Indígenas sofrem invisibilidade e falta de acesso à saúde e à educação
Pouca articulação entre políticas e informações de níveis municipal, estadual e federal atrapalham a chegada de benefícios
Foto: Abraão Bruck/CMBH
Maior vulnerabilidade à pandemia da covid-19, falta de acesso à saúde e educação e de visibilidade foram os principais problemas relatados por representantes da população indígena de Belo Horizonte e apoiadores em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (7/6). Proposta por Duda Salabert (PDT), a reunião teve o objetivo de discutir a importância da preservação e valorização da cultura indígena em Belo Horizonte, que soma 7 mil indígenas de acordo com o IBGE. Representantes da Prefeitura anunciaram ações de reconhecimento dessa população, como suporte para participação em editais de incentivo à cultura e em caravanas, além do lançamento de um jardim etnobotânico e da realização de inventário indígena. A Secretaria Municipal de Educação informou que está mapeando as dificuldades de estudantes quilombolas e indígenas com o ensíno à distância, além de construir núcleos de estudos de relações étnico-raciais.
População e demandas não reconhecidas
A integrante do Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas e do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir) Avelin Buniacá Kambiwá mencionou os principais problemas enfrentados pela população indígena da capital mineira, especialmente atingida pela pandemia de covid-19, além da dificuldade no acesso à educação e de participar de editais culturais devido à oralidade, enfatizando a necessidade de união entre essa população e os povos africanos, que também enfrentam percalços. Avelin questionou o número de indígenas contabilizados pelo IBGE, afirmando acreditar que existam efetivamente entre 3 a 5 mil desse grupo na cidade. Ela acredita que um levantamento detalhado poderá facilitar a implementação de políticas públicas.
Outra representante do Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas Maria Flor Guerreira defendeu a formação de crianças indígenas que lidam com artesanato, além de ressaltar a invisibilidade pela qual passa a etnia. “Sofremos fake news a vida inteira pois não pudemos escrever a nossa história e não tivemos oportunidade de nos defender”, ponderou Maria Flor, defendendo o estímulo ao surgimento de novos escritores indígenas.
Representantes de indígenas brasileiros, como Merong Kamakã, solicitaram a utilização de barracas e pontos de venda com proteção para chuva na Praça da Liberdade e na Feira de Artesanato e Artes de Belo Horizonte. Conselheira municipal de Iguldade Racial, Irene Flores pediu que fosse criado um lugar para disseminar cultura, música e dança.
Mortalidade e violência
Duda Salabert ressaltou a importância de fortalecer e criar políticas públicas para os povos indígenas no contexto urbano em BH e enfatizou a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) em priorizar a vacinação dos povos indígenas contra a covid-19. A vereadora disse que está articulando a vacinação dos indígenas junto à Secretaria Municipal de Saúde e à Procuradoria-Geral do Município. Duda também anunciou que o Projeto de Lei 72/2021, de sua autoria, que propõe a Semana Municipal dos Povos Indígenas entre os dias 9 e 15 de agosto, poderá ser votado pelo Plenário em 1º turno nas próximas semanas.
A maior vulnerabilidade dessa população diante da crise sanitária foi apontada pela deputada estadual e integrante da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas Ana Paula Siqueira (Rede). Ela citou estudo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira segundo o qual a taxa de mortalidade entre os indígenas da Amazônia Legal é 150% maior do que a média nacional. Em referência a estudo do Centro de Documentação Eloi Ferreira, a deputada afirmou que foram contabilizadas 19 etnias indígenas em Minas Gerais e que a educação estadual desse grupo, prevista pela Lei de Diretrizes e Base (Lei 9394/1996), foi descuidada. Ela ainda apontou falhas na política federal, “que fez um grande desserviço em relação às reservas dos territórios indígenas na pandemia”.
Macaé Evaristo (PT) denunciou a violência pela qual os indígenas têm sido vítimas recentemente: “são brutalmente perseguidos em seus territórios e nos territórios urbanos”, afirmou. A vereadora complementou que as histórias africana e indígena estão sendo silenciadas, e que “o estado brasileiro não nos compreende no contexto da República”. E concluiu reivindicando uma educação específica e diferenciada, com alteração de currículos escolares para a construção de um país plural.
Bella Gonçalves (Psol) disse estarmos vivendo um capítulo histórico de genocídio, com inúmeros ataques aos quilombos e aos indígenas. “O modo capitalista heterossexual e patriarcal vigente faz com que os direitos sejam negados no espaço urbano”, afirmou, acrescentando a necessidade de “reafirmar as lutas históricas pelo direito cultural dos povos indígenas”.
Articulação entre os entes federados
O coordenador da Fundação Nacional do Índio em Minas Gerais (Funai/MG), André Sucupira, ressaltou a necessidade de articulação entre as iniciativas e estudos municipais, estaduais e federais. O agente de indigenismo do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes) Pablo Matos afirmou que os indígenas são uma população que acessa parcamente seus direitos e que “essa audiência é um marco na articulação para que ela consiga acessá-los”. Eles afirmaram que a falta de interlocução entre políticas públicas e ações municipais, estaduais e federais é uma das causas da descontinuidade de políticas voltadas para estes povos.
O representante da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB) Gilberto Silva Pereira se prontificou a colaborar na luta pelos direitos dos indígenas em questões como artesanato e vacina. O coordenador do Projeto de Pesquisa e Extensão Morar Indígena e professor de arquitetura e de Formação Intercultural Educadores Indígenas na Faculdade de Educação da UFMG, Adriano Mattos, afirmou que presença do tema indígena na universidade é tímida e poderia ser ampliada.
Perspectivas na cultura e na educação
O secretário municipal adjunto de Cultura, Gabriel Portela, afirmou que a Secretaria Municipal de Cultura preza pelo preza o diálogo desde a sua criação, em 2017, e que a cultura indígena faz parte da agenda municipal. Gabriel explicou que, com a retomada da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, a secretaria vem buscando fortalecer a formação para que os povos indígenas possam participar dos editais e também das Caravanas Culturais e da Escola Livre de Artes. Entre outras ações de reconhecimento, ele citou o Projeto Jardins do Sagrado, feito parceria com a UFMG, que irá implementar um jardim etnobotânico com plantas sagradas de matriz africana e indígena no Parque Lagoa do Nado, em parceria com a Fundação Zoobotânica. Além disso, mencionou o inventário indígena de Belo Horizonte, proposto por Áurea Carolina (Psol), que está em gestação, com tratativas com o Ministério do Turismo. “Estamos abertos para avançar”, assegurou.
A diretora de Patrimônio Cultural e Arquivo Público da Fundação Municipal de Cultura, Françoise Jean de Oliveira Souza, disse que o inventário da presença indígena estará pronto para licitar em cerca de dois meses e tem previsão de término no final de 2022. “Vamos realizar um seminário com a sociedade e os indígenas para fazer propostas de políticas públicas”, garantiu. Ela explicou que a Prefeitura vem tentando superar a política de patrimônio histórico e artístico “pautada nas culturas da elite branca, ocidental, machista”, com outro entendimento de patrimônio cultural, “buscando aquilo que é diverso e dando voz aos quilombos, congadeiros, e às culturas cigana e indígena”.
A diretora de Políticas para a Igualdade Racial, Makota Kizandembu, explicou que a Prefeitura está aguardando diretriz federal sobre a determinação do STF de vacinação dos povos indígenas, e defendeu o Plano e o Conselho Municipais de Promoção da Igualdade Racial. “O racismo está muito bem estruturado na sociedade brasileira e é em conjunto que iremos vencê-lo”, assegurou.
Membro da Gerência das Relações Étnico-Raciais/Diretoria da Educação Inclusiva e Diversidade Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação, Mara Catarina Evaristo mencionou as Leis Federais 10.639/2003 e 11.645/2008 que asseguram o ensino de conteúdos afro-brasileiros e indígenas nas escolas brasileiras. Mara afirmou que a Secretaria Municipal de Educação está mapeando as dificuldades de estudantes quilombolas e indígenas com o ensíno à distância, além de construir núcleos de estudos de relações étnico-raciais.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional