, fraldas e lençóis. Destacou, também, a falta de testes, que poderiam evitar internações. Ela contou, ainda, que o quilombo vem lutando contra ação de despejo e que está elaborando um dossiê para a Prefeitura sobre a situação enfrentada pela comunidade.

Preconceito

A jornalista e líder indígena Warao da Venezuela, Dyakera Yolis Lyon , relatou, por sua vez, que em menos de três semanas perdeu três parentes, vítimas do coronavírus. Revoltada com o preconceito enfrentado como mulher, indígena e estrangeira, disse que foi discriminada no trabalho nas ruas, no Centro de Belo Horizonte, na Praça Sete, na Feira de Artesanatos da Avenida Afonso Pena, em instituições bancárias, no comércio, devido às vestimentas usadas e ao idioma, e ao tentar utilizar aplicativos de transporte, quando foi negada a corrida, alegando-se risco de contaminação. Na reunião, ela salientou as dificuldades vivenciadas ao deixar sua terra e ao ter que se adaptar a uma nova cultura, por necessidade de sobrevivência.

A enfermeira, indígena de etnia Pataxó Hã-hã-hãe do Kariri Sapuyá, Adriana Fernandes Carajá, reforçou que, como vendia artesanato na Praça Sete e na Feira de Artesanatos da Avenida Afonso Pena e teve sua atividade interrompida devido à pandemia, sofreu violência por parte de agentes públicos, que a retiraram das ruas, retendo seus produtos. Ela informou que foram registrados 17 casos confirmados de Covid em sua comunidade.

Saneamento básico e alimentação

A técnica em radioterapia, raizeira, benzedeira e moradora do Quilombo das Mangueiras há 40 anos, Ione Maria de Oliveira, disse que não surgiram suspeitas de Covid no quilombo e que permanecem em isolamento. Mas informou que a poluição do Córrego Lajinha os impede de tomar banho no poço, já que a água está contaminada com coliformes fecais. Ela relatou que está sendo feito um trabalho para melhoria da autoestima dos quilombolas e que estes têm recebido de gabinetes da Câmara Municipal doações de máscaras. Desta forma, a população reivindica  a limpeza do córrego e o cercamento do quilombo, devido a invasões e à construção de barracões próximos à nascente. Informou, ainda, que consultas de quilombolas diabéticos e hipertensos foram canceladas e que estes estão sem fazer exames, impedindo-se, assim, o diagnóstico de mortes causadas não pela Covid, mas por essas doenças. A comunidade recebe alimentos da Secretaria Municipal de Segurança Alimentar, mas muitas vezes, estes não são suficientes, principalmente no que se refere a legumes e folhas.

Quando às atividades profissionais, relatou que no quilombo 3% da população é de taxistas, que trabalham em cooperativas, mas que atualmente estão sem trabalhar, por apresentarem doenças como as citadas anteriormente e fazerem parte do grupo de risco. A quilombola disse, ainda, que as casas estão cheias de insetos e que, ao ser acionado, o Controle de Zoonoses da Prefeitura visitou o local. Na visita, constatou-se que os mosquitos morrem rápido, mas também procriam com facilidade, voltando a invadir o quilombo. Ela destacou que as habitações foram dedetizadas, mas a medida não foi suficiente para conter a infestação do mosquito, em função da contaminação da água do Córrego Lajinha, onde é lançado esgoto. Foi feita pela comunidade a proposta de construção de uma fossa séptica no quilombo, buscando, assim, despoluir o espaço.

Quanto a manifestações culturais e religiosas, Oliveira afirmou que vizinhos, moradores de acampamentos, reagem com agressões  a esses rituais, ateando fogo na mata ciliar. Assim, defendem a preservação da mata, que está morrendo, e o plantio às margens da nascente, como forma de proteção à população. Segundo ela, as demandas já foram encaminhadas ao Subcomitê de Bacias da PBH.

Território

A ativista do movimento negro e liderança do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, Makota Cássia Kidoiale, ratificou a falta de testagem nos territórios e a dificuldade quanto ao isolamento, devido ao meio coletivo de vida nos terreiros, ocupações e aldeias. Ela falou, também, sobre distúrbio mental sofrido por crianças nesse período, bem como do adoecimento de mulheres. Na oportunidade, a ativista reivindicou a apropriação do território, que aguarda somente assinatura da Prefeitura. A quilombola contou sobre demora para recebimento do auxílio emergencial e sobre a insuficiência de alimentos das cestas básicas, com o corte de sementes, por exemplo, mencionando, ainda, a diminuição das doações por parte de órgãos e entidades. Ela ressaltou, por fim, o aumento da violência doméstica nas comunidades durante a pandemia, reforçando a falta de testes, de custo elevado.

Ações da PBH

A diretora de Patrimônio Cultural e Arquivo Público de Belo Horizonte, Françoise Jean, informou, por sua vez, que a Secretaria Municipal de Cultura tem empenhado esforços para um diálogo com as comunidades tradicionais, para que se avance em políticas públicas efetivas. Ela enumerou projetos da secretaria nesse sentido, como o registro material para o reconhecimento de quilombos; construção de grupos de trabalho de salvaguarda, com a participação de lideranças quilombolas, poder público e Secretaria Municipal de Cultura, para a criação de políticas de curto, médio e longo prazos; elaboração de cartilha educativa, juntamente à população, para distribuição interna nos quilombos e comunidades lindeiras, incluindo escolas; Projeto Jardins do Sagrado, buscando divulgar e apoiar os saberes ancestrais dos povos tradicionais na utilização cultural de plantas, destacando-se a construção de um jardim etno-botânico, com o plantio, coleta e troca de mudas; e a elaboração de uma regulação que viabilize o acesso e a coleta de folhas em determinadas áreas verdes da cidade.

A gestora falou, ainda, sobre a construção de um viveiro de plantas da Fundação Zoobotânica para distribuição aos quilombos; jardim etno-botânico afro-indígena, com projeto arquitetônico de plantas na Lagoa do Nado; publicação elaborada pela UFMG, conjuntamente com lideranças indígenas, para a identificação de plantas e uso coletivo; realização de seminário  sobre a cidade e o sagrado – povos tradicionais e desafios  no espaço urbano; inventário sobre a presença de indígenas na capital para a criação de políticas públicas; integração da Feira de Artesanato da Avenida Afonso Pena e de shoppings populares coma presença de índios; inventário de terrenos de umbanda e candomblé em Belo Horizonte; edital de cultura popular, com a premiação de 25 mestres, no valor de R$ 15 mil; e banco de alimentos destinado a essas comunidades, bem como para circenses e ciganos, por meio de parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Transporte. Na oportunidade, Jean comprometeu-se a informar a esses órgãos sobre a insuficiência de alimentos, conforme relatado na reunião.

Segundo a diretora de Políticas para Igualdade Racial, Tânia Cristina Silvia de Oliveira (Makota Kizandembu), dentro dos trabalhos realizados no Plano Municipal de Igualdade Racial apontam-se necessidades dos povos indígenas e população negra, principalmente na área da saúde, ressaltando sua vulnerabilidade a doenças no contexto urbano. Ela falou sobre o Plano de Equidade de Gênero, que trata da saúde da mulher quilombola e indígena; da criação do Comitê da População Indígena e de grupo de trabalho, com reuniões com a Prefeitura, quando foram apresentados problemas enfrentados pelo Quilombo das Mangueiras, devido ao crescimento da população, como o de esgoto a céu aberto. Destacou, também, o Programa Territórios Sustentáveis, que assegura a vida da nascente existente no quilombo, já mencionada.

Encaminhamentos

Ao final da audiência, deliberou-se que no grupo de trabalho criado pela PBH seja estabelecido um diálogo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Também será encaminhada, por meio da Comissão de Mulheres e da Comissão Especial de Estudo sobre a Covid-19, a necessidade de testagem de povos e comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, solicitando ao Executivo estudo sobre as condições de saúde nesses territórios.

Serão enviados, ainda, à PBH pedidos de informação sobre ações do Plano Municipal de Igualdade Racial durante a pandemia; e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e à Secretaria Municipal de Saúde, solicitando-se dados como perfil de pessoas atendidas em hospitais e UPAs e sugerindo-se um letramento anti-racista nesses espaços. Será proposto o registro de gênero e raça nos atendimentos, incluindo o de quilomobolas; e solicitado o acompanhamento do banco de alimentos, avaliando-se qualidade e quantidade dos mesmos, a serem entregues nas comunidades. Por fim, serão requisitadas ao Executivo informações sobre editais abertos, como o de premiação de mestres indígenas.

Participaram remotamente da audiência as vereadoras Cida Falabella e Bella Gonçalves, e o vereador Edmar Branco (PSB).

Assista ao vídeo da reunião  na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater os desafios das mulheres indígenas e quilombolas no contexto da pandemia do Covid-19 - 19ª Reunião Ordinária - Comissão de Mulheres