GALBA VELLOSO E RAUL SOARES

Profissionais denunciam fechamento abrupto de unidade e desassistência na cidade

Extinção atenderia a política da PBH que não pretende mais pagar por internações psiquiátricas. Em março 115 leitos foram fechados

segunda-feira, 21 Setembro, 2020 - 16:30

Foto: Abraão Bruck/CMBH

O fechamento do Hospital Psiquiátrico Galba Velloso no último mês de março com a justificativa de que a unidade atenderia a pacientes da Covid-19 parece ser apenas a ponta do iceberg de um impasse já posto entre a Coordenação da Saúde Mental da PBH e trabalhadores da área na cidade. Em reunião realizada na manhã desta segunda-feira (21/9), no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura a extinção de leitos na cidade, profissionais denunciaram como uma violação aos Direitos Humanos o encerramento do serviço de internação para os pacientes psiquiátricos graves.

Transferência forçada, transporte em vans e violação de direitos

O Hospital Galba Velloso foi criado em 1961 e iniciou o ano de 2020 com cerca de 90% de seus 115 leitos ocupados. Segundo Dagmar Abreu, psiquiatra na unidade, logo no início da pandemia do coronavírus a instituição foi notificada da necessidade de diminuição da ocupação de seus leitos, a fim de se preparar para receber pacientes psiquiátricos positivos para a Covid-19.  

Após a redução, entretanto, qual não foi a surpresa da equipe de psiquiatras, técnicos e enfermeiros, ao receberem no dia 23 de março, via WhatsApp, a  determinação de realizar a imediata transferência, para o Instituto Raul Soares, dos 12 pacientes que lá estavam. A justificativa dada aos trabalhadores era de que a baixa ocupação dos leitos tornaria a unidade uma retaguarda para os casos de Covid-19 na cidade, após uma rápida reforma. Questionando o ocorrido, os trabalhadores lembraram que assim como o Hospital de Campanha, o Galba Velloso nunca recebeu nenhum paciente de Covid-19.  “Ele ficou fechado todo este tempo. Começaram a reforma agora no dia 31 de agosto, depois da criação desta CPI”, relatou a enfermeira Maria Laura de Oliveira.  

A enfermeira, aliás, guarda apenas memórias tristes do dia do fechamento da unidade. Com o prazo de apenas 48 horas para fazer a remoção de todos os pacientes, e sem informações mais detalhadas sobre os motivos do fechamento do hospital, parte dos trabalhadores procurou a diretoria em busca de respostas, quando foram informados, entretanto, de que a decisão já estava tomada, e que qualquer questionamento deveria ser feito à Fhemig, entidade que gerencia o hospital. “Me marcou muito os dois últimos pacientes. Eles não queriam ir. Um dizia: amanhã eu vou, hoje não. E o outro foi tirado da mesa na hora do jantar. Deixou o prato lá, e foi levado às pressas para a van”, lembrou com indignação.

Ainda segundo Maria Laura, o transporte dos pacientes para o Raul Soares feito por vans, sem o acompanhamento dos profissionais de saúde, feriu gravemente as recomendações da legislação que prevê que pacientes clínicos sejam transportados em ambulâncias devidamente equipadas com suporte técnico e infraestrutura. “Muitos foram transferidos contra a vontade deles. Sem alta médica, sem relatório. Desde o primeiro até o último paciente houve violação de direitos”, desabafou.

Falta de interesse da PBH, Cersam e judicialização

A violação de direitos, aliás, é um ponto convergente entre os profissionais ouvidos nesta manhã. Para a psiquiatra Paula Aparecida Gomes, que trabalha na unidade, o fechamento dos leitos está privando o paciente psiquiátrico de BH de um atendimento de qualidade e universalizado. Para a médica, embora o Galba Velloso tenha a gestão da Fhemig, que é do Governo do Estado, em reunião com o dirigente da entidade, Fábio Baccheretti, o mesmo deixou claro que a extinção dos leitos aconteceu em decorrência da decisão da PBH de não mais pagar pelos leitos psiquiátricos. “Eu já passei em dois concursos lá (na PBH) e não assumo por causa dessa política deles (PBH) de ser contra a internação que está preconizada na legislação mundial; e também pela prescrição à distância feita nos Cersans, e que é contra a conduta médica”, declarou.

Os procedimentos citado por Paula Gomes estão previstos nas orientações da Coordenação da Saúde Mental da Prefeitura, que prevê que os atendimentos da saúde mental sejam feitos nas unidades do Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam). Nos Cersams, oito atualmente na cidade, o paciente é tratado na perspectiva da reintegração social, a partir da estabilização do quadro clínico. Segundo a psiquiatra, o espaço não tem acompanhamento médico integral e no período noturno há casos de pacientes que acabam pernoitando, mesmo sem equipe especializada. “Eles (PBH) falam que não é internação, mas é. E o pior, é internação sem infraestrutura. Não são todas as unidades que têm médicos, e se precisar de algum medicamento isto é feito via prontuário eletrônico. Isso é crime. Precisa investigar”, denunciou.

Para a psiquiatra, que atribui à política de desospitalização a precariedade dos leitos de psiquiatria na cidade, a dificuldade vem principalmente da condução da gestão que caminha nos passos do movimento da luta antimanicomial, iniciada no fim dos anos de 1990, e que na primeira década do ano 2000 fechou centenas de manicômios em todo o país. Para Paula Gomes, entretanto, esta posição já se revestiu de algo ideológico, deixando para trás desassistência e judicialização. “Fernando Siqueira (coordenador da Saúde Mental da PBH) é altamente antimanicomial, e tem várias falas em lives contrárias à internação, que é um atendimento mundialmente preconizado, porque em algum momento o paciente precisa de internação”, argumentou a psiquiatra, lembrando que em BH vários são os casos em que a internação é conseguida apenas compulsoriamente, via judicial, por meio da Promotoria da Saúde Mental do Ministério Público de Minas Gerais.

Instituto Raul Soares, aumento da população de rua e carcerária

Para o psiquiatra Diego Tinoco Rodrigues, a violação aos Direitos Humanos também está claramente caracterizada. Declarando participação na reunião na condição de médico e cidadão, Rodrigues defendeu o tratamento humanizado existente nos Hospitais Galba Velloso e Raul Soares, e lembrou que a psiquiatria é um ramo médico inserido no Sistema Único de Saúde (SUS). “O SUS fala em universalidade para os pacientes, desde a consulta até a internação. E a Lei 10. 216 fala em três tipos de internação. Ela não fala em acabar com a internação”, argumentou.

Ainda segundo Rodrigues, outra violação de direitos estaria em andamento com a superlotação do Instituto Raul Soares que hoje não consegue receber mais nenhum paciente e trabalha na sua capacidade máxima no leito feminino. “O Galba tinha 115 leitos e o Raul tem 76. Como é possível o Galba fechar e levar os pacientes para o Raul, que tem uma capacidade muito menor? Isso vai contra a Constituição que garante o acesso universal à saúde. Para onde vai o paciente de BH que precisa de internação”?, questionou.

De acordo com o psiquiatra, é muito difícil acompanhar este déficit de leitos na cidade porque a psiquiatria não é regulada pela Central de Leitos da Secretaria Municipal de Saúde, então não existem dados sistematizados. De acordo com Rodrigues, em 2017 uma pesquisa do Governo Federal apontou um aumento importante nos índices de suicídio e do número da população em situação de rua e também carcerária, o que teria sido associado ao fechamento de 1800 leitos psiquiátricos ao longo dos últimos 20 anos em todo o país. “Esta situação culminou na edição de uma portaria com novas orientações”, explicou Rodrigues, dizendo ainda que em 2019 a PBH teria deixado de receber o repasse de cerca de R$ 2 milhões do Governo Federal por ausência de informações sistematizadas sobre a assistência.

Na audiência não houve presença de representantes da Prefeitura Municipal. Para os vereadores presentes, as denúncias são graves e requerem maior aprofundamento, a fim de esclarecer a relação entre PBH e Fhemig, bem como os termos do contrato de Cooperação Técnica mantido entre as entidades que prevê o repasse de cerca de R$ 829 milhões.

Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

3ª Reunião - Comissão Parlamentar de Inquérito: Extinção de leitos psiquiátricos - Reunião com convidados para discutir a extinção de leitos para internação de pacientes com quadro psiquiátrico grave no Hospital Galba Velloso