CULTURA NA PANDEMIA

Buscando a retomada segura, sociedade discute alternativas para o setor cultural

Vereadores e PBH participaram do debate para criação de protocolos sanitários, uso de recursos da Lei Aldir Blanc e investimentos na cultura

quinta-feira, 24 Setembro, 2020 - 16:30
Tela de computador exibindo videoconferencia

Foto: William Delfino/CMBH

“O setor cultural foi o primeiro a fechar e será o último a abrir por causa da pandemia”. A sentença já parece um destino traçado para muitos que trabalham na área. Preocupados com o destino do setor, artistas e produtores culturais buscam por protocolos sanitários seguros que deem, aos que vivem da cultura, condições para voltar às suas atividades, preservando a saúde de artistas, técnicos e público. Com esse objetivo, a Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo promoveu, nesta quinta-feira (24/9), audiência pública que contou com a participação de diferentes agentes do setor. Além dos vereadores, o debate contou com a presença de integrantes de várias organizações culturais e representantes da Prefeitura, nas áreas de Saúde, Planejamento e Cultura.

“O trabalho é intenso, e todo mundo está aprendendo um pouco neste momento, em que é fundamental entender a diversidade dos espaços culturais e reconhecer que cada um merece um olhar próprio”, afirmou Marcelo Bones, diretor de articulação institucional da Secretaria Municipal de Cultura. De acordo com informações da pasta, foram criados seis grupos de trabalho que estão investindo na definição dos protocolos para cada uma das áreas, que incluem cinema, teatro e museus, entre outros. Conforme o secretário adjunto de Cultura, Gabriel Portela, tudo está sendo feito em conjunto, para que os novos procedimentos respeitem a diversidade e a riqueza da cultura em BH. “Convidamos pessoas que atuam na área criando protocolos que pensem na segurança sem fugir da realidade. Além de formar grupos para estudar estes protocolos, recebemos experiências de outras instituições. Em maio mapeamos como alguns países estão lidando com a questão”, afirmou o gestor, lembrando a importância econômica do setor, principalmente para BH.

A participação coletiva e a preocupação com a saúde da população também foram destacadas pelo secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, André Reis. Segundo ele, tudo é feito de forma conjunta e respeitando os protocolos sanitários. “Antes de publicar (os protocolos), o material é deixado para consulta no site, e a vigilância sanitária estabelece regramentos detalhados com linhas que não podemos avançar”, explicou Reis contando que BH tem a segunda menor taxa de mortes por Covid-19 por 100 mil habitantes entre as capitais brasileiras, perdendo apenas para Florianópolis.

Retomada de feiras

Com a reabertura, prevista para o próximo final de semana, da Feira de Arte e Artesanato da Avenida Afonso Pena e o funcionamento, já liberado, de bares e restaurantes, uma pergunta circula entre quem ainda não teve a liberação das atividades: por que alguns setores voltaram e outros não? Ana Gusmão, do setor de Casas de Espetáculo, fez este questionamento e afirmou que é “importante entender que o setor cultural está organizado e pode voltar”.

Para o infectologista Carlos Starling a reabertura tem que respeitar alguns procedimentos próprios de locais onde a aglomeração era regra. O maior distanciamento possível, o uso de máscaras e a testagem de artistas podem ser algumas das iniciativas importantes para se evitar o contágio. “O uso de máscara é uma das armas de que dispomos. Para se ter ideia, em uma hora, a pessoa sem máscara, a 1 m de distância, tem praticamente 100% de chances de contágio”, afirmou Starling, comparando os eventos artísticos ao futebol, que faz testagem de todos os jogadores antes das partidas. Apesar da comparação, o médico faz uma observação. “É possível testar os artistas? Nem sempre, pois é caro”.  O médico disse ainda que a PBH está trabalhando intensamente para encontrar o melhor caminho para a reabertura. “Estamos atentos às possibilidades de retorno, principalmente em áreas livres, a céu aberto”.

Tuca Pinheiro é integrante do Conselho Municipal de Política Cultural. Para ele é importante pensar a reabertura com toda segurança. “Já que cultura é vida, precisamos trabalhar para que sempre seja preservada a vida. É fundamental pensar nesta reabertura de forma ampla mas sempre preservando a vida”, afirmou. O diretor de teatro Pedro Paulo Cava também defende o cuidado com a vida de todos. “Não sei se os teatros devem abrir com essa pressa toda. Como vamos fazer para colocar público em um teatro que tem ar condicionado se o vírus está no ar? Fiz 70 anos e se me perguntarem se quero ir ao teatro hoje digo que não quero. Sou do grupo de risco”. Ele defendeu ainda que o mais correto a se fazer é começar pelos espaços abertos. “Por que não usar a verba da Lei Aldir Blanc para contratar espetáculos para apresentações em área livre? Creio ser o mais seguro e garantiria a sobrevivência de muita gente e a alegria do público”, sugeriu.

Aldir Blanc

Promulgada em 29 de junho de 2020, a Lei nº 14.017, reconhecida como Lei Aldir Blanc, foi criada com o intuito de promover ações para garantir uma renda emergencial para trabalhadores da Cultura e manutenção dos espaços culturais brasileiros durante o período de pandemia da Covid‐19. Segundo Gabriel Portela, Belo Horizonte contará com R$ 16 milhões em repasses do Governo Federal. “Estamos trabalhando para executar da melhor forma possível e em tempo recorde o valor repassado. Deste valor, cerca de R$ 12 milhões serão usados em apoio aos espaços culturais que vão ajudar a pagar as contas”, destacou o secretário adjunto.

O gestor cultural e um dos fundadores do Movimento de Espaços de Teatro e Dança, Rogério Gomes, vê a importância da Lei Aldir Blanc e da correta utilização dos recursos, mas crê que somente ela não vai resolver o problema. “A lei é fruto de uma luta importante, mas entendemos que ela é um tapa buraco. Por isso é fundamental estudar o uso de recursos para a implementação destas novas determinações dos protocolos de saúde”, disse Gomes. Segundo ele, os espaços alternativos têm especificidades que devem ser respeitadas.

Especificidades que também preocupam os técnicos que trabalham no setor. Segundo Marina Arthuzzi, representante da Multicabo, Movimento dos Técnicos de Espetáculos, os protocolos devem pensar neste grupo. “As jornadas para montagem dentro dos espaços são altas e isso deve ser levado em consideração. Precisamos ter acesso a informações corretas. Além da implementação do protocolo é preciso pensar em fiscalização. O poder público vai ajudar a implementar as mudanças e fiscalizar?”, perguntou Arthuzzi.

Arte e religiosidade

Outro tema importante tratado na audiência pública é a situação dos terreiros e das Guardas de Congado. Realizados em sua maioria em espaços pequenos e particulares, as celebrações das religiões de matrizes africanas enfrentam dificuldades para o retorno. “Cultura é tudo, e sou uma mulher do Axé. Venho de um espaço onde se faz cultura em menos de 10 m². Não tem como fazer distanciamento nos nossos terreiros e guardas. O povo quer tocar seus atabaques, cantar e louvar. Os nossos espaços são privados e de uso coletivo. Esses protocolos de retomada têm que levar essas questões em consideração. Além do mais, somos de uma religião extremamente afetiva, de toque e de abraços. Trago muito mais preocupações pois precisamos de ajuda para pensar esta retomada pra nós. Estamos nos fundos dos quintais por causa do racismo que está aí”, afirmou Makota Celinha, representante do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira – CENARAB.

Segundo o secretário André Reis, esta é uma questão que deve ser discutida já. “Precisamos construir isso juntos, Makota. Pensar e construir. Sei da importância dos terreiros e acho que vamos ter que começar a pensar na utilização das ruas. Vamos passar por um momento de desregulamentação dos espaços públicos para que eles possam ser ocupados”, explicou André.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir os protocolos sanitários propostos pela PBH para a retomada das atividades artísticas e culturais no município - 25ª Reunião Ordinária - Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo