Trabalhadores temem perder seus empregos após privatização do metrô
Em audiência pública, metroviários denunciaram sucateamento, falta de diálogo e transferência de recursos para a iniciativa privada
Foto: Barbara Crepaldi/CMBH
Nesta quinta-feira (23/3), a Comissão de Mobilidade Urbana, Indústria, Comércio e Serviços, a pedido de Iza Lourença (Psol), realizou uma audiência pública para discutir os desdobramentos e impactos da privatização do metrô de Belo Horizonte, principalmente no que se refere ao destino dos 1.600 trabalhadores metroviários que correm o risco de serem demitidos após um ano de contrato de concessão do metrô, concedido à iniciativa privada por meio de leilão em 22 de dezembro de 2022, tendo como vencedora a Comporte Participações S.A, que apresentou oferta de R$ 27,7 milhões. A operação foi estruturada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, segundo o site do Ministério da Economia, com a privatização fica assegurado investimento de R$ 3,5 bilhões ao longo dos 30 anos da concessão, por parte do novo operador privado, inclusive com a construção de uma segunda linha de transporte.
Atualmente, o sistema tem 19 estações, com cerca de 28 quilômetros de extensão, em uma só linha de operação. Serão destinados R$ 3,2 bilhões de aportes públicos, dos quais R$ 2,8 bilhões oriundos do governo federal e cerca de R$ 440 milhões do Governo de Minas, provenientes do Termo de Reparação assinado com a Vale em decorrência do rompimento da barragem de Brumadinho. Durante a audiência, metroviários e representante do Movimento Tarifa Zero criticaram a privatização, que teria sido feita sem diálogo com os trabalhadores e sem preocupação real com a mobilidade urbana, tendo em vista apenas o lucro da iniciativa privada. Eles denunciaram não apenas o risco de perda de emprego para 1.600 trabalhadores concursados, mas também o aporte de recursos públicos para a inciativa privada; o sucateamento supostamente proposital da CBTU com a finalidade de vender o modal; o uso, pelo Governo de Minas, de recursos advindos de reparação por desastre ambiental da Vale para financiar a concessão, dentre outros problemas. Após uma greve total que durou 34 dias, os metroviários voltaram ao trabalho no último dia 20 de março, mas temem uma demissão em massa após os 12 meses em que, por força do contrato, a Comporte não pode demitir sem justa causa. A ausência de representantes do governo federal e da empresa vencedora foi lamentada pela vereadora Iza Lourença e por outros participantes da reunião.
Privatização polêmica
Para o diretor executivo do Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (SindimetroMG), Pedro Henrique Vieira, “o projeto é danoso para a cidade porque é uma má utilização de recurso”. De acordo com ele, além de vender uma empresa pública “a preço de banana”, com um aporte de R$8,2 bilhões do governo federal, está havendo um sucateamento proposital do modal por falta de investimento. Outros problemas citados foram: uso considerado indevido de recurso de indenização da Vale pelo Governo de Minas para aportar recursos à empresa vencedora do leilão; previsão de expansão de obra no Barreiro sem estudo de necessidade de trasporte da região; previsão de início das obras em cinco anos, podendo ser concluídas em até 30 anos; o direito dado ao grupo Comporte de aumento anual da tarifa indexado à inflação; e os aumentos que fizeram a passagem ir de R$1,80 para os atuais R$ 4,50, afastando a população pobre da utilização desse meio transporte. Pedindo a suspensão da privatização, ele afirmou ainda que, desde 2021, a categoria vem promovendo diversos atos, greves e conversas mas que, até o momento, não há resposta sobre “erros do edital”, “vícios do procedimento” e acerca da situação dos trabalhadores. Pedro Vieira considerou a última greve dos metroviários como “a maior greve da história da nossa categoria”.
“Fomos vendidos na praça pública como escravos”, acusou a diretora jurídica do SindimetroMG, Carine Cristina da Silva Tavares, acrescentando que “as pessoas estão doentes, estão entrando em depressão” porque ninguém conversou com elas para discutir o contrato de trabalho. “Daqui a um ano seremos dispensados”, completou. Assim como Pedro Vieira, ela considera que o metrô de BH sofre um processo de anos de sucateamento “em razão de interesses econômicos de quem é dono do transporte rodoviário”, e que a concessão aprovada não é para atender o interesse da população, mas apenas dos empresários. Ainda segundo a convidada, o trabalhador não sofre apenas com a falta de emprego, mas com a situação da empresa (CBTU). Além disso, ela acredita que a expectativa de atendimento de pessoas transportadas prevista no edital de concessão, de 360 mil por dia, não será atingida. Por fim, Carine defendeu que o metrô atende a população porque é uma via de mobilidade, que transporta pessoas com conforto e sem trânsito, mas “não existe transporte metroviário que dá lucro”.
O diretor de Políticas Raciais da Federação Nacional dos Metroferroviários (Fenametro), Pablo Henrique Ramos de Azevedo, denunciou o uso de fatos como o roubo de cabos de cobre e problemas nas escadas e elevadores para culpar os trabalhadores, tendo em vista que tanto a segurança dos cabos quanto a dos elevadores e escadas é feita por empresas privatizadas. “O que está na mão do setor público está funcionando”, garantiu. Lamentando o fato de a Comporte não ter enviado representantes para “dar respostas”, o diretor questionou o que fazer com os aposentados e pessoas em vias de se aposentar e qual a saída e garantias para trabalhadores que estão dispostos a continuar na CBTU.
Panorama
André Veloso, do Movimento Tarifa Zero, acredita que “não existe sistema metroviário do mundo que se pague com tarifa”, assim como não haveria nenhuma justificativa para que a privatização tenha sido feita com a promessa de ampliação. “É possível ampliar o sistema sem privatizar”, defendeu o ativista. Ele também condenou a precarização dos serviços, a perseguição de metroviários e a transferência de recursos para a iniciativa privada. André Veloso também traçou um panorama histórico do metrô. Segundo ele, o metrô de Belo Horizonte é “tardio”, e os primeiros debates sobre sua implantação datam da década de 70, no bojo do processo de rápido crescimento das cidades que pressionou o transporte público até gerar inúmeras revoltas. Na segunda metade dos anos 70 teria surgido a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), o Fundo Nacional de Transporte Urbano e a CBTU. A partir da criação da CBTU e com o auxílio do governo estadual, o modal foi implantado na década de 80, inicialmente com cinco estações. André também informou que em várias cidades, como no Rio de Janeiro e São Paulo, a CBTU é estadualizada, e “em Minas Gerais ela resiste”, assim como em João Pessoa, Maceió, Recife e Natal. As tarifas tinham reajustes anuais até 2006, depois veio um período de congelamento tarifário e o metrô atingiu a “demanda máxima” - 250 mil passageiros por dia – e “era o principal meio de transporte público da população de baixa renda”. Entretanto, segundo ele, a chamada “PEC do Fim do Mundo” (Emenda Constitucional 95/2016) teria criado uma “âncora fiscal ilegal” e o corte de subsídios pelo governo federal fez a passagem aumentar a cada dois meses, até chegar a R$ 4,50. Ainda de acordo com o convidado, o número de usuários do metrô caiu para metade ainda antes da pandemia.
Ausências
No âmbito do poder público, apenas a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) enviou uma representante, que ressaltou a importância de “separar as competências”, e afirmou que “a desestatização da CBTU é uma questão do governo federal”. O governo de Minas não teria participado das definições e procedimentos do projeto de concessão, apenas ajudando a construir o contrato. A Seinfra teria previsto investimento mínimo de R$3,7 bilhões, usados principalmente para revitalização e modernização, melhorias dos banheiros, sinalização, energia e ampliação do sistema. Os aportes dos governos federal e estadual seriam, em parte, para pagar esse investimento: “Ela [a Comporte] vai ter que não só fazer obras e ampliações, mas manter e gerir todo o sistema”, sendo responsabilidade do governo estadual gerir o contrato. Diante da pergunta de Iza Lourença quanto às alternativas para o trabalho dos metroviários, a representante da Seinfra respondeu que a previsão é de um ano de estabilidade. “O que eu posso dizer é que a gente está sempre aberto ao diálogo”, concluiu.
Encaminhamento
Ao fim do debate, Iza Lourença afirmou que fará uma indicação para o governo estadual com vistas a apresentar alternativas para os trabalhadores. A parlamentar finalizou: “se esse contrato for assinado hoje ou amanha, nós vamos seguir em luta contra quem for que a gente tiver que enfrentar ou que desrespeite os metroviários de nossa cidade”.
Superintendência de Comunicação Institucional