CONCESSÃO DO ZOOLÓGICO

Ativistas criticam exploração econômica e defendem devolução à natureza

Prefeitura garante manutenção dos padrões atuais de cuidado e manejo, melhoria da estrutura e fiscalização permanente das normas

segunda-feira, 31 Julho, 2023 - 21:30

Foto: Barbara Crepaldi / CMBH

O risco de participação de empresas despreparadas e com histórico de exploração de animais na concorrência pública para concessão do Jardim Zoológico de BH é uma das maiores preocupações de defensores de animais que questionam a transferência da gestão do equipamento à iniciativa privada. Em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana nesta segunda-feira (31/7), representantes de entidades e a requerente da audiência, Janaína Cardoso (União), também ativista da causa, protestaram contra o uso de animais para entretenimento e a obtenção de lucro às custas de seu bem estar e dignidade e solicitaram esclarecimentos aos gestores presentes quanto às responsabilidades do futuro concessionário e as atribuições do poder público. Representantes da Secretaria de Meio Ambiente, da Fundação de Parques Municipais e da PBH Ativos, responsáveis pela modelagem do contrato, garantiram a manutenção das práticas e padrões de manejo dos espécimes do Zoológico de BH, referência nacional e internacional em cuidados e preservação, que serão coordenadas e monitoradas pela equipe atual durante e após a transferência da gestão. A vereadora solicitou que a Câmara seja informada dos nomes das empresas concorrentes tão logo sejam conhecidos e pediu que parte dos recursos oriundos da concessão sejam utilizados em prol dos animais de rua da região da Pampulha.

Logo na abertura do debate, Janaína Cardoso se declarou contra a manutenção de animais em cativeiro, privados de liberdade e das condições naturais de existência para fins de exibição e exploração econômica, e relatou histórias de animais caçados e capturados, retirados de seus habitats, trancafiados e transportados em condições inadequadas e muitas vezes insalubres e comercializados para fins de coleção, exposição e entretenimento, que acabam morrendo ou passando o resto da vida em condições indignas em nome de caprichos ou benefício econômico de pessoas inescrupulosas. A vereadora explicou que, dentre os vários aspectos envolvidos na concessão do Jardim Zoológico, a audiência pública visa a obter informações sobre como vai ficar a situação dos animais e a quem caberá a responsabilidade sobre sua saúde e bem-estar após a transferência da gestão do equipamento.

Representando o secretário Municipal de Meio Ambiente, o biólogo e assessor de políticas ambientais Humberto Martins Marques informou que a posição da pasta é positiva em relação à Parceria Público-Privada (PPP) do Zoológico, mas com o resguardo do ótimo trabalho de guarda, preservação, procriação e reprodução de espécimes executado há décadas pela equipe técnica do equipamento, reconhecida em nível nacional e internacional. Em seu entendimento, as precariedades estruturais resultantes de questões financeiras e administrativas poderão melhorar e serem sanadas por meio do investimento privado, beneficiando animais e funcionários, mas desde que sejam mantidos, necessariamente, os acordos e convênios em vigor com instituições de outras cidades e países que proporcionam as atuais condições de trabalho e pesquisa ao corpo técnico do Zoológico.

Obrigações e responsabilidades

Questionada acerca das obrigações dos futuros concessionários em relação ao bem-estar dos animais após a privatização do zoo, a presidente em exercício da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horioznte (FPMZ-BH) esclareceu que o termo privatização não é adequado, uma vez que a modelagem jurídica do contrato não transfere a posse do bem, ou seja, a concessão é uma espécie de ‘aluguel’ da área por 30 anos. Nesse período, a empresa concessionária terá o direito de explorar comercialmente as áreas de uso público para auferir receita; para isso, terá de investir – e esse seria o grande objetivo do projeto – cerca de R$ 230 milhões na estrutura do hospital veterinário, espçaos de exposição do Jardim Botânico, implantação, reforma e manutenção de instalações administrativas, recintos de animais, restaurantes e lanchonetes, por exemplo. No tocante aos cuidados, tratamento e bem-estar dos animais, o projeto modelado pela PBH Ativos, segundo a gestora, prevê a criação de uma comissão de fiscalização para garantir a manutenção do padrão de qualidade atual, que é hoje um modelo para Brasil e mundo, e incrementar a infraestrutura física para trabalharem ainda melhor. Além disso, ao final do contrato, as benfeitorias serão inteiramente revertidas para o Município e a população.

Todo o patrimônio público, inclusive os animais, ficarão sob a responsabilidade da concessionária. Durante o período de transição, por 18 meses, o manejo transitório será feito pela equipe atual; serão criados um comitê gestor e um comitê fiscalizador, nos quais uma pessoa especializada em cada espécie – répteis, mamíferos, aves, anfíbios, por exemplo - vai coordenar os trabalhos e orientar a gestão antes da entrega do bem público. Humberto Melo, gerente do Jardim Zoológico com 30 anos de experiência, mestre em biologia e especializado em manejo de animais em extinção, reiterou a qualificação da equipe, o histórico e o reconhecimento do trabalho, fiscalizado pelo Ibama. 

Exploração econômica

Janaína Cardoso lamentou que os animais, seres cientes, com emoções e sentimentos, sejam considerados propriedade de seres humanos, privados do direito de viver em liberdade em seu ambiente natural. Os gestores refutaram esse conceito ‘pejorativo’ de zoológico como local onde animais arrancados violentamente de seus ambientes naturais vivem presos e em cativeiro com o único propósito de entreter e gerar lucro. Segundo eles, embora ainda existam essas práticas em caráter irregular e clandestino, os animais do Zoológico de BH nasceram e/ou foram criados em cativeiro, a maioria apreendidos por maus tratos ou orfandade e muitos vieram de outros zoos para serem cuidados e preservados. Humberto Melo informou que o conceito de zoo hoje é muito mais complexo em termos de ação e objetivos, e não é correto considerá-lo ‘um lugar onde se prende bicho’. Quanto ao fato de “pertencerem à PBH”, o que foi criticado, ele explicou que, por lei, todos os animais silvestres pertencem à União e o termo propriedade compreende a delegação da responsabilidade por seu cuidado e preservação.

Questionando a alegada impossibilidade de sua reintegração à natureza, Daniela Sousa, do Projeto Direito Animal Brasil, Fernanda Alves Pereira, do Fórum de Proteção Animal, e a própria Janaína Cardoso ponderaram que, em que pese a importância de acolher e cuidar desses animais, essa deveria ser a prioridade dos zoológicos, e não o lucro; para elas, é preciso desvincular a visão de animais presos ao prazer e ao lazer, especialmente junto às crianças. O gestor do Zoológico informou que a instituição participa de projetos de preparo e reintegração de espécimes à natureza, mas, considerando os diversos critérios e condições de viabilidade a serem observados, a grande maioria não se enquadra.

Preocupados com o preço que poderá vir a ser cobrado pelo ingresso ao equipamento, tendo em vista o alto investimento do concessionário, Janaína e o vereador Bruno Pedralva (PT) questionaram se haverá garantia de acesso da população de baixa renda ao equipamento. Mário Magalhães, da PBH Ativos, explicou que o tabelamento do preço dos ingressos é juridicamente impossível, mas o contrato prevê meia entrada e gratuidades. Além disso, o edital permite a exploração de outras fontes de receitas como lanchonetes e restaurantes, estacionamentos, aluguel de carrinhos elétricos, lojas de souvenirs, eventos esportivos, culturais e de lazer. A comercialização de animais, porém, é ilegal e totalmente vedada.

Quanto ao destino da equipe, que também preocupa os vereadores, a presidente da FPMZ-BH informou que os 40 a 50 técnicos e biólogos estatutários continuarão lá, integrando o comitê, outros serão realocados na própria Fundação, em outros parques e equipamentos, e alguns poucos readaptados em outras funções. Os demais (a maioria) são terceirizados, e é juridicamente inviável impor sua manutenção; porém, considerando sua experiência, treinamento e capacitação, certamente haverá interesse e conveniência em aproveitá-los.

Reversão de recursos

Janaína Cardoso deixou bem claro aos colegas, participantes e à imprensa que esta audiência teve como foco chamar atenção sobre a importância de verificar cuidadosamente a qualificação e os antecedentes das empresas que venham a pleitear a gestão do nosso Jardim Zoológico, evitando que as irresponsáveis ou com histórico de maus tratos e tráfico de animais tenham acesso à concessão. A PBH Ativos informou que as propostas devem ser entregues no dia 16 de agosto, mas eventuais questionamentos e ajustes nas quase 2 mil páginas do documento podem estender um pouco esse prazo; além disso, existe o sigilo corporativo, que impede a divulgação antecipada do interesse pelas postulantes. A vereadora solicitou, porém, que tão logo sejam identificadas as correntes, seus nomes sejam informados à Câmara.

A parlamentar e as ativistas propuseram ainda que 10% do valor a ser investido pela concessionária seja aplicado em ações voltadas aos animais abandonados e em situação de rua da região da Pampulha, com oferta de abrigo, cuidados veterinários, alimentação e castração. Mário Magalhães, da PBH Ativos, relatou que o contrato inclui remunerações adicionais variáveis de 1% a 3% da renda bruta arrecadada pela empresa, condicionados aos indicadores de bem-estar dos animais, e a destinação de mais 1% da receita bruta para projetos sociais e ambientais do Município, e que a Câmara poderá propor e sugerir formas de aplicação desses recursos.

Defensora das concessões como fonte de receitas do poder público, Marcela Trópia (Novo) ponderou que, hoje, a PBH não consegue investir e manter esse patrimônio tão bem quanto deveria por falta de recursos, e a parceria favorecerá a realização de melhorias das condições de conservação da área e cuidados com os animais, além de gerar empregos e movimentar a economia. Segundo ela, os próprios concessionários, como demonstrado em outros equipamentos, têm interesse na requalificação do entorno, tornando o empreendimento mais atrativo para a população.

Superintendência de Comunicação Institucional