Suspensão dos atendimentos psiquiátricos no hospital gera insatisfações
Câmara Municipal se prontificou a atuar para que pacientes e servidores da unidade não sejam prejudicados
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Sem receber novos pacientes há três meses e com seu quadro de funcionários a ser transferido para outras unidades de saúde, o Hospital Galba Velloso foi tema de audiência pública da Comissão de Saúde e Saneamento, nesta quarta-feira (24/6). O governo do Estado alega que a intenção é reformar a unidade hospitalar para adequá-la ao atendimento de infectados pelo novo coronavírus. Médicos, funcionários e parentes de pacientes alegam, contudo, que até hoje nenhuma reforma foi feita e que o prazo para adaptação do Hospital Galba Velloso para receber pacientes com Covid-19 (seis meses a um ano) seria um entrave para tal iniciativa, dada a urgência que há por leitos para atendimento de infectados pelo novo coronavírus. O ideal, segundo médicos e especialistas, seria aprimorar o atendimento do hospital, não fechá-lo. A presidente da Câmara e requerente da audiência, vereadora Nely Aquino (Pode), afirmou que o Legislativo Municipal apresentará os encaminhamentos necessários diante da situação. Ela defendeu o diálogo para que se construa uma solução que não prejudique os pacientes psiquiátricos que dependem do Galba Velloso, principalmente, neste momento em que o isolamento decorrente da pandemia está agravando problemas psicológicos e psiquiátricos, conforme apontam estudos.
Uma das justificativas do governo do Estado publicadas pela imprensa acerca da suspensão dos atendimentos psiquiátricos no Hospital Galba Velloso é a alegada baixa ocupação dos leitos disponíveis na unidade, que é de responsabilidade da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). O médico psiquiatra Diego Tinoco Rodrigues, contudo, contestou tal informação e apresentou dados que retratam, segundo ele, as taxas de ocupação de dois dos três hospitais públicos psiquiátricos de Minas Gerais: Galba Velloso e Raul Soares. De acordo com o médico, nos anos de 2017 e 2018 e no período de janeiro a junho de 2019, a taxa de ocupação do Galba Velloso esteve acima de 80%. Já no Instituto Raul Soares, a taxa de ocupação em 2017 foi de 67,68%, tendo ficado acima de 80% nos anos de 2018 e 2019. O psiquiatra explica que tais dados fazem cair por terra a afirmação de baixa ocupação de leitos no Galba Velloso, bem como o argumento de que o Instituto Raul Soares teria capacidade para receber os pacientes que não mais poderiam contar com o atendimento prestado pelo Galba. Conforme o psiquiatra, em dezembro de 2019, o Galba Velloso contava com 120 leitos operacionais e o Raul Soares com 81.
Diego Tinoco Rodrigues também chama a atenção para o atendimento de qualidade prestado pelo hospital. Segundo ele, a média de tempo que um paciente passa internado na unidade é de 25,4 dias, o que a afasta do modelo de internação por longos períodos. Ele salienta que essa unidade hospitalar atende a todos os requisitos humanitários em seus tratamentos e conta com plantão 24 horas, sendo referência para pacientes psiquiátricos da capital e do interior do Estado.
O médico lembrou, ainda, que especialistas trabalham com projeções que indicam o aumento da taxa de suicídios na pandemia, bem como a tendência ao aumento no consumo de álcool e drogas. Nesse cenário, como apontou a vereadora Nely Aquino, o Hospital Galba Velloso tornar-se-ia ainda mais necessário.
O vereador Doutor Bernardo Ramos (Novo), que é médico, também criticou o modo como ocorreu o fechamento do Galba Velloso, classificado pelo parlamentar como “abrupto”. Ele aponta que os mineiros vêm sofrendo com o fechamento de leitos psiquiátricos, ao mesmo tempo em que aumenta a demanda por tais serviços.
Atendimento de qualidade
Maria da Conceição, mãe de um paciente psiquiátrico que ficou por mais de uma vez internado no Galba Velloso, conta que seu filho apresentou melhorias em seu quadro clínico apenas após dar início ao tratamento nesse hospital. Ela afirma que o filho, que fica bastante agressivo quando está em surto, não se adaptou ao tratamento no Instituto Raul Soares, tendo fugido dessa unidade hospitalar por mais de uma vez. Além disso, ela explica que em várias de suas tentativas de buscar atendimento para o filho no Instituto Raul Soares a resposta era que não havia vagas disponíveis. Segundo Maria da Conceição, foi no Galba Velloso que a doença do filho foi diagnosticada adequadamente e ele passou a ser tratado com a medicação correta. “É um desespero ver seu filho em crise e não saber o que fazer”, conta a mãe, que teme não ter tratamento adequado para o filho caso ele entre em surto, uma vez que os atendimentos no Galba Velloso estão suspensos.
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva lembrou que o doente mental tratado não é perigoso, contudo, sem tratamento, ele pode colocar a própria vida em risco, bem como a de terceiros.
Leitos para Covid-19
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria também criticou a suspensão nos atendimentos do Galba Velloso, bem como a justificativa de que a unidade seria adaptada para receber pacientes com Covid-19. Para o presidente, tal argumento é falacioso, tendo em vista que o tempo necessário para a reforma – seis meses a um ano – tornaria pouco viável a adaptação do hospital para as necessidades emergenciais da pandemia. Ele lembra que é justamente o tempo demandado para a construção e reforma de hospitais que faz com que governos optem por hospitais de campanha, que são de rápida instalação, para o atendimento de pacientes com Covid-19.
O presidente da Associação Sindical dos Trabalhadores em Hospitais do Estado de Minas Gerais (Asthemg), Carlos Augusto Martins, remete ao caso do Hospital Alberto Cavalcanti para colocar em dúvida o uso do Galba Velloso para atendimento a pacientes com Covid -19. Ele se lembra que o serviço de urgência do Alberto Cavalcanti foi fechado com a justificativa de que o local passaria por reformas para adequar-se à prestação de um serviço de excelência na área de oncologia. Cerca de um ano após o referido fechamento, Carlos conta que nenhuma reforma foi realizada e a população perdeu o atendimento de urgência que era prestado no Alberto Cavalcanti.
De acordo com o sindicalista, a mesma história parece estar se repetindo no Galba Velloso, uma vez que já se passaram três meses desde que a suspensão das atividades no hospital foi comunicada e nenhuma reforma para atendimento a pacientes com Covid-19 foi feita até agora. Para Martins, “isso não é trocar uma assistência por outra; é desassistir a sociedade”. Ele também questiona para onde as famílias levarão os pacientes psiquiátricos quando o Raul Soares não puder atendê-los. O sindicalista conta que a mesma justificativa de fechar para reformar também foi usada há mais de um ano para o Galba Velloso-Ortopédico, no entanto, até hoje a unidade está fechada sem que qualquer reforma tenha sido realizada.
Martins também explica que a Rede Fhemig poderia requalificar outras estruturas para o recebimento de pacientes com Covid-19 sem ter que fechar o atendimento psiquiátrico do Galba Velloso.
Cobranças ao poder público
Em relação aos funcionários do hospital, o sindicalista critica o que considera como falta de interlocução da Fhemig com quem trabalha no hospital, uma vez que, de acordo com ele, todos os colaboradores do Galba foram colocados à disposição sem que houvesse qualquer diálogo anterior. Ele solicita que se abra discussão a respeito do futuro do hospital e do serviço de psiquiatria por ele prestado. Além disso, o sindicato requer que sejam revogados os deslocamentos de servidores para outras unidades.
A médica psiquiatra Paula Aparecida Gomes, que atua no Galba Veloso, também cobrou o governo do Estado sobre a situação do hospital. Ela quer que seja investigado o real motivo do fechamento do Galba Velloso. Gomes afirma, ainda, que se hoje é temido o colapso do sistema de saúde com a Covid-19, o colapso dos atendimentos na área de psiquiatria já é uma realidade. A médica afirma que em determinadas épocas a lotação do Galba Velloso chegava a 100% e que com o seu fechamento a situação relativa à oferta de vagas tende a piorar para os pacientes psiquiátricos. Ela também cobrou que os hospitais psiquiátricos sejam incluídos na central de leitos do governo do Estado, assegurando mais transparência para a real demanda por atendimentos na área de saúde mental.
Já o vereador Pedro Bueno (Cidadania) cobrou que a PBH se pronuncie a respeito do fechamento do Galba Velloso, uma vez que, apesar de ser uma unidade gerida pelo governo estadual, os atendimentos prestados pelo hospital seriam de interesse da cidade e da Prefeitura. Ele também criticou o governo do Estado por, segundo ele, usar a pandemia como pretexto para fechar o Galba Velloso.
Fernando Borja (Avante) afirmou que vai cobrar do governo do Estado o compromisso de que o atendimento psiquiátrico do Galba Velloso tenha continuidade. Segundo o parlamentar, as ações a serem tomadas pela Câmara Municipal seguirão de acordo com o que for demandado pelas famílias de pacientes, especialistas, funcionários e entidades da área.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional