Corte de benefício a moradores de ocupações pode provocar volta às ruas
Após 30 meses, PBH suspendeu auxílio sem estudo socioeconômico; sem recursos, famílias não têm como bancar moradia
Foto: Bárbara Crepaldi/CMBH
O fim do pagamento do auxílio pecuniário para cerca de 60 famílias moradoras das Ocupações Marielle Franco, Anyky Lima e Michele Almeida pode ter como consequência o retorno dessas famílias para a trajetória de rua. Essa foi a conclusão a que chegaram as vereadoras Bella Gonçalves (Psol) e Iza Lourença (Psol), após a audiência pública solicitada por elas e realizada nesta segunda-feira (21/11) pela Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor. As famílias, encaminhadas pela Subsecretaria Municipal de Assistência Social para o programa Bolsa Moradia, da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), querem a renovação do benefício e cobram uma resposta da Prefeitura. Representantes da PBH informaram que o auxílio - pago a quem atende aos critérios preestabelecidos - tem prazo de 30 meses e não houve indicativo para renovação, o que pode ser revisto até a próxima sexta-feira (25/11). Já o Ministério Público defende moradia digna como um direito que deve ser atendido e cobra, na Justiça, a manutenção do Bolsa Moradia.
Direito à moradia
Após a exibição de dois vídeos mostrando o dia a dia nas ocupações e a ação do poder público que despejou as famílias de um prédio no Centro da cidade, os moradores manifestaram a insatisfação com a falta de diálogo da Prefeitura (PBH). Morador da Ocupação Michele Almeida, Anderson Roberto destacou que há muitas casas vazias em BH que podem abrigar quem precisa. “Queremos uma moradia digna porque na rua há muita violência, não tem como tomar banho, não sabemos quando vamos comer, além de ficarmos na chuva”, reivindicou. Lara Prado, da Ocupação Anyky Lima, concordou: “Precisamos do apoio do poder público, caso contrário, vamos ter que voltar para as ruas com nossas crianças”. Coordenador do Movimento Libertação Popular, Jorge Pereira também teme que, sem o auxílio, muitos voltem para as ruas. Ele defendeu o pagamento de bolsa aluguel até que o governo disponibilize casas populares.
Representante do Movimento Popular, Bruno Cardoso salientou a importância desta pauta para a cidade. Ele explicou que, após o incêndio na Ocupação Marielle Franco, a Prefeitura se responsabilizou e reconheceu o direito e a necessidade de dar um suporte para aquelas famílias. Porém, segundo Bruno, a 'política é precária’ e foi interrompida sem que houvesse um acordo com os beneficiários. “É preciso incluir essas pessoas na política de habitação definitivamente e a PBH deve lutar para prestar o serviço, e não para negá-lo”, afirmou. Ao concordar com Anderson Roberto que há muitas casas vazias - “inclusive prédios inteiros abandonados” - e muitas pessoas precisando de abrigo, Bruno destacou que a falta de moradia fere princípios fundamentais dos direitos humanos e que é impensável que o poder público não volte a garantir esse direito. “Se há um conflito de direitos, temos que ficar do lado de quem luta pela sobrevivência”, ponderou.
A utilização de hotéis com dívidas com o Município para acolher pessoas com histórico de trajetórias de rua foi defendida por Hélio Fabiano, representante da população em situação de rua. Ele, que também já ficou sem ter onde dormir, hoje é um dos moradores do Hotel Bragança, na Avenida Paraná, graças ao acordo feito entre o proprietário e a PBH. Segundo ele, são cerca de dez hotéis no Centro da Capital com condições de liberar vagas imediatas. Hélio questionou o valor pago pelo Programa Bolsa Família, que não tem reajuste há mais de 15 anos e repassa cerca de R$ 500,00.
Garantia do direito
A promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário, Cláudia do Amaral Xavier, afirmou que o Ministério Público aguarda a decisão judicial para reverter a suspensão do pagamento do auxílio pecuniário para os moradores das três ocupações. “O pedido já foi negado duas vezes pelo Judiciário e esse é o último recurso. Não podemos permitir tamanho retrocesso deixando que essas pessoas voltem para as ruas”, disse. Ela apoiou a ideia de utilização dos hotéis para socorrer as famílias de uma forma mais efetiva.
Bella Gonçalves manifestou sua satisfação em saber que o MP está acompanhando “uma das reivindicações mais importantes que é a garantia de moradia para pessoas mais vulneráveis”. A vereadora lembrou que BH tem uma política de habitação que previa o Bolsa Moradia para que pessoas sem condições de arcar com essa despesa pudessem ficar em uma habitação escolhida pela PBH. A pessoa só perderia esse auxílio se fosse atendida pela política de habitação ou se deixasse a condição de vulnerabilidade. A vereadora informou ainda que, após a manifestação da Ocupação Mariele Franco (no mês de julho/2022), participou de uma reunião com a então secretária municipal de Assistência Social Maíra Colares, o secretário de Governo, Josué Valadão, e o diretor-presidente da Urbel ,Claudius Vinícius Leite, que teriam afirmado que o abono seria estendido até outubro e que nesse período seria analisada a situação socioeconômica das famílias. Ela perguntou se foi feita uma análise socioeconômica para suspender o auxílio.
Resposta da PBH
Gerente de Gestão do Serviço de Média Complexidade da Subsecretaria Municipal de Assistência Social, Marcel Belarmino afirmou que o município oferece programas assistenciais com critérios de concessão, e acompanhamentos de acordo com sua especificidade. Ele explicou que o Bolsa Moradia é gerido pela Urbel e que uma parcela desse recurso é destinada a pessoas em situação de rua que são encaminhadas pela assistência social. Marcel salientou que a PBH oferece 1068 vagas no Programa Bolsa Moradia que prevê o repasse de recursos por 30 meses. O gerente afirmou que a secretaria faz avaliações constantes, mas que não tem conhecimento sobre estudo socioeconômico que respalda o fim do auxílio e reconheceu a defasagem do valor pago.
Representando a Urbel, Sandra Mara explicou que o Bolsa Moradia atende três públicos distintos: a população retirada de área de risco; quem aguarda reassentamento em virtude de obras em vilas e favelas; e pessoas encaminhadas pela Assistência Social. A técnica ponderou que as famílias originárias da Ocupação Marielle Franco foram retiradas em razão de um incêndio e que o abono pecuniário foi um socorro emergencial. “O entendimento é que o benefício seria temporário. Inicialmente seriam seis meses, que se estenderam por causa da pandemia”, disse. Patricia Lobato, também da Urbel, afirmou que desconhece os desdobramentos da reunião citada pela vereadora Bella e solicitou que fosse encaminhado um pedido de informação para que sejam verificados junto ao presidente da Urbel e à Secretaria de Assistência Social, comprometendo-se a retornar até a próxima sexta-feira (25/11).
Bella Gonçalves lamentou o esvaziamento da política pública e a falta de uma política de provisão de habitação em BH. Ela alegou que existe hoje uma política de “amortecimento de conflito” que não vai impedir que a população volte para as ruas e retome o movimento de ocupação como forma de garantir o direito à moradia, caso não seja dada uma alternativa. Para ela, não é minimamente razoável tirar uma pessoa que já está acolhida por uma política pública e mandá-la de volta para as ruas. “É um problema social ainda maior”, disse.
Iza Lourença se disse assustada com as informações repassadas durante a audiência, em especial com a revelação de que o Bolsa Moradia só dura 30 meses e que as pessoas estão voltando para as ruas. A expectativa dela é que na próxima sexta-feira a resposta da PBH seja pela manutenção do auxílio até que as famílias sejam incluídas no programa de moradia, e que de fato "nós tenhamos a recuperação da política de moradia na capital mineira". Iza assegurou que será feito um requerimento formal sobre a ampliação do abono até que os dados sejam analisados; e um pedido para que a Urbel e o Conselho Municipal de Habitação elaborem critérios para definição de temporalidade para inserção e desligamento do programa. As parlamentares também vão encaminhar pedido para celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a respeito das ocupações entre Urbel, Ministério Público e Defensoria Pública para inclusão definitiva das famílias nas políticas de moradia.
Superintendência de Comunicação Institucional