Coleta de dados raciais em BH tem aval da sociedade e do poder público
PBH e representantes de órgãos como UFMG e OAB prestaram apoio à aprovação de projeto que trata de informações com recorte racial
Foto: Cláudio Rabelo/CMBH
Onde está o povo negro? Esta é a pergunta que motivou audiência realizada pela Comissão de Administração Pública, nesta quarta-feira (9/11), que contou com a participação de representantes da PBH, UFMG, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) e várias organizações da sociedade civil. O debate teve como intuito avançar nas discussões sobre o Projeto de Lei 398/2022, que pode ser votado em 1º turno pelo Plenário da Câmara nesta quinta-feira (10/11), e altera a lei que trata as políticas de promoção da igualdade racial, obrigando a Prefeitura a coletar, processar, consolidar e publicizar dados raciais a partir das áreas de saúde, educação, segurança, política urbana, desenvolvimento econômico, cultura, esporte e lazer. O projeto é de autoria da Comissão Especial de Estudo - Empregabilidade, Violência e Homicídio de Jovens Negros e tem como principal objetivo criar um banco de dados capaz de subsidiar ações previstas na Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial. Segundo seus autores, estudiosos e agentes envolvidos no combate ao racismo, a proposta pode qualificar a promoção de projetos da Prefeitura e auxiliar de forma prática no combate ao racismo na capital.
“Não temos publicação de dados racializados em BH, o que dificulta a criação de políticas públicas e invisibiliza o racismo e as pessoas negras na cidade. O conselho (Municipal de Promoção da Igualdade Racial) está regulamentado, mas não temos dados. Os dados vão nos dizer alguma coisa”, disse Iza Lourença (Psol), que solicitou a audiência, contando aos participantes que quando a comissão especial que fez o projeto foi criada, a falta de informações sobre o tema já era uma dificuldade. “O problema logo identificado foi a inexistência de dados. Trabalhamos com informações de 2018. Não há recorte racial em nenhuma prestação de serviços”, salientou Iza. Para Gilson Guimarães (Rede), é preciso que as informações cheguem e que a comunidade negra se posicione. “A maioria negra e pobre da favela não é vista na política como outras pessoas são. O negro tem que se posicionar sobre o direito dele e ter um empoderamento que deve partir de cada um de nós. Eu estou aqui para me posicionar como liderança política”, afirmou o vereador, que também faz parte da comissão especial.
Muita história e poucos dados
Camila Bastos é arquiteta, urbanista e pesquisadora da UFMG. Para ela, o projeto tende a possibilitar que estudos sobre o racismo se encontrem com questões ainda não estudadas. “A questão racial nunca atravessou a urbana. Não termos dados raciais é atrasar as políticas públicas inclusivas. BH, com esse projeto, tem chance de sair na frente”, disse a pesquisadora, apresentando aos participantes dados sobre a história urbana da capital de Minas. Segundo ela, em 1872, antes da construção de Belo Horizonte, o chamado Curral del Rey, tinha mais de 79% da população constituída de pardos e pretos, com a maior parte da população considerada livre. “Com a derrubada do Curral del Rey, boa parte dessa população não teve seus direitos garantidos”, afirmou, explicando que, com a construção da cidade, houve uma segregação com os brancos morando na parte interna da Avenida do Contorno e pretos e pardos se deslocando para vilas e favelas. Dados apresentados por ela dão conta de que os moradores das vilas e favelas de BH são majoritariamente pretos e pardos (80%), mesmo com essa população representando 53% de todos os moradores.
Para Alex Teixeira, que é advogado e integrante da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB/MG, o projeto a ser votado nesta quinta é resultado de um engajamento forte de anos. “Costumo dizer que 10 homens brancos almoçando no Shopping Diamond são dez pessoas almoçando. Mas 10 homens negros almoçando no mesmo Shopping Diamond são dez negros almoçando. As questões raciais existem”, finalizou Alex, afirmando que “todos sabem quem é alvo e a cor do alvo, a cor e a raça de quem está na fila do osso e de quem está em situação de rua na cidade”.
Compromisso com a implementação
Entre os representantes de órgãos ligados à Prefeitura presentes à reunião estavam Genilson Zeferino, secretário Municipal de Segurança e Prevenção; Eduardo Starling, da Empresa de Informática e Informação de BH (Prodabel); Makota Kizandembu, do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial e integrantes dos conselhos municipais de Educação, Juventude e Saúde.
De acordo com Eduardo Staling, a Prodabel está disponível para promover a compilação dos dados com recorte racial apurados para publicação e divulgação posterior. “Para que o projeto seja aprimorado e os dados sejam melhor usados pela população, daremos todo apoio. Precisamos preparar o sistema para receber os dados, pegar as informações e tratar para gerar os indicadores para vocês. A Prodabel é coadjuvante, mas estaremos trabalhando próximos de vocês”, afirmou Starling.
Destacada como fundamental na coleta de dados relativos à criminalidade, a Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção é considerada, pelos autores da proposta, parceira importante na implementação do PL 398/2022. Segundo Genilson Zeferino, não faltará apoio e ação. “Não dá pra ficar em cima do muro. Sou secretário e quero colocar a minha secretaria à disposição. Não vou tergiversar, pois isso está na minha governabilidade. Eu como homem negro e secretário não serei identificado como capitão do mato. Quero que vocês comecem o trabalho pela minha secretaria. Que bom que estamos seguindo os passos de Zumbi”, afirmou Genilson em referência ao líder quilombola brasileiro, que tem seu dia comemorado em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. “Quero fazer diferença. Quero fazer parte dessa história”, finalizou o secretário.
Encaminhamentos
Além de chamar a todos para participar da reunião do Plenário desta quinta-feira (10/11), quando poderá ser votado o projeto de lei que cria o recorte de raça na coleta de dados da PBH, a vereadora Iza Lourença sugeriu que seja criado um grupo de trabalho com integrantes que participaram da audiência. O objetivo seria pensar um plano de trabalho que tenha como função buscar alternativas de implementação do PL 398/2022. Iza também afirmou que será feita uma outra audiência para tratar do Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial, além de um pedido de informação direcionado às Secretarias Municipal e Estadual de Educação, perguntando os motivos pelos quais não há escola de ensino médio na Região da Vila Pinho, no Barreiro. A denúncia foi apresentada durante a audiência pela professora e ativista Wanderleia Reis. Segundo ela, alunos da região chegam a caminhar por vários quilômetros para cursar o segundo grau.
Assista à íntegra da audiência.
Superintendência de Comunicação Institucional