SEM RENDA NA PANDEMIA

Associações de catadores cobram da PBH retorno do contrato de trabalho

Em audiência, profissionais relatam despesas com manutenção de galpões fechados. Parceira com seis entidades foi suspensa em março

sexta-feira, 31 Julho, 2020 - 18:00

Foto: Bernardo Dias/CMBH

“Uma cesta básica não paga a taxa de incêndio que a PBH não parou de cobrar. As associações são empresas e nenhum tributo estadual ou municipal teve a sua cobrança suspensa.” A reflexão em tom de desabafo foi feita por Vilma Estevam, da Cooperativa Solidária dos Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste - Coopesol Leste durante audiência pública realizada na manhã desta sexta-feira (31/7). Requerido pelo vereador Pedro Patrus (PT), no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e de Defesa do Consumidor, o encontro teve o objetivo de debater os impactos da pandemia do novo coronavírus no trabalho das cooperativas e catadores de materiais recicláveis na cidade.

De acordo com informações do município, ao menos seis contratos com associações de catadores de matérias recicláveis foram realizados no ano passado para a execução da coleta de materiais em 42 bairros da cidade. Desde o início da pandemia, entretanto, os contratos tiveram de ser suspensos, deixando cerca de 200 cooperados sem sua remuneração, uma vez que, pelos termos, o pagamento se dá por produtividade. Além do retorno das atividades de coleta, durante a audiência os cooperados questionaram a possibilidade de afastamento remunerado dos profissionais que integram o grupo de risco e a inserção dos catadores autônomos nos serviços socioassistenciais do município.

Conta que não fecha e perda de produtividade

A suspensão dos contratos com a PBH não é a única nem a maior das preocupações dos representantes das associações. Neste período de quatro meses, sem ter a remuneração para honrar os compromissos pessoais, os cooperados precisaram pagar sua contribuição ao INSS e ainda quitar as despesas com os galpões. Segundo Nely Medeiros, da Cooperativa dos Recicladores e Grupos Produtivos do Barreiro e Região (Coopersoli), a situação do catador é bem complexa, porque seus contratos foram suspensos, mas eles não podem acessar o auxílio emergencial, por exemplo, ou outro benefício do governo. Para Medeiros, a atitude do prefeito de parar com as atividades foi importante para preservar vidas, porém a assistência oferecida não contempla a totalidade das famílias. “Precisamos de dinheiro para pagar as contas de água e luz. E a família do catador em geral é grande”, explicou a cooperada, sugerindo também que a cesta básica seria insuficiente.

As contas, e desta vez as da cooperativa, são também a preocupação de Vilma Estevam, da Coopesol Leste. Segundo a cooperada, nestes quatro meses parados foram pagos pela cooperativa ao menos R$ 10 mil só em tributos. “A gente sabe da importância do cuidado com a saúde, mas como fazer? A gente precisa do trabalho. Precisa coletar, senão esta conta não fecha”, argumentou.

Outra preocupação da cooperada é quanto à perda de produtividade que os catadores estão sofrendo. Segundo Medeiros, este é o momento em que a população e as empresas mais estão consumindo produtos como água sanitária e detergente, que geram embalagens com melhor valor agregado e, com a suspensão da coleta, o material está indo para o aterro sanitário. “Temos uma lei que proíbe o aterramento deste material. Foi uma luta de anos dos catadores também para não incinerar. É um produto que gera renda e sustento de muitas famílias que agora está sendo aterrado. A gente fica triste com isso”, lamentou.

O catador autônomo, em especial o que é morador em situação de rua, também foi citado como uma preocupação por Vilma Medeiros. Para ela, a condição de cooperado traz algum vínculo para o profissional, mas é preciso ter políticas que alcancem também o trabalhador independente. “De que adianta dar cesta básica se ele mora na rua e não tem como cozinhar. Se ele vai para o abrigo e não tem onde deixar o carrinho (de coleta). Se deixa na rua ele é roubado”, queixou-se.

Protocolo de retorno e níveis de segurança

Apesar das queixas, a solução parece não estar distante, pelo menos no que depender da disposição da equipe da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). Segundo Patrícia de Castro Batista, diretora de Planejamento e Gestão, um plano de retorno construído juntamente com as cooperativas foi submetido e aprovado no comitê de crise da PBH, e ações para a volta dos contratos já estão em andamento. Segundo a diretora, o município foi surpreendido exatamente quando se pensava num plano para a expansão da coleta seletiva porta a porta na cidade, mas que a saúde do trabalhador sempre teve primazia. “Foi uma vitória a aprovação do retorno pelo comitê. Já estamos em reuniões com as cooperativas para ver a retomada com segurança. A gente entende a necessidade financeira, mas a única coisa que a gente não recupera é a vida”, justificou.

E as ações para esta a retomada já começaram a acontecer. Segundo Ana Paula Assunção, também da Diretoria de Planejamento da SLU, um protocolo de segurança, que contempla três níveis, foi desenvolvido e envolverá inclusive a contribuição da população. De acordo com o plano, o primeiro nível cabe ao cidadão, que em seu domicílio deverá fazer a higienização e quarentena de sete dias do material a ser dispensado. Na segunda fase, o material coletado será aspergido uma solução de hipoclorito nos carros coletores; e na terceira fase, quando o material estiver já descarregado no galpão, nova solução de hipoclorito será aplicada e tudo entra em nova quarentena de mais sete dias, desta vez coberto por lona plástica.

O protocolo, segundo Assunção, prevê ainda ações junto aos catadores, que terão questionários diários a serem respondidos. “Haverá um checklist diário, como os que são feitos nas barreiras sanitárias da Prefeitura. Se houver relato de algum sintoma será encaminhado para a rede municipal de saúde”, esclareceu a técnica, que lembrou ainda que todos trabalharão com botas, luvas e máscaras. Ainda nesta fase pré-retorno, a SLU irá capacitar todos os cooperados para as novas normas e observâncias na retomada dos contratos. Segundo Assunção, toda orientação será disponibilizada por meio remoto e o modelo será o mesmo utilizado para a validação dos vouchers das cestas básicas feitas pela Secretaria de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC). “Ele (o modelo) teve grande acessibilidade, mas podemos conversar e verificar algum catador que precise de um apoio presencial”, explicou Assunção, lembrando que não pode é gerar aglomeração.

Assistência ao catador autônomo e Banco de Alimentos

O comprometimento para analisar e buscar repostas às demandas apresentados pelos cooperados também foi o tom adotado pela secretária da SMASAC, Maíra Colares. Segundo ela, a questão do catador que também é morador de rua precisa realmente ser examinada, e por meio de um olhar intersetorial, que envolva várias instâncias do Executivo. A secretária, que reconheceu a questão do estacionamento do carrinho do catador ainda é um desafio no Abrigo Tia Branca, disse que uma solução para colocar os veículos no pátio da unidade foi tentada, entretanto, a Vigilância Sanitária não aprovou, em função do histórico de combate ao percevejo que a instituição sempre enfrentou.

Ainda segundo Colares, a boa notícia é a ampliação, a partir de hoje, do atendimento do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) da Região Centro-Sul que poderá auxiliar neste sentido. “É uma área que tem muitos catadores avulsos e aí eles terão acesso a esse novo atendimento. O lugar é bacana, é amplo e arejado”, explicou a secretária, que contou ainda que os serviços de abordagem de moradores em situação de rua que antes eram realizados de segunda a sexta-feira estão sendo expandidos também para os finais de semana.

Sobre a questão das cestas básicas levantadas pelas cooperadas, a secretária informou que durante este período de pandemia o Restaurante Popular continuou seu atendimento, e só para os moradores em situação de rua cerca de 300 mil refeições entre café da manhã, almoço e jantar foram servidas gratuitamente. Ainda segundo Colares, no caso dos catadores cooperados, o Banco de Alimentos da PBH pode ser uma alternativa para a complementação do alimento, bastando apenas a cooperativa se cadastrar para esta retirada. “Conseguimos aumentar em mais de 200% as doações junto a grandes redes de supermercados e varejões. Além dos grãos secos (arroz, feijão e farináceos) são fornecidos laticínios, frutas, verduras e legumes”, esclareceu.

Encaminhamentos

Antes de finalizar a audiência, a vereadora Bella Gonçalves (Psol) lembrou que é preciso também pensar esta política de assistência alimentar para o período pós-pandemia, principalmente porque se espera grave crise econômica pelos próximos meses, combinada com a suspensão do Auxílio Emergencial por parte do Governo Federal.

Já o vereador Pedro Patrus sugeriu ser estudada pelas assessorias dos parlamentares a criação de um Grupo de Trabalho (GT) que possa, junto com os cooperados, pensar a revisão deste contrato entre a PBH e as Associações de Catadores, de modo a contemplar as questões apresentadas durante a audiência.

Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública para debater os impactos da Pandemia do novo coronavírus no trabalho das cooperativas e catadores de materiais recicláveis