Em audiência, convidados pedem prorrogação do abono pecuniário para famílias
Benefício foi concedido em caráter provisório a famílias que tiveram de deixar Ocupação Marielle Franco e prédio na Rua Guaicurus
Foto: Karoline Barreto/CMBH
Incerteza e medo foram palavras muito destacadas por convidados durante audiência realizada nesta segunda-feira (15/3) pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. O debate versou sobre a concessão do benefício do Programa Bolsa Moradia, na modalidade abono pecuniário, às famílias moradoras de ocupações urbanas removidas; bem como as possibilidades de avanço na política para atendimento das famílias em casos de remoção. No valor de R$ 500, o abono foi concedido provisoriamente a famílias da Ocupação Marielle Franco (Bairro Planalto) e das que foram removidas de edifício abandonado localizado na Rua Guaicurus (Região Central de Belo Horizonte). As famílias beneficiárias temem por seu futuro com o fim do auxílio, no próximo abril. A vereadora Bella Gonçalves (Psol), que requereu o debate, prometeu apresentar indicação na próxima reunião para a prorrogação do auxílio pecuniário dessas famílias, assim como pedido aos Conselhos de Assistência e Habitação para debater critérios do auxílio pecuniário.
Segundo a justificativa da audiência, em 4 de novembro de 2020, os moradores da Ocupação Marielle Franco tiveram que deixar suas casas por conta de incêndio ocorrido no prédio. Em situação de extrema vulnerabilidade, as famílias reivindicaram do Executivo o atendimento pela Política Municipal de Habitação, considerando que foram removidas pelo fato de terem sido vítimas de calamidade e se encontrarem em risco. Assim, receberam o benefício do abono pecuniário.
Ainda segundo o pedido, no dia 24 de novembro de 2020, famílias que ocupavam um prédio abandonado na Rua Guaicurus foram abordadas por agentes municipais e informadas da necessidade de desocupação do prédio, com o argumento de que ele pertenceria ao governo municipal. Ao fim de muitas resistências e negociações, essas famílias também receberam o abono.
Entretanto, Bella indicou que “o mandato acompanhou ambos os casos e vem dialogando com os movimentos populares que acompanham as famílias e expressam sua preocupação com a cessação do benefício, sem perspectiva de uma alternativa de solução definitiva de moradia, especialmente no contexto ainda de pandemia”.
População de rua
“O que vai ser depois de acabar esse benefício? Eu vou ter que ir pra uma instituição, pra um abrigo?”, questionou Alessandra Martins, moradora de ocupação e representante do Movimento Nacional da População de Rua. Ela afirmou haver uma mesa de conciliação marcada para o próximo dia 29, mas teme voltar para a rua: “são milhares de pessoas”.
O medo de voltar para a rua, com todos os seus riscos e violências, também assusta Aparecida Lara Lopes, a última pessoa a ser retirada da ocupação na Rua Guaicurus. Os três meses oferecidos pela PBH para a desocupação foram prorrogados por seis, quando todos foram retirados e alojados em uma pousada na Rua Espírito Santo, até o recebimento do auxílio pecuniário. Com o fim do abono, serão 14 famílias que podem voltar para as ruas. “A gente só quer um cantinho para gente trabalhar, chegar e dormir”, resumiu.
“A gente sofreu um despejo forçado”, denunciou a ex-moradora da Ocupação Marielle Franco, Dayana Amaral de Araújo Lages. De acordo com ela, a Urbel defende que a responsabilidade acerca da situação das famílias retiradas é da promotora que fez o acordo, Cláudia Amaral.
“Se auxílio for encerrado, você tem pra onde ir?”, perguntou Bella Gonçalves a Deodeth Dias, que morava na Ocupação Marielle Franco, que respondeu: “Só pra rua mesmo”, acrescentando que não tem emprego e é do grupo de risco.
Defesa irrestrita
Representante da Pastoral de Rua, Claudenice Rodrigues Lopes, que acompanhou o caso da Rua Guaicurus, relatou que o grupo tinha vários idosos, crianças e pessoas adoecidas. Segundo ela, a Urbel ofertou, a princípio, o auxílio por dois meses e, após diálogo, prorrogou por mais seis meses, que vencem em maio deste ano. Claudenice expressou, como outros, a sensação de incerteza e insegurança quanto ao futuro dessas pessoas - especialmente as que estão em situação de rua - e, assim como vários outros convidados, a representante pediu que elas não fossem desligadas após esse período e ressaltou a necessidade de terem acesso a um “acompanhamento profissional mais direto” das políticas sociais.
A quase unânime defesa da manutenção do benefício foi apoiada também pela defensora pública especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, Cleide Nepomuceno, que informou haver uma “ação ajuizada” sobre a Ocupação Marielle Franco. Como outros, lembrou que a rua é um “ambiente perigoso e violento”, que o contexto de pandemia dificulta a conseguir moradia e que os beneficiários “não podem prescindir desse auxílio pecuniário agora nesse contexto”.
Para Ednéia Souza, do Movimento Nacional de Luta por Moradia e membro do Coletivo Habite a Política, o abono pecuniário é uma solução de “atendimento urgente, sem muita burocracia, e que poderia facilitar soluções coletivas”, sem a necessidade de comprovação de critérios exigida pelo Bolsa Moradia, além de poder ser usado também nas despesas da casa onde se for morar. Apesar de considerar o instrumento “interessante”, ela ressaltou que, quando o tema começou a ser discutido, não havia a questão da pandemia, com suas consequências (perda de emprego e renda, aumento da pobreza e da população em situação de rua etc). Além disso, as iniciativas de ajuda de movimentos sociais nas favelas teriam diminuído nesse período. Por fim, para ela, a partir no início deste ano, a Prefeitura teria mudado “alguma lógica da distribuição de cestas básicas”, o que faria com que muitas famílias estivessem sem receber as cestas. Edineia também pediu à Urbel e à Prefeitura para flexibilizar período de pagamento do auxílio pecuniário e afiançou que o tema está sendo discutido no Conselho Municipal de Habitação.
O auxílio pecuniário se transformar em ajuda permanente, até inclusão no Bolsa Moradia, foi uma medida defendida por Bruno Cardoso, do Movimento de Libertação Popular, que acompanhou o caso da Ocupação Marielle por três anos, chegando a citar que pode ter sido um caso de “incêndio criminoso, “já que não conseguiram despejar judicialmente”. Para ele, o abono é uma política boa e rápida, mas “precisa ser uma política provisória”. O representante também criticou o valor de R$500, citando que há pessoas sendo despejadas porque o auxílio não é suficiente para pagar água e luz, por exemplo.
Assim como Bruno, a promotora de justiça Cláudia Amaral entende que a falta de atendimento das famílias citadas vai implicar em outra ocupação “em algum lugar da cidade”. Ela contou que, por meio de uma intervenção junto à Urbel e à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, foram dados seis meses, prorrogados por mais seis, para “um trabalho efetivo de soerguimento dessas famílias”, de acordo com a Resolução 42 do Conselho Municipal de Habitação, a qual regula a provisão habitacional. Segundo Cláudia, a partir do perfil socioeconômico das famílias pode-se fazer a migração de um programa para outro.
Cláudia citou ação judicial proposta para a Defensoria Pública para garantia da inclusão definitiva das famílias da Ocupação Marielle Franco na proposta de provisão habitacional. Com relação à ocupação da Guaicurus, disse que um dos critérios utilizados na legislação para não obrigar a desocupação era de que as famílias atendidas fossem ocupantes do imóvel por período mínimo de 12 meses: “Era uma ocupação extremamente recente”. Ela afirmou, ainda, que a temporalidade do abono pecuniário está prevista no decreto do abono (entretanto, o texto do decreto não cita datas ou períodos específicos).
Urbel e Secretaria
Ana Flávia Martins, representando a Urbel, explicou que a evacuação do prédio da ocupação Marielle Franco “não aconteceu por determinação ou vontade da Prefeitura”. Segundo ela, a população foi atendida com base no inciso XXII da Resolução 52, que trata de “conflitos fundiários”, e está sendo feita uma avaliação assistencial das famílias, a ser concluída em março, para prorrogação do benefício. Além disso, a representante da Urbel explicou que o compromisso da companhia foi de “abrigamento provisório”, não sendo repassado atendimento pelo Programa Minas Casa, Minha Vida. O diretor de Habitação da empresa, Aderbal Freitas, explicou que o perfil das famílias demandava “acompanhamento humanitário”, não se enquadrando em áreas de risco ou Zonas de Especial Interesse Social (Zeis), e o atendimento a elas foi ancorado no atendimento emergencial ou temporário para situações que envolvem conflitos fundiários.
Perguntado por Bella Gonçalves sobre possibilidade de extensão do benefício a partir do agravamento do contexto pandêmico e sobre a confusão feita entre os termos “temporário” e “emergencial”, Aderbal respondeu que as situações de atendimento emergencial são as que envolvem risco, como incêndios, e que o Conselho Municipal de Habitação define como atribuições dele “qualquer perspectiva de migração de emergencial para temporária”, sem explicitar a diferença entre os termos. Ele colocou a Urbel à disposição “para debater a situação estrutural”, “com certo cuidado”.
Bruno Cardoso, do Movimento de Libertação Popular, contou que houve um compromisso da Prefeitura de que as famílias seriam incluídas “numa política permanente”, mas “depois a Urbel desconversou”.
“Temos um acordo firmado a assinado entre todas as partes”, garantiu o representante da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, José Cruz, negando o não atendimento. Segundo ele, uma das primeiras ações da secretaria foi georreferenciar as famílias nos seus territórios e nos serviços próximos às residências (como Cras e Creas). Ele também contou que solicitou à equipe um relatório sobre as famílias, tanto em relação à assistência social como à área da saúde: “estão sendo feitas avaliações mesmo no contexto da pandemia”. O gestor também garantiu que as cestas básicas estão sendo entregues e pediu que famílias dentro dos critérios e sem atendimento procurem os serviços sociais ou especializados, ou as regionais.
Prorrogação e critérios
Bella Gonçalves informou que, na próxima reunião da comissão vai apresentar indicação para a prorrogação do auxílio pecuniário das famílias que deixaram a Ocupação Marielle Franco e o prédio na Rua Guaicurus, “em função do contexto pandêmico e não estruturação da vida dessas famílias”. A parlamentar também vai fazer indicação aos Conselhos de Assistência e Habitação para debater critérios do auxílio pecuniário.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional