Políticas públicas e educação no enfrentamento da violência contra a mulher
Tema foi discutido em audiência pública da Comissão de Mulheres. Convidadas e veradoras trouxeram estatísticas
Foto: Abraão Bruck/CMBH
O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH). Em 2015, o feminicídio foi tipificado como homicídio qualificado e incluído no rol dos crimes hediondos. Para debater o enfrentamento ao feminicídio e à violência contra as mulheres em Belo Horizonte, a Comissão de Mulheres realizou nesta sexta-feira (9/7) audiência pública, a pedido das vereadoras Bella Gonçalves (Psol) e Iza Lourença (Psol). As convidadas e vereadoras falaram sobre a necessidade de criar políticas públicas mais humanitárias e igualitárias de combate ao feminicídio e das altas taxas de mortes de mulheres trans, negras e/ou em situação de vulnerabilidade social. A educação foi apontada como principal instrumento de mudança dessa realidade e o Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência da Câmara Municipal foi citado como um avanço no atendimento a essa população.
Um convênio entre a Polícia Civil, o governo estadual e a Câmara Municipal permitiu a criação, em 24 de maio, do Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência, instalado no Núcleo de Cidadania. A delegada Isabella Franca Oliveira informou que o serviço pode solicitar medidas protetivas, encaminhar para demais órgãos da rede que possibilitem atendimento integral e multidisciplinar, dentre outras ações. Isabella também lembrou a importância de inaugurar a Casa da Mulher Mineira, que atenderá mulheres vítimas de violência. Bella Gonçalves disse que o convênio para a criação da Casa da Mulher foi refeito e que irá solicitar dados sobre ele por meio de pedidos de informação. Ela também pretende retomar a produção de material sobre feminicídio iniciada na legislatura passada, “para ajudar a difundir sobre esses espaços e sobre o ciclo da violência”.
Violência X educação
Membro do Conselho Estadual da Mulher, “inoperante por falta de boa vontade do governo do Estado”, Bárbara Ravena defendeu a volta do funcionamento do órgão e, como Isabella, a inauguração da Casa da Mulher Mineira. A importância da educação como instrumento de mudança da realidade do feminicídio e da violência foi lembrada por ela, assim como a necessidade de um atendimento mais humanizado às mulheres pelos serviços públicos. A conselheira propôs, ainda, a criação de um subsídio para aluguel (com o intuito de que a mulher em situação de vulnerabilidade social possa sair do contato com o agressor), de cursos de capacitação e outras medidas de acolhimento.
Para Beth Fleury Teixeira, do Movimento “Quem ama não mata”, a “educação igualitária” é uma “questão de absoluta urgência”, até porque os homens seriam “resultado de uma educação”. Beth participou de uma pesquisa do Instituto Alban sobre valores e costumes patriarcais e machistas, por meio da observação de grupos de reflexão para homens que cometeram violência contra a mulher. A pesquisa indicou que mais de 44% deles tinham baixa renda e concluiu apenas a educação fundamental: “Esse lugar do letramento é urgente”, ajudando, inclusive, no reconhecimento das violências. O movimento “Quem ama não mata” foi um marco na defesa da mulher. Criado em 18 de agosto de 1980, foi retomado em dezembro de 2018, diante de um momento de “implosão das lutas criadas”, segundo Beth.
“Primar por uma educação que seja transformadora” para a prevenção do feminicídio também foi negritado pela defensora pública e membro da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Minas Gerais, Maria Cecília, para quem o machismo estrutural e a herança patriarcal e escravocrata do Brasil atribuem papéis considerados inferiores para mulheres, enquanto aos homens são destinados os papéis de chefia. Também como outras, ela acredita que “o feminicídio é só um desfecho trágico para um ciclo de violência que se perpetua no tempo”. Muitas vezes, as mulheres já haviam procurado atendimento, mas desistiram por não receber atendimento humanizado nos órgãos. Maria Cecília observou, ainda, a diferença de acesso ao atendimento entre mulheres brancas e negras (as primeiras são a maioria das que procuram a Defensoria, embora as mais atingidas pela violência sejam as segundas).
Mulheres trans
A representante do Movimento Aura de Luta, Julia Santos, mulher trans, considerou o ponto de atendimento um “grande avanço”, mas opinou que muitas mulheres, especialmente trans, não têm acesso a esses instrumentos. Ela também contou que muitas mulheres trans e travestis não se enquadram nos dados de feminicídio porque, quando essas informações são colhidas, as identidades de gênero são negadas. O próprio Estado tem, segundo ela, um “atendimento genitalista”, um SUS que não trata as pessoas com equidade, respeitando suas especificidades. Também faltam casas de acolhimento para as mulheres trans e um atendimento feito por “pares”. Sustentando a necessidade de políticas públicas que permitam às mulheres não-cisgêneras a conquista de todos os espaços sociais, Julia afirmou que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais, enquanto Minas Gerais também ocupa esse lugar entre os estados. Por fim, ponderou que a portaria garantidora do uso do nome social é um instrumento “ainda muito sensível”, sendo necessária a criação de uma norma.
Para Lauana Chantal, da Rede Nacional Feminista Anti-proibicionista, assistente social e doula, ecoando Julia Santos, “o Estado tem que perceber que é o principal violador de direitos”, especialmente de mulheres trans e negras. Ela relatou desinteresse dos políticos, especialmente conservadores, em abrir debate sobre o tema, como discutir as leis do feminicídio e Maria da Penha nas escolas. Principal instrumento para criar políticas de combate ao feminicídio, de acordo com Lauana, o orçamento também não é discutido.
Mulher trans, a vereadora Duda Salabert (PDT) apresentou algumas informações sobre violência contra esse segmento. Duda contou que os assassinatos ocorrem, em sua maioria, em ambientes públicos, ao contrário do que acontece com as outras mulheres. Ela também apontou que 80% dessas mortes foram consumadas com requintes de crueldade. Apesar de afirmar que conseguiu criar algumas atividades e ações via emendas parlamentares, defendeu: “o que nós queremos é política pública”. Dentre elas, citou a necessidade de criação de um abrigo para mulheres trans.
União
A vereadora Professora Marli (PP) considerou que “o desafio de ser mulher é muito grande” e é necessário “melhorar a vida de todas as mulheres”, independentemente de cor, classe social ou qualquer outra distinção.
Iza Lourença, uma das requerentes da audiência, afirmou que 66% das vítimas de feminicídio são mulheres negras, sendo necessário “espaço para elaborar, falar das realidades e avançar nessa questão tão importante”.
Apesar de diferentes formas de entender a questão, a necessidade de união de todas as mulheres foi lembrada por quase todas as parlamentares durante a audiência, que contou com a presença de Bella Gonçalves, Fernanda Pereira Altoé (Novo), Flávia Borja (Avante), Iza Lourença, Macaé Evaristo (PT) e Professora Marli, além da ex-vereadora Cida Falabella.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional