PRESENÇA NA ESCOLA

Busca ativa de alunos pode ajudar a reduzir abandono e evasão escolar em BH

Os dois problemas foram debatidos em audiência pública; convidados sugeriram políticas intersetoriais e exemplos a serem seguidos

quinta-feira, 26 Agosto, 2021 - 20:15
Tela exibe vereadoras em videoconferência

Foto: Ernandes Ferreira/ CMBH

Por diversas razões, a pandemia de covid-19 agravou vários problemas sociais, entre eles, a evasão e o abandono escolar, que foram discutidos em audiência pública nesta quinta-feira (26/8), pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, a pedido da vereadora Marcela Trópia (Novo). Foram convidados representantes de secretarias de Educação, professores, integrantes da ONG Vozes pela Educação e da Fundação Lemann. Todos eles defenderam a volta imediata das aulas presenciais para todas as idades e citaram causas, consequências e saídas para os problemas de evasão e abandono. Foram lembradas questões vistas como ligadas ao fechamento das escolas, como desmotivação, problemas de saúde mental/psicológica, atraso ou dificuldades na aprendizagem, aumento da violência contra crianças e adolescentes e do trabalho infantil, assim como a desigualdade no acesso ao ensino, por falta de oferta de tecnologia para educação a distância. Foram citadas, ainda, estratégias para a recuperação da Educação, principalmente a busca ativa dos estudantes, além de financiamento estudantil, preparação de um sistema para recuperação da aprendizagem e criação de uma rede intersetorial de proteção para crianças e adolescentes. Foi reforçado que os níveis de abandono e evasão são muito piores nas classes sociais desfavorecidas. Confira os demais itens em pauta e o resultado completo da reunião.

O primeiro convidado, o professor da Insper, Ricardo Paes de Barros, falou sobre um estudo desenvolvido em parceria com a Fundação Roberto Marinho sobre as consequências econômicas do abando e da evasão escolar, para o jovem e para a sociedade, que resultou no livro “Consequências da violação do direito à educação”. Ele enfatizou que “é mais um documento que tenta calcular [as consequências]”, mas “é claro que a violação do direito à educação fala por si só”, completou.

A pesquisa calculou um prejuízo social de quase R$ 400 mil para cada aluno que evade da escola. O cálculo se baseia na soma de alguns outros números: a pessoa que não estudou vai perder R$ 159 mil em toda a sua vida; segundo estimativa da OMS, quem não estuda também vive em média três anos a menos, o que geraria um gasto de 131 mil reais; a contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB) seria R$ 54 mil menor; por fim, a evasão e o abandono também estariam ligados a estatísticas de aumento da violência pois, se todos os jovens estudassem, haveria menos assassinatos, levando, também, a uma economia de R$ 50 mil. O professor destacou que, enquanto na classe média o índice de não-conclusão do ensino médio é “praticamente zero”, nas classes pobres ele chega a 70%.

Crise educacional: causas, consequências e saídas

A professora da FGV Cláudia Maria Costin explorou os obstáculos vividos pela comunidade escolar, especialmente num período de pandemia, e as políticas públicas para mitigar o que ela chamou de “a maior crise educacional na história, no mundo e no Brasil”. Cláudia Costin e todos os outros convidados defenderam a volta imediata das aulas presenciais para todos, seguindo diretrizes e protocolos de segurança. A professora conceituou a diferença entre abandono e evasão. Respectivamente, se referem ao aluno que deixa de frequentar a escola por um ano letivo e retorna no seguinte, e ao estudante que nunca volta.

Entre as causas aventadas para os dois problemas estão desengajamento ou desinteresse, distorção idade-série, necessidade de trabalhar ou cuidar de irmãos menores, vergonha frente a gravidez ou preconceitos recorrentes de colegas (inclusive bullying) e mudança do local de habitação. Relacionando-se a todas essas causas, foi destacado que o aluno muitas vezes pode "sentir que não consegue aprender". A convidada pontuou ainda que a desconexão da escola com a vida do estudante favorece o abandono e a evasão.

Em relação aos problemas vividos atualmente pela educação, Cláudia Costin citou que houve fortes perdas na aprendizagem após o fechamento das escolas, com baixa conectividade, tanto em casa como na escola; ausência de equipamentos e livros nas casas e intensificação do abandono e da evasão na pandemia (com 1,3 milhão de alunos da educação básica que abandonaram os estudos). Com isso, afirmou que há urgência de se promover iniciativas de busca ativa e preparar um sistema de recuperação de aprendizagem, além de instituir bolsas para jovens vulneráveis socialmente frequentarem as aulas.

Carolina Campos, da ONG Vozes pela Educação, também sugeriu “políticas de transferência de renda” para evitar a evasão e o abandono. Ela explanou um projeto desenvolvido pela Vozes em parceria com a Fundação Lemann e o Instituto Natura, que vem acompanhando a reabertura das escolas estaduais, municipais e privadas, com pesquisa e monitoramento. Também está no escopo do projeto reunir representantes de diversas áreas para pensar numa rede de proteção a crianças e a implantação de estratégias de busca ativa de estudantes em suas casas. Carolina Campos contou que, segundo a Unicef, mais de 2,7 mil municípios brasileiros e 22 estados já aderiram à busca ativa.

Outra representante da ONG Vozes elencou sete principais achados da pesquisa do Datafolha “Onde e como estão as crianças e adolescentes enquanto as escolas estão fechadas?”, realizada em julho de 2021. As famílias perderam renda ou emprego na pandemia (48% delas, chegando a 57% em famílias mais pobres); uma grande parcela das crianças e adolescentes fica desassistida, sem nenhum adulto em casa, pois 43% dos responsáveis trabalham fora e 2/3 desses se ausentam por mais de oito horas; a maioria das  crianças e adolescentes, até junho, tinha aula apenas online, já que somente 34% das escolas haviam reaberto e apenas 60% dos estudantes dessas escolas voltaram às aulas presenciais; crianças não estão matriculadas e/ou que estão trabalhando (6% dos jovens com idade entre 7 e 18 anos estão trabalhando, e a maioria começou em 2021); insegurança alimentar na pandemia, com 34% das famílias afirmando que a quantidade de comida no último ano foi menor que o suficiente; forte impacto na saúde mental de crianças e adolescentes (94% dos alunos apresentaram um ou mais sintomas relacionados à mudança de comportamento durante a pandemia e 34% perderam o interesse pela escola); por fim, entrevistas com jovens de 10 a 15 anos revelou que 75% deles sentem falta das aulas presenciais e 60%, do convívio social e dos amigos.

Secretaria e ações norteadoras

As aulas presenciais em Minas Gerais foram suspensas em 18 de março de 2020 devido à pandemia de covid-19. Em 22 de abril de 2020, resolução da Secretaria Estadual de Educação estabeleceu o Regime Especial de Atividades não Presenciais, tendo como principal recurso didático o Plano de Estudos Tutorado (PET), uma apostila com atividades preparadas de acordo com a modalidade de ensino dos estudantes, que foi entregue impressa aos alunos mais pobres, de acordo com a representante da Secretaria Estadual de Educação, Gláucia Ribeiro, relatando que conseguiram atingir 80% dos estudantes. Como o abandono da escola também está ligado a questões financeiras, foram distribuídos kits de alimentação para todos os alunos da rede e iniciada busca ativa, com diretores buscando alunos de porta em porta. Esses diretores também teriam acesso a um sistema de gestão onde, mensalmente, informam “o estado de aluno por aluno”. A identificação de abandono é dada para os alunos que não devolvem o PET. Quando não consegue fazer o aluno voltar, o diretor é orientado a procurar o Conselho Tutelar.

Com a diminuição do contágio da covid-19, em fevereiro de 2021 foi publicada a Resolução nº 4506/2021, que instituiu o ensino híbrido, com uma semana de aulas presenciais e uma de aula remota, para quem não quisesse aderir ao retorno presencial. A convidada citou, ainda, algumas ações norteadoras desenvolvidas pela Secretaria, como reforço escolar (desde 2020); site de gestão e Sistema Mineiro de Administração Escolar (Simade), para acompanhamento de frequência e desempenho; intervenções pedagógicas para fortalecimento da aprendizagem; programa de correção distorção idade-série. Ela falou, ainda, sobre a necessidade de fortalecer o vínculo entre escola, aluno e família.

Fortaleza como exemplo

A secretária municipal de Educação de Fortaleza, Dalila Saldanha de Freitas, foi convidada pela Comissão como exemplo de sucesso da gestão da Educação diante da pandemia. Ela informou que a Secretaria conseguiu formalizar, com o Ministério Público e o Unicef (2018), uma parceria para uma rede de busca ativa com 1,3 mil agentes. Na plataforma do Unicef foram mapeados os territórios com as maiores taxas de abandono, percentual de mães adolescentes, taxas de homicídio entre 10 e 19 anos de idade, entre outros problemas sociais, resultando na identificação de 11 bairros “com maiores incidências de não retorno” para a busca ativa. Também foi feito o estabelecimento de alguns objetivos estratégicos, como fortalecer a ação pedagógica, estimular o protagonismo infantil, ampliar o atendimento da escola infantil e aumentar o investimento na escola em tempo integral. Além disso, foi criado o Programa Bolsa Nota 10, no valor de R$ 270 por aluno, para incentivar a monitoria escolar.

Combate à desinformação

“Estamos nessa força-tarefa de combate à desinformação. Tem muita gente fazendo [processos de reabertura] e a gente não pode achar que Belo Horizonte é uma bolha”, expressou a solicitante da audiência, Marcela Trópia.

Já a vereadora Macaé Evaristo (PT) salientou, como outros, a diferença entre a realidade de crianças brancas e crianças negras e periféricas: “É preciso construir condições concretas, que passam por programas de transferência de renda associados a políticas educacionais”. Ela criticou o Governo Federal que, segundo ela, “em vez de construir uma articulação (...), trabalha na contramão dos estados e municípios.

A audiência contou com a participação das vereadoras Flávia Borja (Avante), Macaé Evaristo, Marcela Trópia e Professora Marli (PP) e do vereador Rubão (PP).

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública - Para discutir abandono escolar no Município de Belo Horizonte - 26ª Reunião Ordinária - Comissão de Educação

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