40 ANOS DE ANISTIA

Sociedade civil quer Memorial dos Direitos Humanos na sede do antigo DOPS

Estado e Prefeitura apontam falta de recursos, mas defendem cooperação entre órgãos para viabilizar o projeto

segunda-feira, 16 Setembro, 2019 - 19:30
Parlamentares e convidados compõem mesa de reunião

Foto: Heldner Costa/ CMBH

Publicada em agosto de 1979, a Lei da Anistia no Brasil completa 40 anos, concedendo o benefício a todos aqueles que tenham sido condenados por crimes políticos e eleitorais no período da Ditadura Militar (1961 a 79). No entanto, a narrativa sobre verdade e reparação ainda segue em disputa no cenário político. O tema esteve em debate na Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, em audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (16/9), quando pesquisadores e militantes defenderam a implantação do Memorial dos Direitos Humanos na antiga sede do Dops - Departamento de Ordem Política e Social, que funcionou como centro de prisão e tortura durante o regime autoritário. Governo do Estado e Prefeitura apontaram falta de recursos, mas defenderam a cooperação entre órgãos para viabilizar o projeto. Autor do requerimento para a audiência, Pedro Patrus (PT) alertou para a urgência do debate e garantiu a vigilância da Comissão em defesa dos direitos humanos na capital.

“A Constituição de 1988 não reviu a dubiedade da Lei da Anistia, que anistiou vítima e algoz, mas se pautou pelo paradigma da reparação e da verdade”, alertou o ex-deputado federal Nilmário Miranda, que foi preso político e torturado durante o regime militar. Tendo sido membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (hoje vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), Nilmário defendeu a importância da medida para garantir o retorno de dezenas de milhares de civis afastados de seus cargos por perseguição política, e a urgência de arenas como a Comissão da Verdade para resgate da memória daquele período. O ex-deputado afirmou ainda o papel do Memorial da Anistia – que seria inaugurado em Belo Horizonte, mas teve suas obras canceladas em agosto deste ano, por decisão da Ministra Damares Alves – como “espaço de memória viva, não do esquecimento”.

Reparação às vítimas

Coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Reis destacou que “fatos sociais, políticos e humanos não têm apenas dois lados. Podem ser vistos com múltiplas lentes”. Nessa perspectiva, ele pontuou que existe o grupo que entende que a anistia de 79 foi o pacto possível para aquela época, que permitiu que “as pessoas que foram levadas à força para fora do país e precisavam voltar”, pudessem retornar às suas casas. “Mas (a Lei da Anistia) pode ser lida também como mais um pacto entre elites, que não resolve de fato as mazelas sociais”, completou o pesquisador.

Para Reis, a legislação é insuficiente e não garante uma real justiça de transição, uma vez que anistiou também os violadores (além das vítimas). O pesquisador avaliou que aquele formato de acordo entre elites teria permitido a permanência, nos espaços de poder, dos mesmos grupos políticos e econômicos dispostos a uma nova articulação e a execução “de um novo golpe em 2016”.

Tendo sido conselheiro estadual de Direitos Humanos, Robson Reis destacou que a expectativa da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (CEIVT), criada em 2000, era de atender cerca de 200 pessoas. No entanto, “hoje são mais de 1,5 mil vítimas”, alertou o pesquisador, apontando para a importância de instrumentos de reparação para, inclusive, ampliar o alcance das políticas.

Ainda em atenção à violência do período do regime militar e às vítimas da repressão, o Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas reforçou uma indicação à Prefeitura para que renomeie todas as ruas, avenidas, praças e viadutos (próprios públicos) que ainda homenageiam nomes ligados à Ditadura Militar. Foi cobrado da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor que apoie a recomendação e acompanhe o andamento junto à Prefeitura.

Memória viva

Para fortalecer o resgate da memória daquele período, foi defendida a retomada do projeto de instalação do Memorial dos Direitos Humanos na sede do antigo Dops, localizada na Avenida Afonso Pena, na esquina com a Avenida Bernardo Monteiro, no Bairro Funcionários. Coordenadora do Núcleo de Memória e Verdade da Subsecretaria de Direitos Humanos do Governo de Minas, Ana Carolina Rezende afirmou que é interesse da subsecretaria viabilizar o projeto, que prevê um uso híbrido para o espaço.

A proposta inclui exposições temporárias e permanentes, atividades culturais e educativas, assim como salas para reuniões das comissões e conselhos ligados ao tema. Amparado por um conceito de museu in situ, em que se preserva a memória no exato local de origem, o projeto do Memorial prevê intervenções mínimas no edifício, mantendo, por exemplo, as celas e salas de cortiça (que sugerem estruturas criadas para abafar ruídos de torturas e gritos das vítimas). Ana Carolina Rezende explicou, no entanto, que o prédio sofreu depredações nos últimos anos e não apresenta segurança elétrica ou hidráulica para que seja ocupado.

Subsecretário de Direito e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, Thiago Costa afirmou que “apesar das dificuldades do cenário financeiro atual, a Prefeitura tem preocupação com a pauta”. Nesse sentido, anunciou o resgate do Observatório dos Direitos Humanos, que seria um espaço de integração entre diferentes atores como universidades e movimentos sociais.

O gestor garantiu ainda que a Prefeitura “pode e vai participar” da implantação do Memorial dos Direitos Humanos no antigo Dops, mas destacou que faltam recursos ao Município, especialmente diante da “ausência de repasses de centenas de milhões do governo do Estado”, completou. Nesse contexto, foi defendida a cooperação entre órgãos para viabilizar o projeto e a captação de recursos junto ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos (Fundif).

Bella Gonçalves (Psol) alertou para importância do envolvimento da sociedade civil na recuperação desses espaços de memória. Gilson Reis (PCdoB) solicitou apoio ao projeto de lei de sua autoria que tramita na Casa propondo a criação da Comissão Municipal da Verdade e Memória. O PL 513/13 está concluso em 2º turno e aguarda inclusão na pauta de votação do Plenário.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública -  40 anos implantação da Anistia no Brasil, apresentação Grupo de Pesquisa em Arqueologia e Direitos Humanos da UFMG –  30ª Reunião Ordinária - Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor