SAÚDE MENTAL

Psiquiatras criticam fechamento do Hospital Galba Velloso durante pandemia

Participantes da audiência apontaram aumento da demanda em razão dos efeitos da Covid-19 e importância da internação em casos agudos

quinta-feira, 23 Julho, 2020 - 01:15

Foto: Bernardo Dias/CMBH

Representantes do Ministério da Cidadania, Associação Mineira de Psiquiatria, Conselho Regional de Medicina, Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e membros da equipe do Hospital Galba Velloso se posicionaram contra o fechamento dos leitos psiquiátricos da unidade em audiência pública realizada nesta quarta-feira (23/7) na Comissão de Saúde e Saneamento. Lamentando a ausência dos gestores estaduais e municipais no debate, eles defenderam a ampliação da assistência integral qualificada e humanizada, que garante a segurança de pacientes, de seus familiares e da sociedade durante as crises. Além de esclarecimentos sobre a medida, profissionais e entidades cobraram participação na definição das políticas de saúde mental.

Fernando Borja (Avante), membro da Comissão e requerente da audiência, e Dr. Bernardo Ramos (Novo), vereador e médico, também defenderam a reabertura dos leitos do Hospital Galba Veloso, referência em assistência à saúde mental em BH, em Minas e no Brasil, considerando que a interrupção do atendimento de pacientes psiquiátricos para destinação da estrutura ao tratamento da Covid-19, segundo os especialistas, não possui embasamento técnico-científico e vem causando altas precoces e superlotação do Hospital Raul Soares, também administrado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).  Os participantes apontaram ainda que nenhum caso de Covid-19 foi atendido no local até hoje e que existem 700 leitos no hospital de campanha situado a 500m do local, confirmando que a medida não se justifica.

O secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro, apontou a “situação caótica” da saúde mental com que se deparou durante sua passagem pelo Ministério da Saúde, em 2017, causada pelas “abordagens equivocadas e ideológicas” dos governos anteriores. O psiquiatra ressaltou que o fechamento irresponsável de unidades e serviços especializados sem respaldo técnico e científico aumentou o índice de transtornos mentais graves, especialmente entre segmentos mais vulneráveis como moradores de rua e presidiários, e o número de dependentes químicos e de “cracolândias” pelo país, que resultaram no aumento da mortalidade causada por crises agudas.

Mudança das normativas

O secretário salientou que a taxa de 0,3 leitos psiquiátricos por milhão de habitantes no Brasil é inferior a um terço da recomendada por especialistas e adotada em outros países. Essas deficiências, crônicas nos governos anteriores, estariam sendo gradualmente superadas pelas novas políticas de saúde mental e antidrogas do governo federal a partir de 2017, pactuadas em comissões tripartites entre gestores das três esferas de governo e amparadas em resoluções recentes do Conselho Federal de Medicina. Segundo ele, as novas abordagens e normativas, que valorizam a assistência integral aos casos agudos, não foram impostas pelo Ministério, mas emergiram das necessidades e apelos da população.

Atendimento especializado

Considerando uma “irresponsabilidade” do governador Romeu Zema e do prefeito Alexandre Kalil o fechamento dos leitos, já escassos, o representante da Associação Mineira de Psiquiatria, Paulo José, reforçou as colocações do secretário e também citou a superlotação de serviços de urgência de ambulatórios e hospitais não especializados, que não têm condições de oferecer o atendimento adequado aos pacientes, agravando a desassistência à saúde mental e suas consequências. Segundo ele, outras modalidades de serviços psicossociais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades de acolhimento e comunidades terapêuticas não substituem as internações para a reversão de quadros agudos, sendo indicados para casos controlados e tratamentos de manutenção. O psiquiatra apontou que a redução dos leitos prejudica especialmente os pacientes que vêm de municípios sem nenhuma estrutura.

Paulo Rapsold, da Câmara Técnica em Saúde Mental do Conselho Regional de Medicina, concordou com os colegas que o antecederam e destacou que qualquer paciente, em dado momento, pode necessitar “inexoravelmente” de assistência 24h e proteção integral por vários dias. Crises agudas de transtorno bipolar, esquizofrenia, depressão e abstinência grave de drogas, segundo o médico, aumentam significativamente o risco de comportamentos de autoabandono, autolesão, suicídio e homicídio, tornando “inadmissível” a ausência desse tipo de atendimento. Diante da história, estrutura e qualidade do Hospital Galba Veloso, ele classificou o possível fechamento definitivo dos leitos como “uma afronta aos direitos humanos”.

A representante do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, Gláucia Ângela, e os psiquiatras Lauro Guirlando, Paula Aparecida Gomes e Dagmar Fátima de Abreu, que trabalham no Galba Velloso, também argumentaram em favor da internação em casos de agudização dos sintomas e apontaram fatores relevantes para o atendimento, como a qualificação de equipes multidisciplinares – neurologistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros – compostas por profissionais especializados, inclusive o pessoal da limpeza, para lidar com os pacientes de forma correta, e articulação com a rede de saúde para detectar e encaminhar pacientes acometidos por outras doenças.

Questão ideológica

Os defensores da luta antimanicomial, segundo os médicos, ainda vivem no passado, quando os chamados “manicômios” viravam “depósitos” de pacientes, que viviam sem dignidade e tratamento adequado; hoje, a internação é feita de forma humanizada, por períodos de 15 a 25 dias em média, e após o controle da crise o paciente retorna à convivência familiar e social. Os psiquiatras criticaram a postura intransigente do movimento, que se baseia em premissas equivocadas e, alegando seguir diretrizes da Organização Mundial de Saúde, desconsidera recomendações do órgão como a oferta mínima de 0,43 leitos por mil habitantes, demonstrando sua recusa a dialogar e ouvir opiniões diferentes. Todos concordaram que a extinção de leitos psiquiátricos não tem respaldo em dados científicos e que a questão não pode ser orientada por ideologias.

Borja e Guirlando apontaram que os membros desse movimento e os gestores que os apoiam são todos de esquerda e que “a Fhemig, inexplicavelmente, pegou carona”. A expulsão dos participantes da audiência da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor no dia 15 de julho e o não atendimento do convite da Comissão de Saúde, segundo Borja, deixa claro “qual é a democracia que eles defendem”.  Guirlando observou que a diretora da Fhemig estava com camisa de ‘Lula Livre’ na primeira audiência. "Como o órgão e o partido do governador permitem essas pessoas em cargos de coordenação?”, questionou. O vereador criticou a "utilização de pacientes e familiares como massa de manobra em manifestações de cunho político". 

Pandemia aumenta demanda

Os médicos contestaram a afirmação de que a procura pela internação tem sido baixa, alegando que os pedidos são negados por falta de vagas, e afirmaram que a demanda pelo atendimento aumenta em casos de catástrofes ou pandemias, em razão dos sentimentos de luto, medo, ansiedade e depressão causados pelo isolamento social, o desemprego e as dificuldades econômicas que afetam a população e especialmente as pessoas com transtornos mentais, que têm mais dificuldade de lidar com essas emoções e mudar hábitos, ficando mais vulneráveis ao contágio próprio e de seus familiares pelo vírus. Essa constatação torna ainda mais absurda a supressão dos leitos durante este período, enquanto outros países estão expandindo o atendimento hospitalar da saúde mental.

Além disso, segundo eles, a utilização desses leitos para o atendimento de pacientes da Covid-19 não aconteceu até este momento, e o atendimento dos pacientes psiquiátricos foi prejudicado sem necessidade. Mesmo com o possível aumento dos números da pandemia, os 700 leitos para atendimento exclusivo da doença no hospital de campanha instalado na Gameleira, a poucos metros do Galba Velloso, que estão vazios, seriam suficientes para atender a demanda.  

Encaminhamentos

O número reduzido de Centros de Referência em Saúde Mental (Cersams), o não funcionamento dos Caps no período noturno e o despreparo dos centros de saúde para atendimento adequado desses casos, desassistindo especialmente a população de baixa renda, também foram mencionados pelos participantes, que criticaram a omissão da Prefeitura da capital em relação aos outros municípios e a pressão para acabar com o ambulatório do Hospital Raul Soares, que dá suporte a pacientes das regiões mais pobres do estado. Diante disso, os convidados pediram a intervenção dos vereadores pelo restabelecimento do atendimento no Galba Velloso e ampliação da rede de assistência à saúde mental.

Borja anunciou que vai pedir o apoio dos Conselhos de Saúde na proposição de um pacto entre os governos estadual e municipal para garantir a proteção e o direito de escolha dos pacientes e de suas famílias. Ele se comprometeu ainda a mobilizar outros vereadores para o encaminhamento de moções para o atendimento das reinvindicações e a criação imediata de uma comissão de saúde mental, formada por especialistas, para participar da definição das políticas públicas do setor. Por meio da comissão, será cobrada a apuração e os devidos esclarecimentos sobre a suposta proibição da internação psiquiátrica divulgada pela Fhemig .

Superintendência de Comunicação Institucional

Comissão de Saúde e Saneamento - Audiência pública para discutir e obter informações acerca do fechamento dos leitos psiquiátricos do Hospital Galba Velloso