Entidades cobram ampliação da assistência e moradia para população de rua
Canto da Rua, que acolhe a população de forma emergencial, fecha suas portas no fim do mês. Banheiros e hospedagem são preocupações
Foto: Abraão Bruck/CMBH
A hospedagem de 120 pessoas, a disponibilização de banheiros e a maior transparência dos dados epidemiológicos da população infectada estão entre as demandas apresentadas na manhã desta terça-feira (25/8) durante reunião realizada no âmbito da Comissão de Especial de Estudo - Enfrentamento da Covid-19 para debater a adoção de medidas permanentes para o acolhimento de pessoas em situação de rua. O encontro, que contou com a participação de representantes da Pastoral do Povo de Rua, do Programa Pólo de Cidadania, do Movimento Nacional de População de Rua e da PBH, por meio da Secretaria de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), debateu também a implementação de um plano de contingência para o enfrentamento da pandemia, bem como o tratamento dos dados epidemiológicos relativos à população de rua na cidade.
Banho e hospedagem
Em funcionamento na Serraria Souza Pinto desde o mês de maio, e atuando de forma emergencial no acolhimento da população em situação de rua durante a pandemia, o Canto da Rua, frente humanitária liderada pela Pastoral do Povo de Rua, irá fechar as portas no próximo dia 31. O espaço, que oferta banheiros para higienização, lanche e atendimento socioassistencial, hospeda ainda 120 pessoas com trajetória de rua e que apresentam algum tipo de comorbidade ou são idosos. Com o fechamento do serviço a partir do fim do mês, a preocupação é saber onde a população poderá se higienizar, e onde serão abrigados os que hoje vivem no espaço.
Segundo Maria Cristina Bove, da Pastoral do Povo da Rua, em quase três meses de funcionamento, a frente, criada a partir da organização da sociedade civil, já realizou cerca de 25 mil atendimentos que incluíram, além da higienização e alimentação, diagnóstico do coronavírus, tratamento odontológico, assistência à saúde com serviços de busca de receita e medicação e acolhimento de animais. Segundo Bove, todos os serviços foram possibilitados por meio da atuação de voluntários, da integração de entidades como o Ministério Público e a Defensoria Pública, e de doações de grandes organizações, como a Fiat e o Sesc. Para a irmã, que atua na pastoral desde a sua criação na cidade, há 30 anos, a maior preocupação agora é continuar a oferta de espaço para higienização e garantir a hospedagem dos mais vulneráveis. “Além da moradia, solicitamos ao prefeito o serviço sanitário. Temos hoje sete ou oito banheiros na cidade que estão trancados. Nós queremos uma cidade mais limpa e precisamos pensar isso”, contou Bove, lembrando que nestes meses ouviu relatos extremamente tristes de homens adultos que choraram por não terem um lugar digno para fazerem suas necessidades.
O desafio exposto por Bove é confirmado por Rafael Roberto Fonseca, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. Segundo Fonseca, que considera a população de rua em risco iminente de contágio, a dificuldade é imensa porque a orientação é ficar em casa e manter as mãos limpas e, entretanto, as pessoas estão na rua e não têm sequer água para beber. “O número da população em situação de rua já vinha aumentando em função do desemprego; então precisamos de políticas públicas continuadas. Muitas vezes encaminham para o bolsa moradia, para a república, e param por aí. O albergue e o abrigo são transitórios. Precisamos de moradias permanentes”, argumentou.
Dados de BH, epidemiológicos e plano
O número crescente da população de rua e a falta de clareza e transparência na divulgação dos dados, aliás, estão entre as questões colocadas pelo professor André Luiz Freitas Dias, coordenador acadêmico e geral do Programa Pólo de Cidadania da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/UFMG).
Segundo Dias, a PBH utiliza hoje o dado de 4.700 pessoas em situação de rua, porém, o Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal tem cerca de 9 mil pessoas incluídas neste segmento em BH. Para o professor, não há problema de o Executivo utilizar outro dado, entretanto, é preciso que se explique a fórmula matemática para se chegar a tal número. “Para que seja elaborado um plano de contingência é preciso que tenhamos estes dados de forma clara, mas a PBH não informa”, questionou.
O plano de contingência também é outra demanda do professor em relação ao Município. Segundo Dias, este é um instrumento que está sendo aplicado por todas as cidades e estados, e a PBH disse que iria apresentar, e ainda não o fez. “Esta pandemia não acaba agora. Muito pelo contrário, tudo indica que iremos conviver com ela por alguns meses ainda; e não sabemos o que será feito, o que nos causa perplexidade”, destacou.
Outra queixa do professor é em relação ao tratamento dos dados epidemiológicos da população em situação de rua. Segundo Dias, os boletins epidemiológicos emitidos não são claros em relação às infecções neste público, e também não trazem detalhes sobre o acompanhamento. “Queremos saber quantas pessoas em situação de rua foram testadas; se houve positivos, para onde foram encaminhados; se o equipamento onde estavam precisou ser isolado ou fechado; se as pessoas que estavam próximas foram rastreadas; se houve óbitos. Precisamos saber disso tudo”, avaliou o professor, que cobrou ainda a reativação das atividades do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua.
Sesc, Bolsa Moradia e ampliação da oferta
Buscando dar respostas às principais questões apresentadas, Maíra Colares, titular da Smasac, explicou que desde o início da pandemia nenhum serviço da assistência para a população em situação de rua foi descontinuado e, ao contrário, além de novos arranjos para cumprir as determinações de vigilância sanitária, alguns atendimentos foram ampliados.
Realizando uma apresentação detalhada sobre as ações da pasta para a população em situação de rua durante a pandemia, a secretária lembrou as 260 unidades habitacionais que foram disponibilizadas pela PBH, por meio do Sesc Venda Nova, para as pessoas que não tinham como cumprir a quarentena. No local, a população tem ainda acesso à higiene e alimentação, além de cuidados de saúde. Além do Sesc, Colares lembrou que cerca de 300 pessoas, entre famílias com crianças e idosos, foram retiradas dos Abrigos São Paulo e Tia Branca e levadas para hotéis e pousadas pagos pela PBH. “São unidades grandes que acolhem um grande número de pessoas, 200, 300; e já estávamos estudando a implementação de unidades menores”, explicou.
Ainda sobre a ampliação da possibilidade de abrigamento, a secretária contou que novas 800 vagas foram conquistadas recentemente no bolsa moradia, e que este número deve suprir cerca de 600 que a Smasac tem mapeadas como demanda da rede. Questionada se estas vagas poderão ser destinadas às pessoas que irão deixar o Canto da Rua, Maíra Colares explicou que todo o processo de encaminhamento para o benefício é feito de forma transparente, com acompanhamento inclusive do Ministério Público, e que assim será feito.
A secretária lembrou ainda que todo o suporte socioassistencial para o atendimento emergencial feito pelo Canto da Rua foi dado pela PBH, que ainda destinou R$500 mil para a ação. Completando as intervenções que sofreram ampliações, Maíra Colares falou da criação de mais um Centro de Atendimento para a População em Situação de Rua (Centro Pop de Rua Centro Sul, na Rua Além Paraíba, nº 100); da extensão do serviço de abordagem de rua para os fins de semana (agora funciona todos os dias nos turnos manhã, tarde e noite); da abertura dos restaurantes populares aos finais de semana; e da criação de nove pontos de água instalados pela Sudecap na cidade.
Sobre o questionamento acerca dos dados da população em situação de rua utilizados pelo Município, a secretária informou que a PBH utiliza os dados do CadÚnico, porém os números mais atualizados. “No CadÚnico você pode fazer o recorte que quiser. O número de 9 mil pessoas se refere a todos os cadastros feitos desde a criação do programa. Entretanto, este não é um dado atualizado, e por isso trabalhamos com o número dos últimos 12 meses”, explicou. Já sobre os dados epidemiológicos e o encerramento dos serviços do Canto da Rua, a secretária informou que os boletins são divulgados diariamente pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com livre acesso, e incluem ainda a população idosa. Sobre a ação na Serraria Souza Pinto, Colares disse que recebeu uma carta com demandas dos usuários e que já avalia as questões para logo serem dados os retornos.
Como encaminhamento da reunião, a Comissão definiu por imprimir esforços para cobrar a construção e a apresentação do plano de contingência; a questão do detalhamento do Boletim Epidemiológico da SMS; e o retorno das atividades do Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional