Entidades, famílias e pessoas com autismo reivindicam medidas concretas
Demandas serão levadas à PBH e ao conselho municipal; vereador quer colher sugestões para aperfeiçoar projeto de lei sobre o tema
Foto: Heldner Costa/CMBH
As políticas públicas municipais para a conscientização sobre o transtorno, o reconhecimento dos direitos e inclusão das pessoas com autismo, que afeta crianças, adultos e idosos, é tema de um projeto de lei apresentado na Câmara de BH em 2018. Para avaliar os pontos propostos no texto e acolher sugestões dos afetados e da Prefeitura, a questão foi debatida nesta segunda-feira (9/9) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. Autor do PL, Juliano Lopes (PTC) reuniu mães, familiares e portadores da síndrome, representante da Prefeitura e da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), que defenderam a conscientização da sociedade, a capacitação de profissionais e a efetivação de politicas e normas já existentes.
Lopes explicou quais são os pontos propostos no PL 488/17, que visa a garantir às pessoas com autismo o direito a carteira de identificação, inclusão de símbolo próprio nas placas de atendimento prioritário e preferência em vagas de estacionamento. Ciente das possíveis controvérsias e impedimentos jurídicos sobre a matéria, que podem inviabilizar sua aprovação e sanção pelo prefeito, o vereador achou mais prudente suspender a tramitação e ouvir todas as partes envolvidas, especialmente as pessoas diretamente afetadas, colhendo observações e sugestões para aperfeiçoar a proposta antes de reapresentá-la.
O parlamentar mencionou o veto do Executivo ao PL 118/17, também de sua autoria, que determinava a inclusão do símbolo do autismo nas placas de atendimento preferencial em órgãos e instituições do município. Segundo ele, o veto foi justificado pela geração de custos para a Prefeitura pela medida. Membro titular da Comissão de Direitos Humanos da Casa, Gilson Reis (PCdoB) se comprometeu a empenhar esforços para contribuir com o aprimoramento da proposta do colega e a pautar o tema durante as discussões da Lei do Orçamento Anual (LOA), que deverão ocorrer nos próximos 30 ou 40 dias, além de propor sugestões e emendas, que podem vir a ser assinadas em conjunto com Juliano Lopes.
Aspectos jurídicos e legais
O presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Autismo da OAB-MG, Washington Luís Lana, e o presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, Rômulo Ferraz defenderam a adoção de políticas referentes ao tema em âmbito municipal e apontaram que os critérios de competência e iniciativa, alegados como razões para veto, não deveriam se sobrepor ao aspecto humano; sendo assim, a sanção e a aplicação das medidas propostas dependeriam principalmente da sensibilidade e receptividade dos gestores às demandas do segmento. Os advogados anunciaram o encaminhamento à PBH de um abaixo-assinado realizado pela entidade, com 150 assinaturas, solicitando a efetivação das medidas previstas na legislação.
Citando os artigos 24 (inciso 14) e 30 da Constituição Federal, eles reafirmaram a competência do município para legislar de forma concorrente e suplementar à União sobre a inclusão e oferta de tratamento adequado às pessoas com deficiência.
Michelle Carvalho, Selma Suely e Maristela Ferreira, presidente da Associação Agraça, autistas e pais de autistas expuseram situações vividas e a luta diária para a inclusão dos filhos nas atividades do dia a dia, transporte, educação, lazer e esporte. José Savieto, da Associação da Síndrome de Asperger (Asa-Tea), que reúne pais, profissionais, aspergers e público em geral, também ligado à Comissão das Associações de Defesa dos Direitos dos Autistas (CADDA-BH), estima que existam 25 mil autistas em BH; no âmbito da entidade, são trabalhados eixos temáticos como Políticas Públicas, Saúde, Educação, Assistência social, Família, Vida Profissional e Esporte/Cultura/Lazer.
Segundo Savieto, Belo Horizonte dispõe de uma lei abrangente e moderna (Lei 10.418/12), mais “poderosa” que a legislação federal, devidamente regulamentada pelo Decreto 15.519/14; no entanto, suas determinações até hoje não foram efetivadas na cidade.
Conscientização x discriminação
Após as falas dos participantes e da plateia, foi constatado o consenso e a ênfase sobre a necessidade de conscientizar a sociedade, os profissionais de segurança e de atendimento ao público, educadores e demais pessoas que lidam com a situação, muitas vezes sem o devido conhecimento a respeito da síndrome e a capacidade de identificar e reconhecer o transtorno, gerando constrangimento, discriminação e tratamentos inadequados e injustos em relação aos portadores e a suas famílias. Segundo os participantes, esse trabalho de conscientização deve ser permanente, e não apenas durante o mês de abril, dedicado a dar visibilidade e pautar o tema na sociedade.
Em seus depoimentos, familiares de crianças e jovens afetados, a maioria integrante de entidades e associações que oferecem apoio e suporte aos portadores e lutam por seus direitos, disseram que o transtorno do Autismo nem sempre é diagnosticado ou se manifesta das mesmas formas, pode ter diferentes graus de comprometimento (leve, moderado ou grave) e causar dificuldades diferentes, que podem se manifestar nas áreas da socialização, comunicação ou comportamento. Os sintomas podem existir desde o nascimento e serem visíveis e perceptíveis para todos, ou podem ser mais sutis e serem percebidos no decorrer do desenvolvimento.
Segundo o vice-presidente da Agraça, Maurício Moreira, a adoção da carteira de identificação é demandada principalmente pelos pais de autorias menores de idade. Segundo ele, muitos autistas adultos, que têm mais consciência de sua condição e de seus direitos emaior facilidade para contornar as situações do dia a dia, acham desnecessária a carteirinha de identificação e não concordam com a implantação de símbolos diferenciados para eles nas placas de atendimento preferencial, recusando a diferenciação de seu transtorno em relação aos demais tipos de deficiência, o que pode gerar segregação ou hierarquias.
Autistas adultos e idosos
Autista e mãe de um menino autista, Fernanda Coelho concordou com a inclusão de um símbolo específico para o Autismo nas placas de atendimento preferencial, uma vez que a lei já reconhece os autistas como pessoas com deficiência, mas a situação dos autistas é agravada pela “não-visibilidade” do transtorno (autista não é “feio”, não tem “cara de autista”, não anda de cadeira de rodas ou usa bengala), e sua presença na fila preferencial pode gerar desconfiança e incredulidade nos demais. O transtorno pode ser leve, moderado ou grave, e a crise pode ser deflagrada em diferentes lugares e situações, gerando reações variadas como agressões, gritos, falas e gestos desconexos - causando constrangimento ou rejeição. Procuradora do município de Ribeirão das Neves, ela informou que um PL similar tramita na Câmara da cidade.
Esse fato preocupa principalmente mães e familiares de crianças autistas, que não compreendemr, não sabem explicar ou justificar o próprio comportamento, de forma a contornar situações constrangedoras e conflitos. Em relação ao estacionamento, autistas adultos e mães afirmam que o próprio ato de procurar e não achar vaga, ou parar longe do local, podem produzir desorganização mental, estresse e deflagrar os “bombardeios neuro-sensoriais”. A carteira com identificação, dessa forma, pode evitar o descrédito em relação à real necessidade, a confusão com outros quadros psiquiátricos, o preconceito e a discriminação contra essas pessoas.
Outra preocupação dos autistas jovens e adultos é com relação à inclusão no mercado de trabalho, onde nem sempre contam com a compreensão de chefes e colegas quanto às suas dificuldades e necessidades especiais, que podem surgir subitamente – como a incapacidade de dirigir e aversão a ruídos. O acesso a especialistas para diagnóstico e tratamento corretos e o suporte de profissionais qualificados em escolas, universidades, espaços de cultura, lazer e esportes, e outras atividades do dia a dia, também são demandas prioritárias.
Encaminhamentos
Ao final da reunião, Juliano Lopes anunciou que irá enviar, por meio da comissão, pedido de informação à BHTrans solicitando dados e estatísticas sobre pedidos de credenciais; solicitação à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC) para inclusão do PL 488/17 na pauta do Conselho Municipal de Pessoas com Deficiência, responsável pelas análises e deliberações sobre o tema. O vereador solicitou a participação de representantes da Câmara e da OAB no Fórum e também ofereceu os recursos do seu gabinete para a criação da arte e da divulgação do Fórum, inclusive no blog “De repente, Autismo” e nas redes sociais, aumentando a abrangência do debate e a participação da sociedade, independente de vertentes políticas e ideológicas.
O vereador propôs a parceria com a SMASAC na busca de ajustes e aprimoramentos ao projeto de lei, de forma a beneficiar efetivamente o segmento, em conformidade com os critérios da legislação, das competências de cada poder e da alocação de recursos. Além disso, juntamente com Gilson Reis e outros vereadores interessados, irá incluir o tema no debate das leis orçamentárias e apresentar emendas ao texto. A aprovação do PL 488/17, das emendas orçamentárias, a efetivação das normas já existentes e o apoio à mobilização do segmento serão solicitadas pessoalmente por ele ao prefeito Alexandre Kalil.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional