ÔNIBUS SEM QUALIDADE

Procurador expõe relação de amizade de Fuad com empresário do transporte

Esposa do prefeito seria prima de esposa de dirigente. Possível prática de infração política administrativa foi apresentada

terça-feira, 1 Agosto, 2023 - 17:15

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

“Seria impossível falar de descumprimento de contrato, má prestação do serviço público sem falar do papel da administração pública, do Executivo, nisso tudo. Sabemos que todo empresário vai buscar a maior margem de lucro, com o menor custo, e só haverá descumprimento se o contratante concordar com isso”. A declaração do procurador do Ministério Público de Contas de Minas Gerais Glaydson Massaria foi uma das várias dadas na manhã desta terça-feira (1º/8), durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Ônibus sem qualidade. Primeira pessoa a ser ouvida no inquérito que investiga o grande número de reclamações e denúncias de descumprimento das obrigações das concessionárias do transporte coletivo de passageiros por ônibus, Massaria fez diversos registros que apontam para omissões contínuas do poder público em relação aos contratos estabelecidos com as empresas de ônibus, e atribui, em especial ao prefeito Fuad Noman, a manutenção do status quo do transporte público na cidade, já que o prefeito seria amigo e teria laços de parentesco com a família Lessa, dona de empresas de ônibus na cidade. Dentre os registros apresentados estão fotos do prefeito em almoço com membros da família e rastreio de celular que demonstra que Rubens Lessa esteve na casa de Fuad. Massari protocolou na Casa um comunicado de possível prática de infração política administrativa por parte do prefeito, disse que cabe ao Legislativo a sustação do contrato de transporte coletivo vigente e cobrou dos vereadores uma posição clara na defesa da dignidade do cidadão. Os parlamentares consideraram as denúncias graves e confirmaram aprofundamento das investigações.

Dirigente na Setop

Glaydson Massaria construiu uma linha do tempo para demonstrar as antigas relações de Fuad Noman com a área do transporte coletivo, que teria começado quando o atual prefeito foi dirigente da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Setop). Á época, segundo Massari, Fuad já era amigo pessoal de membros da família Lessa, já que as esposas de Fuad e Rubens seriam primas. Para demonstrar suas denúncias, Massari apresentou foto do prefeito em almoço com membros da família Lessa e de rastreio de celular conseguido por meio da Operação Camarote (investigação de vacinação ilegal) e que foi compartilhada com o MP de Contas.

Segundo o procurador, como titular da pasta do transporte no governo do Estado, Fuad teria comandado uma licitação na área de transporte coletivo para a região metropolitana, de quase R$ 10 bilhões, onde integrantes do clã Lessa teriam saído vencedores de cinco das sete áreas em que se dividiu a licitação. “Todos os contratos foram assinados por Fuad Noman. E em quase todos os consórcios vencedores tinham pessoas da família Lessa, que são íntimos do Fuad”, afirmou, destacando ainda que à época, João Antonio Fleury era o então secretário-adjunto de Fuad.

Omissões

João Fleury é quem assinou a auditoria apresentada pela Maciel Consultoria, empresa contratada no início da gestão do prefeito Alexandre Kalil e que faria a abertura da 'caixa preta' da BHTrans. A auditoria foi um dos objetos da CPI da BHTrans, que investigou os contratos do transporte público assinados pela Prefeitura com consórcios de empresa, após processo de licitação ocorrido em 2008. O procurador lembrou que, na ocasião, a investigação conseguiu demonstrar que a Maciel não tinha capacidade técnica para executar a referida auditagem e que diversos documentos que compunham a análise estavam rasurados ou apresentavam inconsistências. Além disso, a CPI mostrou que diversas informações, planilhas e coincidências entre as propostas das empresas participantes do certame apontavam para a construção de um cartel para fraudar a licitação.

O procurador lembrou então que mesmo após o resultado da CPI apontar para a necessidade de rompimento do contrato das empresas, nada foi feito por parte da Prefeitura e a atuação no Município foi de perpetuar um contrato lesivo à população por meio de 'emissão de multas que nunca foram pagas e do recolhimento de veículos que dias depois estavam de volta, circulando nas ruas da cidade'.

Segundo Massari, durante a gestão de Fuad, em ao menos duas oportunidades a Câmara Municipal instou a Prefeitura a tomar providências sobre os contínuos descumprimentos de contrato por parte das empresas, mas nenhuma ação foi tomada. "Embora tenha sido noticiado na mídia que o Poder Executivo instauraria comissão para avaliar a sustação dos contratos de concessão de transporte, não se teve notícia da adoção de nenhuma medida concreta nesse sentido. Fuad Noman preferiu proteger seus amigos, se manter inerte e permitir a perpetuação dos empresários que fraudaram o certame", afirmou Massari.

Subsídios e violação da dignidade humana

Massari também falou dos subsídios oferecidos às empresas de ônibus, quando pagamentos começaram a serem feitos menos de um mês depois de se decretar a pandemia da covid-19. O procurador lembrou que a Constituição proíbe este tipo de empréstimo, sem que haja lei autorizativa no Legislativo, o que configuraria crime, com pena de um a quatro anos de reclusão."Não havia tempo hábil para se medir o impacto da pandemia na cidade e já havia empréstimos por meio de adiantamento de parcelas de vale-transporte, o que despertou a atenção dos órgãos de controle", declarou.

Segundo o procurador, após a desconfiança do MP e da Câmara Municipal, a PBH então abandonou a medida de antecipação e adotou os empréstimos, sendo que Fuad nada teria feito para readquirir os recursos públicos. 'Ao contrário, atuou para manter os empréstimos aos amigos empresários', e em 2022, apresentou outra proposta para aprovação de novo repasse de R$ 400 milhões. Após resistências para a aprovação na Câmara Municipal, Massari recordou que foram acordadas contrapartidas que garantiriam gratuidades para segmentos vulneráveis, o que até hoje não foi regulamentado. 

Chamando de "efeito Robin Hood às avessas", que tira dos mais pobres para dar aos mais ricos, Massari ressaltou que todos os dados apresentados à CPI são para que a Câmara Municipal possa fazer uma avaliação do que vem ocorrendo e se posicione em relação ao transporte público na cidade. O procurador lembrou que realizou na tarde de ontem (31/7) o protocolo de um comunicado de possível prática de infração política administrativa por parte do prefeito e que cabe ao legislativo o ato de sustar o contrato de transporte coletivo vigente. "Não são apenas omissões formais, mas materiais. Não é possível ter um transporte coletivo tão ruim se não houver omissão do poder público. E não há melhor maneira de favorecer um grupo de empresários que a continuidade das omissões", afirmou.

Sustação do contrato

Parlamentares participantes da reunião consideraram graves as denúncias trazidas pelo promotor. Loíde Gonçalves (Pode), que preside a comissão, perguntou quais seriam os crimes em que incorreram os empresários, ao que Massari respondeu que em relação ao contratos já houve prescrição, mas que há crimes previdenciários e possivelmente também crimes fiscais. "A BH Leste, em específico, tem como sócios duas pessoas que não têm poder aquisitivo para manter empresas. Então tem falsidade ideológica e isto está em fase inicial de investigação", contou.

Também presentes, vereadores da base do prefeito, dentre eles, o líder Bruno Miranda (PDT), questionaram o procurador se há inquéritos instaurados no MP de Contas sobre estas denúncias e em que fase estariam os procedimentos. Massari respondeu que não há nada e que os trâmites para esta manifestação da entidade podem durar de dois a três anos, em função das investigações.

O presidente da Casa, vereador Gabriel (sem partido), destacou a importância da CPI como ferramenta de fiscalização e investigação e disse que se há responsabilidade do prefeito ele responderá por isso. Gabriel também disse que, para haver a sustação do contrato a partir do Legislativo, é necessário a apresentação de um projeto de resolução (PR) e, em seguida, sua aprovação pelo Plenário da Câmara Municipal. "Vou gostar de ver quem é que vai assinar (o PR) porque são 14 assinaturas e para ser votado são 21 vereadores. O contrato cai na hora. Esse é o trâmite. Os fatos são gravíssimos. Tenho certeza de que um PR será escrito e vamos ver qual vereador vai ficar do lado da máfia e qual vai ficar do lado da população", declarou.

Assista à íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Social

4ª Reunião - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - Ônibus sem qualidade