INCLUSÃO

Políticas públicas para o autismo precisam sair do papel, cobram familiares e ativistas

Debate esteve em pauta no Seminário “Compreenda o Meu Olhar”, em que foi defendido o protagonismo dos autistas na construção das políticas

terça-feira, 30 Abril, 2019 - 20:30

Foto: Karoline Barreto/ CMBH

"O autismo não é uma doença, é uma condição. E o autista pode fazer muita coisa. Por isso (peço que) compreenda o meu olhar”. A fala do jovem autista Jeferson Borges resumiu os anseios e propostas que se destacaram no Seminário “Autismo: Compreenda o Meu Olhar – Desafios e Políticas Públicas”, realizado pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, na tarde desta terça-feira (30/4). Autistas, familiares, ativistas, gestores públicos, pesquisadores e especialistas cobraram efetividade na implementação de políticas voltadas à pessoa autista, destacando que o reconhecimento das habilidades e potenciais desse público é elemento essencial para o adequado atendimento. Nesse sentido, foi reivindicada a participação protagonista dos autistas em todo o processo de construção das políticas públicas. A Prefeitura se comprometeu a articular reuniões regulares e intersetoriais para avançar na política para o autismo.

Tema ainda de pouco conhecimento na sociedade e, muitas vezes, tardiamente diagnosticado, o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um distúrbio neurológico bastante caracterizado pela dificuldade de interação social. Com diferentes graus de autismo, as pessoas que apresentam esse transtorno podem sofrer para se adaptar a uma vida autônoma em uma sociedade que não parece oferecer as adequadas ferramentas para atendimento e diálogo com essa população. A reflexão foi levantada pela psicóloga, doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Aline Abreu, que destacou a importância de se perceber as características do autismo em suas potencialidades, não como limitações absolutas.

Entre os comportamentos mais característicos, a especialista listou o pensamento lógico e objetivo que, por um lado, pode limitar a compreensão de ironias ou entrelinhas, mas, por outro, pode favorecer a qualificação na execução de diversas atividades e na solução de problemas. A psicóloga destacou também a criatividade e a capacidade de imaginação que o autista pode apresentar, assim como o perfeccionismo e a solidez dos valores apreendidos. Em contraponto, podem ter um incômodo intenso com simples erros cotidianos e muita dificuldade para lidar com imprevistos.

“O desenvolvimento é como a construção de uma casa. Até subir a primeira parede, tem muito trabalho a ser feito”, ilustrou Abreu, explicando que é possível preparar essas pessoas para a interação social, mas é preciso o envolvimento de todos nós. Para a psicóloga, a qualidade de vida do autista adulto está diretamente relacionada à sua maior independência, que deve ser estimulada desde cedo. Também o desenvolvimento dessa autonomia é favorecido quando a família e a sociedade reconhecem o potencial dessas pessoas e lançam sobre elas expectativas maiores.

Autor do requerimento para o seminário, o vereador Irlan Melo (PR) lamentou a dificuldade que os pais enfrentam para conseguir qualificar o desenvolvimento de suas crianças. O vereador destacou que “apenas quem vive essa situação parece estar disposto a compreender esse olhar”, em referência o nome do evento e ao preconceito que ainda dificulta a inclusão das pessoas com autismo na vida social.

Políticas públicas

A perspectiva comum dos especialistas ouvidos é de que as pessoas neurotípicas tenham cada vez mais abertura para a diversidade. No entanto, até lá, é preciso trabalhar com as pessoas autistas para que se reconheçam nessa diversidade e possam perceber os comportamentos que causam estranhamento em espaços sociais. Para isso, foram reivindicadas políticas municipais que favoreçam esse desenvolvimento. Publicado há cerca de cinco anos, o Decreto Municipal 15.519/2014 regulamentou o reconhecimento da pessoa com autismo como pessoa com deficiência, garantindo a ela o acesso aos direitos previstos pela legislação. Todavia, a insuficiência das atuais políticas públicas denunciam a não implementação do decreto na capital, conforme alertou a psicóloga Renata Brasil, sócia-diretora da Dia a Dia Educação Especializada.

“Enquanto não investirmos em pessoal e política para garantir a presença das pessoas com autismo nos espaços de socialização, vamos discutir aqui, anualmente, a mesma coisa”, afirmou Brasil. A psicóloga defendeu que essas pessoas “precisam ter acesso à vida comum, aos contextos sociais, aos espaços de sociabilidade”. Devem estar nas escolas, nos parques, nas lojas, nos banheiros públicos, no supermercado, nos restaurantes, circulando autonomamente nos ônibus da cidade ou viajando em aviões. No entanto, conforme denúncias de diversas famílias, muitas escolas particulares se recusam a receber crianças com TEA, por falta de atendimento qualificado.

Integrante da Comissão das Associações de Defesa dos Direitos dos Autistas de BH (Cadda-BH), a psiquiatra e psicanalista Maria Helena Roscoe apresentou algumas das reivindicações resultantes do Fórum Intersetorial de Atenção Integral à Pessoa com TEA. Para a área da Saúde, foi solicitado o pleno atendimento nos Centros de Reabilitação; na Educação, atendimento especializado articulado com a educação regular; na Cultura, a difusão de um novo conceito sobre o TEA na perspectiva de uma ampla mudança cultural; no Trabalho, medidas de inclusão dessas pessoas no mercado, e, no Esporte, ampliação de vagas em projetos como o Superar, que atende atualmente 940 pessoas com deficiência.

Participação e protagonismo

“Eu nunca passei em uma entrevista de emprego”, resumiu a procuradora municipal e estudante de psicologia, Fernanda Coelho, contando que sempre teve dificuldades para compreender as interações sociais e, apenas depois de adulta, recebeu seu diagnóstico de pessoa com autismo. Fernanda lembrou que os filtros sociais, que nos impõem falas mais indiretas, ironias ou determinada polidez, não são muitas vezes acessados pelos autistas, o que dificulta, por exemplo, o sucesso em processos seletivos presenciais. Ela destacou que, para conseguir manobrar essas situações, o autista precisa ter clareza da sua condição. “Não é um diagnóstico negativo. É identidade. E isso é importante”, inclusive para entender os prejuízos que determinados comportamentos podem causar, completou.

Gestores públicos municipais ligados às Secretarias de Educação, de Saúde, de Assistência Social, de Cultura e de Esporte e Lazer manifestaram a abertura da atual gestão para o diálogo sobre o tema e para a atuação intersetorial. Nessa perspectiva, a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania assumiu o papel central na articulação das diferentes pastas para a construção de novas políticas para a pessoa com autismo e para a efetivação do Decreto Municipal 15.519/2014.

A Subsecretaria de Cidadania afirmou que vai atuar para que os fóruns intersetorias saiam do papel, anunciando que foi solicitado às diferentes áreas de gestão que enviem indicações de seus representantes e que os membros da sociedade civil serão indicados pelo Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, possivelmente no próximo dia 13 de maio. A partir daí será convocada a reunião inicial, em que será definida a periodicidade dos encontros.

Mostras de fotografia e desenho

Durante toda a semana, a Câmara de BH exibe duas mostras de fotografia e desenho, que buscam revelar o modo de ver de pessoas neurodiversas. As exposições “Pelo meu olhar” e “Sob meu olhar” estão montadas no hall do restaurante, até a próxima quinta-feira (2 de maio), com visitação gratuita e aberta a todos os interessados.

A mostra fotográfica “Pelo meu olhar” reúne fotografias de Jonathan Viana, retratando a diversidade a partir das expressões faciais e corporais dos educandos da Dia a Dia Educação Especializada, que é uma empresa de prestação de serviços voltados à autonomia de jovens e adultos com deficiência intelectual e transtorno do espectro autista. Já a mostra “Sob meu olhar” reúne desenhos de artistas autistas de todo o Brasil, na perspectiva de contribuir para a circulação dessa arte e tornar o mundo mais inclusivo. A curadoria é assinada por Meiry Geraldo, da Galeria Aut, espaço criado para a divulgação e exposição da expressividade das pessoas com autismo.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Seminário para discutir os desafios de implementação das Políticas Públicas do Decreto Municipal nº 15.519/14 - Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor