Associações de catadores cobram da PBH retorno do contrato de trabalho
Em audiência, profissionais relatam despesas com manutenção de galpões fechados. Parceira com seis entidades foi suspensa em março
Foto: Bernardo Dias/CMBH
“Uma cesta básica não paga a taxa de incêndio que a PBH não parou de cobrar. As associações são empresas e nenhum tributo estadual ou municipal teve a sua cobrança suspensa.” A reflexão em tom de desabafo foi feita por Vilma Estevam, da Cooperativa Solidária dos Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste - Coopesol Leste durante audiência pública realizada na manhã desta sexta-feira (31/7). Requerido pelo vereador Pedro Patrus (PT), no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e de Defesa do Consumidor, o encontro teve o objetivo de debater os impactos da pandemia do novo coronavírus no trabalho das cooperativas e catadores de materiais recicláveis na cidade.
De acordo com informações do município, ao menos seis contratos com associações de catadores de matérias recicláveis foram realizados no ano passado para a execução da coleta de materiais em 42 bairros da cidade. Desde o início da pandemia, entretanto, os contratos tiveram de ser suspensos, deixando cerca de 200 cooperados sem sua remuneração, uma vez que, pelos termos, o pagamento se dá por produtividade. Além do retorno das atividades de coleta, durante a audiência os cooperados questionaram a possibilidade de afastamento remunerado dos profissionais que integram o grupo de risco e a inserção dos catadores autônomos nos serviços socioassistenciais do município.
Conta que não fecha e perda de produtividade
A suspensão dos contratos com a PBH não é a única nem a maior das preocupações dos representantes das associações. Neste período de quatro meses, sem ter a remuneração para honrar os compromissos pessoais, os cooperados precisaram pagar sua contribuição ao INSS e ainda quitar as despesas com os galpões. Segundo Nely Medeiros, da Cooperativa dos Recicladores e Grupos Produtivos do Barreiro e Região (Coopersoli), a situação do catador é bem complexa, porque seus contratos foram suspensos, mas eles não podem acessar o auxílio emergencial, por exemplo, ou outro benefício do governo. Para Medeiros, a atitude do prefeito de parar com as atividades foi importante para preservar vidas, porém a assistência oferecida não contempla a totalidade das famílias. “Precisamos de dinheiro para pagar as contas de água e luz. E a família do catador em geral é grande”, explicou a cooperada, sugerindo também que a cesta básica seria insuficiente.
As contas, e desta vez as da cooperativa, são também a preocupação de Vilma Estevam, da Coopesol Leste. Segundo a cooperada, nestes quatro meses parados foram pagos pela cooperativa ao menos R$ 10 mil só em tributos. “A gente sabe da importância do cuidado com a saúde, mas como fazer? A gente precisa do trabalho. Precisa coletar, senão esta conta não fecha”, argumentou.
Outra preocupação da cooperada é quanto à perda de produtividade que os catadores estão sofrendo. Segundo Medeiros, este é o momento em que a população e as empresas mais estão consumindo produtos como água sanitária e detergente, que geram embalagens com melhor valor agregado e, com a suspensão da coleta, o material está indo para o aterro sanitário. “Temos uma lei que proíbe o aterramento deste material. Foi uma luta de anos dos catadores também para não incinerar. É um produto que gera renda e sustento de muitas famílias que agora está sendo aterrado. A gente fica triste com isso”, lamentou.
O catador autônomo, em especial o que é morador em situação de rua, também foi citado como uma preocupação por Vilma Medeiros. Para ela, a condição de cooperado traz algum vínculo para o profissional, mas é preciso ter políticas que alcancem também o trabalhador independente. “De que adianta dar cesta básica se ele mora na rua e não tem como cozinhar. Se ele vai para o abrigo e não tem onde deixar o carrinho (de coleta). Se deixa na rua ele é roubado”, queixou-se.
Protocolo de retorno e níveis de segurança
Apesar das queixas, a solução parece não estar distante, pelo menos no que depender da disposição da equipe da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). Segundo Patrícia de Castro Batista, diretora de Planejamento e Gestão, um plano de retorno construído juntamente com as cooperativas foi submetido e aprovado no comitê de crise da PBH, e ações para a volta dos contratos já estão em andamento. Segundo a diretora, o município foi surpreendido exatamente quando se pensava num plano para a expansão da coleta seletiva porta a porta na cidade, mas que a saúde do trabalhador sempre teve primazia. “Foi uma vitória a aprovação do retorno pelo comitê. Já estamos em reuniões com as cooperativas para ver a retomada com segurança. A gente entende a necessidade financeira, mas a única coisa que a gente não recupera é a vida”, justificou.
E as ações para esta a retomada já começaram a acontecer. Segundo Ana Paula Assunção, também da Diretoria de Planejamento da SLU, um protocolo de segurança, que contempla três níveis, foi desenvolvido e envolverá inclusive a contribuição da população. De acordo com o plano, o primeiro nível cabe ao cidadão, que em seu domicílio deverá fazer a higienização e quarentena de sete dias do material a ser dispensado. Na segunda fase, o material coletado será aspergido uma solução de hipoclorito nos carros coletores; e na terceira fase, quando o material estiver já descarregado no galpão, nova solução de hipoclorito será aplicada e tudo entra em nova quarentena de mais sete dias, desta vez coberto por lona plástica.
O protocolo, segundo Assunção, prevê ainda ações junto aos catadores, que terão questionários diários a serem respondidos. “Haverá um checklist diário, como os que são feitos nas barreiras sanitárias da Prefeitura. Se houver relato de algum sintoma será encaminhado para a rede municipal de saúde”, esclareceu a técnica, que lembrou ainda que todos trabalharão com botas, luvas e máscaras. Ainda nesta fase pré-retorno, a SLU irá capacitar todos os cooperados para as novas normas e observâncias na retomada dos contratos. Segundo Assunção, toda orientação será disponibilizada por meio remoto e o modelo será o mesmo utilizado para a validação dos vouchers das cestas básicas feitas pela Secretaria de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC). “Ele (o modelo) teve grande acessibilidade, mas podemos conversar e verificar algum catador que precise de um apoio presencial”, explicou Assunção, lembrando que não pode é gerar aglomeração.
Assistência ao catador autônomo e Banco de Alimentos
O comprometimento para analisar e buscar repostas às demandas apresentados pelos cooperados também foi o tom adotado pela secretária da SMASAC, Maíra Colares. Segundo ela, a questão do catador que também é morador de rua precisa realmente ser examinada, e por meio de um olhar intersetorial, que envolva várias instâncias do Executivo. A secretária, que reconheceu a questão do estacionamento do carrinho do catador ainda é um desafio no Abrigo Tia Branca, disse que uma solução para colocar os veículos no pátio da unidade foi tentada, entretanto, a Vigilância Sanitária não aprovou, em função do histórico de combate ao percevejo que a instituição sempre enfrentou.
Ainda segundo Colares, a boa notícia é a ampliação, a partir de hoje, do atendimento do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) da Região Centro-Sul que poderá auxiliar neste sentido. “É uma área que tem muitos catadores avulsos e aí eles terão acesso a esse novo atendimento. O lugar é bacana, é amplo e arejado”, explicou a secretária, que contou ainda que os serviços de abordagem de moradores em situação de rua que antes eram realizados de segunda a sexta-feira estão sendo expandidos também para os finais de semana.
Sobre a questão das cestas básicas levantadas pelas cooperadas, a secretária informou que durante este período de pandemia o Restaurante Popular continuou seu atendimento, e só para os moradores em situação de rua cerca de 300 mil refeições entre café da manhã, almoço e jantar foram servidas gratuitamente. Ainda segundo Colares, no caso dos catadores cooperados, o Banco de Alimentos da PBH pode ser uma alternativa para a complementação do alimento, bastando apenas a cooperativa se cadastrar para esta retirada. “Conseguimos aumentar em mais de 200% as doações junto a grandes redes de supermercados e varejões. Além dos grãos secos (arroz, feijão e farináceos) são fornecidos laticínios, frutas, verduras e legumes”, esclareceu.
Encaminhamentos
Antes de finalizar a audiência, a vereadora Bella Gonçalves (Psol) lembrou que é preciso também pensar esta política de assistência alimentar para o período pós-pandemia, principalmente porque se espera grave crise econômica pelos próximos meses, combinada com a suspensão do Auxílio Emergencial por parte do Governo Federal.
Já o vereador Pedro Patrus sugeriu ser estudada pelas assessorias dos parlamentares a criação de um Grupo de Trabalho (GT) que possa, junto com os cooperados, pensar a revisão deste contrato entre a PBH e as Associações de Catadores, de modo a contemplar as questões apresentadas durante a audiência.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional